Dois discos compactos e o
primeiro LP de um cantor e violonista desconhecido
chamado João Gilberto surpreendem os ouvintes de rádio
no Brasil. Os discos estouraram como bombas A no cenário
musical. Esse novo baiano cantava de uma maneira muito
estranha para o público acostumado a ouvir os trinados
operísticos dos astros da Rádio Nacional. Muitos diziam
que o cantor não tinha voz, que não sabia cantar e,
enfiando a touca com que ele mesmo parecia acenar, que
"desafinava".
Reações próprias do
medo que provoca coisas tão inovadoras como essa bossa
nova que acabava de nascer. Contra o que era hábito João
Gilberto não cultivava o canto "rasgado", antes usava a
voz que tinha de uma forma natural, intimista,
distanciada emocionalmente, sem mímica. A voz não
aparecia, como era hábito ouvir-se, em duelo com a
orquestra, uma tentando se sobrepor à outra.
Lúcio Alves,
cantor cuja obra gravada até então já apontara o
caminho para a revolução bossa-novista:
A voz dele é sempre o instrumento que falta
numa orquestração. Isto é: ele une os instrumentos
da orquestra através da voz, sendo capaz de
reproduzir o som que lhe parece adequado à música
que está interpretando.
Chega de
Saudade. Em muitas partes do LP sequer havia
orquestra, apenas um ou outro instrumento que sublinhava
sequências melódicas em arranjos cuidadosamente
trabalhados como comentários ao que era cantado por
Antônio Carlos Jobim, dito Tom. Quase sempre ouvia-se a
voz serena, enxuta, de João cantando como quem fala por
cima do som de um violão tocado com uma batida diferente
sobre acordes fora do comum - dissonantes. Sons
de uma orquestra em um único instrumento. Aliás, dois: a
voz cool com timbre metálico e anasalado também
participava dessa orquestração, de maneira talvez
aproximada à de Chet Baker suando sua trompete e, nas
introduções, desenvolvendo até aí (fora do jazz)
inimagináveis onomatopéias. E aos arrítmicos
arromânticos que o acusavam de não saber cantar e
desafinar o próprio João argumentava com música
Desafinado
Tom Jobim-Newton
Mendonça
se você disser que eu desafino, amor, saiba que isso
em mim provoca imensa dor
só privilegiados têm ouvido igual ao seu, eu
possuo apenas o que deus me deu
se você insiste em classificar meu comportamento de
antimusical
eu mesmo mentindo devo argumentar que isto é bossa
nova, isto é muito natural
o que você não sabe nem sequer pressente é que os
desafinados também têm um coração
fotografei você na minha rollei-flex, revelou-se a sua
enorme ingratidão
só não poderá falar assim do meu amor, ele é o maior
que você pode encontrar, viu?
você com a sua música esqueceu o principal, que no
peito dos desafinados
bem fundo do peito bate calado, que no peito dos
desafinados também bate um coração
Na
década de 1950 o Rio de Janeiro já tinha dimensões de
metrópole. Expandira-se de início para a Zona Norte,
estendia-se já para a Zona Sul, onde até a década de 30
só havia uns poucos palacetes. Até então Copacabana,
Ipanema e Leblon, a sul da baía de Guanabara, pouco mais
eram que espantosas praias hors ville quase
inexploradas.
Os novos prédios foram
ocupados por funcionários de ministérios e repartições e
militares de carreira. Tom Jobim, cuja família operava
no ramo do ensino, nasceu na Tijuca e mudou-se ainda
menino para Ipanema quando o bairro pouco mais era que
um areal. No térreo dos prédios e hotéis de Copacabana
brotaram boates e/ou inferninhos
onde se apresentavam músicos contratados e convidados
com o samba - e o baião e o... - no sangue e o jazz, o
be bop, o cool da West Coast e seus mestres na cabeça.
Andares acima ouvia-se discos importados. Passava-se
para pianos e violões o que emanava das gravações de
Lennie Tristano, Lee Konitz, Zoot Sims, Chet Baker/Gerry
Mulligan e caterva. Nada mais indicado para tocar em
apertamentos noite fora que essa música que saía das
vitrolas e era passada para pianos e violões tomando
jeito e forma de balanço Zona Sul quase em
surdina.
