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   50 anos de Flower Power e MAIO DE 68        

                         1968                                                                               

       os muros proclamam um velho ideal de cidade e cidadania   

1968: o ano que não terminou ainda não acabou – dizia-se  há  30 anos. Mas partidos e políticos  fantoches  dominavam  mais  que  nunca as  sociedades  e o  ensino  transformara-se em  uma  indústria  de  diplomas controlada pela iniciativa  privada,  muito  mais  longe  do ideal  sessentoitonto  de  instrumento  de  elevação dos espíritos e criação de uma nova sociedade.

  Nessa  época,  apesar  da estupidificação yupiie de gravatas  com  estampas do Mickey e cabelos  empastados de gel, parecia que Maio  de  68 – não importa o que isso pudesse ter significado - tinha acontecido na véspera.

Mass media audiovisuais globalizados e cibernáutica fazem com que hoje já se viva a todo cibervapor uma das prerrogativas da psicodelia: ontem, hoje e amanhã, aqui, ali e acolá sintetizados num só lugar e instante. Aqui e agora.

Difícil é imaginar 50 anos depois que já se tenha lido nos muros daquela cidade o oxímoro                                                                                                               ..................................................................... .................................................................................................................................a imaginação no poder

                   ...L’IMAGINATION AU POUVOIR



         YEARS  OF  THE  GUN

.......1968... e 69 e 77 e 78... e a Itália pega fogo  

  

 
 

TODOS OS HOMENS ESTÃO ALGEMADOS. A CULTURA É CONTRA NÓS, A EDUCAÇÃO NOS TORNA ESCRAVOS, A TECNOLOGIA NOS MATA. É NOSSO DEVER LUTAR CONTRA ISSO

trecho do manifesto programático do Congresso sobre Dialética da Libertação realizado em Londres em 1967 e que teve como relatores Herbert Marcuse, Paul Sweezy, Lucien Goldman, Stokely Carmichael, John Gerassi, Paul Goodman, Ronald Laing e David Cooper.

Maio de 68 na França é um movimento espontâneo, uma revolta estudantil que, com a adesão de operários à revelia das determinações do Partido Comunista francês e da sua central sindical, põe em xeque a própria estrutura do poder político e nada menos que o gaullismo. Cedo porém o PCF e seu braço de ferro, a Central Geral de Trabalhadores CGT, em consonância com os sucessivos apelos à Ordem de De Gaulle, reassumiram o controle do timão e neutralizaram os impulsos espontaneistas do rebanho, reunindo-o ao redor de seu evangelho reformista, baseado na luta pela garantia do emprego e melhores salários (vide nomeadamente Tout Va Bien, de Jean-Luc Godard, com Yves Montand e Jane Fonda). O processo que gerou 68 desenrola-se em paralelo com as rebeliões alemã e italiana e tal como impulsiona ou fortalece revoltas congêneres em quadrantes tão distantes como México ou Japão, por exemplo, é eco estridente do movimento pelos direitos cívicos, contra a guerra do Vietnã, estudantil e de juventude  norte-americano.

Uns e outros são em conjunto o primeiro grito de alerta contra a decrepitude da sociedade humana ocidental e em substância a origem de uma nova consciência da necessidade de mudanças profundas para que gastança e usura não ponham fim às condições de vida no planeta.

Cinquenta anos depois, sem que nada de substancial tenha mudado mas como já se podia sentir então, nova postura ética e existencial e por consequência ecológica, ou vice-versa, é necessidade absoluta.

No mundo recém-globalizado pelas transmissões televisivas via satélite (e os Beatles participaram com o lançamento de All You Need is Love do primeiro programa de "mundovisão" - Europa, América do Norte - em 1967) soprava forte Vento de Leste. La Cina è Vicina, apregoa um filme de Marco Bellocchio.  Havia uma Revolução Cultural em marcha na China anti-soviética de Mao,  a invasão de Praga pelas tropas do Pacto de Varsóvia punha a nu a farsa da revolução socialista além Cortina de Ferro e os estudantes queriam uma Revolução Cultural também no Ocidente com a abertura dos portões da Universidade a todas as classes sociais.

O assim chamado Maio de 68 é espontaneista anarco-situacionista mas também leninista e maoista. Mas atenção - CE N'EST PAS UNE RÉVOLUTION, SIRE, C'EST UNE MUTATION - enunciava um graffito nas paredes de Nanterre. De presunção a geração de 1968 tinha uma astronave cheia. E é claro que a logomarca comum é a da chamada rebeldia e porque não dizer delinquência juvenil e não é por acaso que um marco inicial da Nouvelle Vague (1959) foi A Bout de Souffle, sem fôlego e acossado, em que a exemplo do que ocorre em épicos de Nick Ray como Johnny Guitar o larápio Jean-Paul Belmondo escapa até o fim do filme e de si mesmo do preconceito maniqueísta do mocinho (forças da Ordem) versus fora-da-lei. Seu fim é a morte como Johnny sem violão escapa para prosseguir talvez a mesma vida errante e sem saída de antes de reencontrar uma bela amada  e ajudá-la a combater os dragões do macartismo umas boas dezenas de anos antes do filme ser rodado.