Nos bares, ao piano e até
mesmo no acordeão, desde o início da década de 50 Tom
Jobim, Johnny Alf (João Alfredo de batismo), João Donato
e Newton Mendonça, mãos de samba - ou de baião ou... -,
burilavam as medidas harmônicas desmedidas inspiradas no
be bop mais para cool jazz que buliam nos EUA.
O brasileiro tem,
como o português, fino talento para a modelação e
progressão harmônica e baseia o canto no simples
violão - notaram mais de cem anos antes os
viajantes prussianos Spix & Martius. Leve e portátil
para as serenatas tropicais, a guitarra espanhola
tornou-se alicerce de estilos de lei da música
brasileira, como o choro. Mas na época, como conta Edu
Lobo, os jovens ainda chegavam a ter pavor da
perspectiva de terem de fazer iniciação musical com o
acordeão. O outsider João Gilberto foi para
esses jovens também um instrumento de libertação.
Universitários, boas-vidas
ou playboys, como já eram chamados, jovens (súbito
tornados mestres) como Carlos Lyra e Roberto Menescal
assimilaram num ápice essa nova bossa cuja música,
letra, modo de cantar - efeminado, para quem não
era do ramo - é um chute no formalismo e um abraço
apaixonado no improviso e na coloquialidade.
As dissonâncias estão na
música brasileira desde pelo menos um século antes. As
blue notes, como ensina o musicólogo Eurico Nogueira,
não são influência norte-americana. Brasil e EUA as
herdaram dos sistemas penta e hexatônico africanos.
Nesse arco de um século, até o irmanamento cool
jazz/bossa nova, música brasileira e norte-americana,
com a África no horizonte, caminham em paralelo.
Sobre como se forma o novo
estilo e quem foi quem em sua formação, a contribuição
de cada um para os novos moldes de composição e
instrumentação, excerto de entrevista de Radamés
Gnatalli ao jornal Pasquim do Rio de
Janeiro em meados da década de 1970 é esclarecedor sobre
as dúvidas e a polêmica que o assunto provocara,
provocava e provoca. A cada um a sua sentença:
Sérgio
Cabral - O pai da bossa nova é o jazz ou Debussy?
Radamés - Diziam que o acorde de nona era coisa de
música americana mas não era. A música americana já
tinha tirado isso de Debussy. A bossa nova é um ritmo, a
batida da caixeta que foi feita pelo Rui [Rubens]
Bassini, botando um pauzinho daqueles mais pra cá.
Sérgio - Não foi João Donato?
(Tumulto. Todos discutem)
Tárik de Souza - Você tem um disco onde na contracapa o
Ferrete fala que a primeira gravação da bossa nova foi
Recordando, onde você usou um tipo de orquestração
diferente.
Radamés - O que é que define a bossa nova pra vocês? Um
samba do Noel ou um samba do Tom?
Tárik - Nós é que te estamos perguntando.
Radamés - A bossa nova foi apenas arranjos diferentes de
coisas que já existiam antes. Duas Contas de
Garoto é uma bossa nova.
Sérgio - Johnny Alf também.
Radamés - Na música tradicional - que ainda vive por
causa de escola de samba e carnaval, na bateria de samba
e de marcha - o tempo forte foi deslocado, Se você levar
uma banda de fuzileiros navais - que começa na batida
fraca - pros Estados Unidos ninguém vai conseguir
marchar. Lá eles começam no pé direito e aqui nós
começamos no esquerdo. A característica da música
brasileira é a marcação no tempo fraco. Única no mundo
(exemplifica). Nenhum estrangeiro poderia tocar isso.
Com a bossa nova anularam esse troço, ficando mais
universal. Todo mundo toca.
Aldir Blanc - Culturalmente foi um retrocesso?
Radamés - Se não fosse as escolas de samba continuando a
fazer aquela marcação tinha acabado tudo isso. Agora
cantam bossa nova no mundo inteiro. Outro dia vi um
filme francês onde no fundo tinha uma batida de bossa
nova. Agora tocar samba no duro...
A bossa
nova não foi obra de um cara (o João Gilberto de Chega
de Saudade e maravilhosas gravações seguintes,
que entretanto foi nela o instrumento-síntese) ou de
um momento feliz. Antes de explodir em 1958-59 ela
implodiu nos bares e apertamentos da Zona Sul do Rio.
Durante quase todos os anos 50 ela foi sendo gerada
por um bom punhado de músicos que foram mantidos no
quase anonimato por décadas a fio (Johnny Alf, os
saxofonistas Moacir Santos, Paulo Moura, Juarez
Araújo, o baterista Edson Machado...).
O
prenúncio está em covers de sucessos norte-americanos
cantados em inglês por Leny Eversong, Nora Ney e Dick
Farney - ó os nomes americanizados. Nora Ney chegou a
gravar uma versão de Round Midnight, de
Thelonious Monk. Em 1953 Dick Farney volta de uma
temporada nos EUA falando em adaptar o estilo de Bing
Crosby ao nosso samba-canção e à nossa língua.
No mesmo ano teimou com o compositor João de Barro em
não gravar com um conjunto regional de violão,
cavaquinho e instrumentos de ritmo a canção Copacabana,
do próprio de Barro. Teimou e venceu: ficou com uma
orquestra regida por Radamés Gnatalli atrás de sua voz
de Sinatra-Crosby. Seu fan club Sinatra-Farney (de que
Johnny Alf era sócio) chegou a ser apontado como uma
poderosa arma na chamada invasão da música americana.
Jackson do Pandeiro cantava que só botava be bop no
meu samba quando o Tio Sam pegar no tamborim mas
as sucessivas reuniões em estúdio de Tom Jobim com Dick
Farney e Lúcio Alves (em 1953 para gravar Teresa da
Praia), Dóris Monteiro, Silvinha Telles e outros
mostravam que a mistura não requeria contrapartida. Que
viria de todo modo.
Como os criadores do be bop, que foram buscar a força de
sua revolta contra a exploração comercial da música
afroamericana à essência do sentimento musical negro, a
bossa nova revolucionava indo buscar energias na fonte
do velho samba e de outros ritmos locais, bossas mais
velhas no tempo mas sem idade. O canto de João Gilberto
fará lembrar um disco de Noel Rosa cantando música de
sua autoria, além de Mário Reis e Orlando Silva, que já
emitiam as notas de forma discreta e direta, quase como
no canto coloquial da bossa nova. Por outro lado, se
Charlie Parker espelhava-se em Coleman Hawkins e Lester
Young o saxofonista e flautista Pixinguinha era exemplo
forte de tradição e modernidade/atemporalidade para os
jovens saxofonistas que também ajudaram a desenvolver a
linguagem do novo som. A base é sempre uma só, como
escreveram Jobim-Newton Mendonça noutro de seus textos
antológicos, One Note Samba/Samba de Uma Nota Só.
Ter bossa é ter um certo
feeling e muito balanço. O balanço brasileiro, diferente
do balanço do jazz - explicava Tom Jobim. Balanço
brasileiro cuja base é sempre uma só. João Gilberto dá o
tom. Seus três primeiros LPs, detonados entre 1959 e
1961, são exemplos de que sua bossa emprega bisturi
de sambista, fiel ao suingue intrínseco do velho
ritmo, cinzelado por bambas moldados no idioma de
morro, como observou Tárik de Souza em crônica
sobre o relançamento das 38 faixas em CD publicada em 21
de janeiro de 1993 no Jornal do Brasil do Rio de
Janeiro. Exemplos: a par com as jobinianas,
Bolinha de Papel de Geraldo Pereira e A
Primeira Vez de Bide e Marçal, mais uma mão-cheia
de coisas da antiga como Aos Pés da Cruz
do repertório de Orlando Silva, É Luxo Só de Ari
Barroso e Rosa Morena de Dorival Caymmi, que de
resto por coisas como Sábado em Copacabana
é também incluído no rol dos predecessores ou elos de
transição do samba-canção para a bossa moderna.
E o que é Bim-Bom - é só
isso o meu baião e não tem mais nada não? Está
claro que Tom não fez só bossa nova, ou melhor, que fez
também a melhor bossa em peças de câmara em variados
estilos, cores e sombreamentos. E a arte de João, é
bossa só?
Se
tudo o que João fez foi bossa nova, então em João
Gilberto (1973) - só ele e a bateria
desnorteada-teante do norte-americano Sonny Carr -, por
sinal na linha de Bim-Bom e Oba-la-lá, a
valsa Como São Lindos os Ioguis (Bebel) é bossa?
nova?
Bossa nova então é tudo o que se inclua nessa visão
harmônica e rítmica da música e da vida. O samba Louco
de Wilson Batista, Estate de Bruno Martino [odio
l'estate! - não canta ele no final, como não canta
isto é ... (bossa nova) , isto é
muito natural ], Isto Aqui O Que É de Ari
Barroso. Não é um gênero musical, antes um estilo, uma
maneira de se abordar qualquer tipo de música, como
aliás tem sido feito por João e um pouco por todo o
mundo e está patente por exemplo em LP de Silvinha
Telles de 1960 em que os arranjos de Tom Jobim ora têm
tratamento camerístico, ora jazzístico, ora sinfônico,
ora simplesmente de samba. Foi da mistura de muito
variada música brasileira com o espírito do cool jazz e
as bossas impressionistas que nasceu a revolução
estilística para uma linguagem universal, tal como
também deu a entender Gilberto Gil em histórica
entrevista no regresso do exílio em Londres (1972) para
o Bondinho : Eu só podia entender a batida
como baião, nunca como samba. Eu não podia relacionar
aquilo que João Gilberto estava fazendo com samba. Eu
ia bater, pegava no violão e dizia "samba", mas não
dava.
...
Aloysio de Oliveira, antigo integrante do conjunto Bando
da Lua, que acompanhou Carmen Miranda nos EUA, tornou-se
a voz de Disney e diretor das dublagens em português das
produções do mago dos desenhos animados. De regresso ao
Brasil em 1956 tornou-se diretor artístico da Odeon,
onde foram gravados quase todos os discos fundamentais
da fase de transição do samba-canção e sambolero para a
bossa e do chamado movimento bossa nova, que como tudo o
que dá certo acabou por transformar-se no Brasil e no
mundo também em produto descartável, com toda a sorte de
mistificações (sobretudo abobalhadas, como era tomado
também o espírito da BN).
Na
hora da mudança fundou o selo Elenco. Aí lançou muitos
outros documentos fundamentais do gênero e mais tarde
dos jovens compositores e cantores que surgiram na sua
esteira, como Edu Lobo e Maria Bethânia.
Na
quebrada da onda compôs com Tom Jobim Inútil
Paisagem, Dindi e Só
Tinha De Ser Com Você.
...
Quando nos Estados Unidos o cool jazz e com ele o jazz
encontravam-se num beco sem saída, a bossa nova nascia
coletivamente e tomava embalo para levar ao mundo uma
lição de cool imenso que não dispensava a pulsação do
bop. Com João Gilberto (logo quem) a bossa nova pinta
como grande dica vanguardista e sucesso de massas. João
sintetizou no canto e no violão a dica popular e a
frieza do cálculo experimentalista.
Em
digressão ao Brasil o violonista Charlie Byrd captou a
boa nova al volo e de regresso à América de lá tratou de
pôr Stan Getz, em crise de toda a sorte, no páreo. Logo
surgem espécimes híbridos como o LP Big Band Bossa
Nova, do maestro Gary McFarland e Getz, em que a
cantora Carmen Costa toca cabaça (!), o que ela fazia
também naqueles tempos na banda de Dizzy Gillespie ﴾!﴿.
Quase, quase o tio Sam pega no tamborim. O que era
bossa passou a ser, na América de lá, latin jazz
- como a bossa pop (ver meio
século de psicodelia e bossa nova, neste
busu), qualquer jazz, balanço, porque baterista
americano ain't got that swing.
A
bossa jazzificada ou latin jazz, um tanto
merengada e abolerada pelo pessoal da Costa Oeste, que
supria a falta de novas idéias com o produto de maior
demanda de mercado depois do hully gully e do twist, foi
recambiada pela nata da nova rapaziada do instrumental
brasileiro. Eles retomam as influências que gente como
Bill Evans, Lennie Tristano e Lee Konitz (paixão
confessada do sax-alto e clarinetista Paulo Moura) sobre
eles exerceram nos primórdios e adaptam a linguagem do
improviso às estruturas melódicas, harmônicas e rítmicas
da sua salsa, com excelentes resultados em casos como o
de - só como exemplo - Sérgio Mendes e Bossa Rio ou
Moacir Santos, cuja obra inicial foi excelente visto de
entrada deles na América.
Casos houve, como os do Tamba Trio (depois Tamba 4) e do
Quarteto Novo de Hermeto Pascoal, Airto Moreira, Theo de
Barros e Heraldo do Monte, em que o impulso criativo
gerou uma música instrumental que estabeleceria padrões
de excelência da música experimental dos anos 1970,
mesmo quando os instrumentistas trabalhavam como
acompanhantes de cantautores como Milton Nascimento. Não
bastasse o seu trabalho próprio, Luís Eça - um dos
melhores músicos da segunda metade do século XX - e o
trio Tamba mostraram logo de caras ao que vieram com o
trabalho de orquestração e acompanhamento do primeiro LP
de Edu Lobo (Elenco) - das composições ao canto do
cantautor e à instrumentalização uma obra-prima da
música popular brasileira.
Parente com afinidades eletivas com o jazz, nos scats
como nos jogos harmônicos de vanguarda, o conjunto vocal
Os Cariocas é um dos marcos de referência da BN, cuja
evolução desde os primórdios nos anos 50, quando ainda
iluminado também pela maestria e inspiração de Ismael
Neto (autor com Antônio Maria de Valsa de Uma Cidade),
reflete todas as cambiantes de paisagem ao longo da
picada desbravada pela música carioca (ou adotada pelo
Rio) do samba e do samba-canção, do cool jazz e do latin
jazz ao parente mais próximo da música brasileira com o
jazz, a bossa jazz, e seus derivados.
...
Através da prática mesma de seus criadores a bossa nova
surgia como um movimento teórico e didático - no canto,
nas linhas melódicas (Tom Jobim, Roberto Menescal e
Carlos Lyra são, além do mais, melodistas par
excellence ), nos arranjos e nas letras. Newton
Mendonça - co-autor com Tom Jobim de três bulas com os
princípios estéticos e éticos da BN, Desafinado,
Discussão e Samba de Uma Nota Só - e
Vinícius de Moraes mostravam em suas letras perfeita
sincronia com o pensamento-ação de seus parceiros.
Também compositores, transavam as letras em trabalho a
quatro mãos com o maestro Tom transpondo para as
palavras a semântica musical, com acentuações rítmicas,
tônicas e síncopes em afinidade para lá de ímpar ou
singular com a progressão melódica.
Como corolário do seu trabalho laboratorial encontraram
numa porção de cantores do seu tempo intérpretes de
primeira de suas propostas inovadoras, dando o tom mais
adequado a sílabas e sons enunciados. João Gilberto,
Agostinho dos Santos, Silvinha Telles e Alaíde Costa são
apenas 4 exemplos.
A
temática bossa-novista é a do despojamento mas também a
do rigor, de que decorre o uso da letra como comentário
da música ou vice-versa. Trechos em que a música
reproduz o andamento e o balanço do mar ou da moça que
passa a caminho dele num cenário e clima de descontração
e tranquilidade permanecem como a mais justa expressão
de certas impressões. Bossa nova é o propalado "feriado
da alma" carioca (e universal - como se vê pela forma
como o seu feeling deslumbrou no ato sensibilidades
afins por assim dizer sofisticadas não importa em qual
quadrante do mundo), tantas canções retratos
impressionistas de sentimentos e paisagens solares ou
merencórias (porque como o balanço é - quase - o mesmo a
alma é o mesmo espelho de uma saudade atávica). Entre
múltiplos exemplos de obras-primas figura uma magistral
revelação da Fotografia de Tom Jobim por Sílvia
Telles.