Na Alemanha Ocidental os baby boomers queriam pôr termo à hipocrisia dos pais que os educaram pretendendo passar um pano (sujo) no passado recente de um povo que abraçou com fervor nacional-fascista a causa hitleriana do totalitarismo ariano, que também abafou uma possível revolução psicodélica trinta anos antes da norte-americana.

O assim chamado Maio de 68 é espontaneista anarco-situacionista mas também leninista, maoista E feminista. Na Itália os jovens punham os dedos nas chagas de um país que graças ao Plano Marshall e não a um milagre passou na economia da civilização quase pré para o limiar da civilização pós-industrial mas do ponto de vista social continuava mergulhado no obscurantismo patriarcal-machista católico romano, de uma parte, e no matriarcalismo do primado da mamma santa hiperprotetora, de outro, e no plano político sob o jugo do despotismo e da corrupção democrata-cristã & companhia bella e sob a ameaça do mesmo terror do Estado totalitário que também a levara ao delírio do holocausto como coadjuvante do ex-barbeiro de Berlim.

De 1968 a 1978, enquanto o país vivia o descalabro provocado por manobras de extrema-direita, ativismo armado da extrema-esquerda e permanente agitação laboral (tema nomeadamente de Year of The Gun, longa-metragem de John Frankenheimer de 1991 centrado em 1978 e no rapto seguido de morte do expoente democrata-cristão Aldo Moro pelas Brigate Rosse), as mulheres trataram de arregaçar as mangas para tentar abolir o primado do porco chauvinista machão das lendas seculares e das comédias cinematográficas, portanto da Itália contemporânea. Uma missão  impossível, e os collettivi donne tiveram de radicalizar de forma inaudita indo muito além do gesto quiçá só pueril de queimar sutiãs, como inaudito foi o radicalismo da via sanguinária do Baader Meinhof entre os alemães e das Brigadas Vermelhas da península.

Maio de 1968 não é só Maio e não é só 1968. Começa em 1955 com a rebelião negra pelos direitos civis, passa por Berkeley no início e meados dos anos 60, a eclosão do psicodelismo e do movimento hippie e prolonga-se na Itália por uma década.

O quadro é assim pintado por alto por James Anhanguera em
A triste e bela saga
dos brasilianos - da tragédia de Sarriá às arenas italianas
:

     Idiossincrática Itália. País moderno, com muito boa infraestrutura de portos e ferrovias, repaginado para o automóvel, berço de marcas-fetiches mundialmente famosas dos mais diversos produtos manufaturados, terra da extrema doçura e gentileza mas também do descalabro político-administrativo - desde a Segunda Guerra Mundial está sob governos liderados pelo Partido da Democracia Cristã (DC) -, de aberrantes contrastes sócio-econômicos, da aspereza e da máfia. Parece um país latino-americano ou a Grécia, com pelo menos duas tentativas de golpe de estado para imposição de uma ditadura nos anos 60 e 70.

     Os filhos do baby boom italiano se estripam em sucessivas ondas de protesto contra as mastodônticas discrepâncias do que é ao mesmo tempo um dos mais velhos e mais jovens países da Europa. Incentivam greves operárias, ocupam escolas e universidades, fazem trinta por uma linha sotto la pioggia (Debaixo de Chuva, canção de Antonello Venditti sobre os anos do chamado Movimento). Formam brigadas revolucionárias que pretendem atingir o Estado com emboscadas a juizes e policiais, mas o poder continuará ainda por mais vinte anos nas mãos de cidadãos acima de qualquer suspeita, corruptores e corrompidos, de caso com todas as máfias, como se verá depois. A loba que lhes dá de mamar agora é Washington, que fecha os olhos e topa tudo para evitar que os comunistas cheguem ao poder pelo voto. No centro-sul da Europa, a península vive um spaghetti western com obscuras tramas de espionagem e contra-espionagem, manobras golpistas de militares e maçons e ações sanguinárias da central neofacista contra alvos indiscriminados, perpetradas em conluio com militares, banqueiros e mafiosos; com sequestros de ricos e famosos, emboscadas das brigadas vermelhas, bombas negras e ajustes de conta entre os diferentes clãs das máfias. Isso, antes de a máfia siciliana, no melhor estilo americano, começar a mandar pelos ares carros com governantes e juizes. Enredo complexo...

     As agitações estudantis e operárias de 1968-69 - o sessantotto - que culminaram no autunno caldo em que as cabeças dos Agnelli pareciam a prêmio, assumiram nova face na década seguinte, com brigadistas e autonomi (partidários e militantes da luta armada) e indiani metropolitani (mais para o gênero paz E HUMOR, talvez inspirados antes do mais pelo Y.I.P. de Abbie Hoffman e Jerry Rubin). As Brigate Rosse extrapolam ao raptar o general norte-americano James Lee Dozier, comandante das forças da OTAN em Pádua, em 1981. Talvez por isto, o Estado - ou o quê? - quis que as Brigadas Vermelhas e outros grupos armados de extrema-esquerda fossem aniquilados. Para chefiar a operação foi chamado o general Carlo Alberto Dalla Chiesa, que em pouco tempo pôs quase todos os seus líderes e acólitos na cadeia, decretando o fim dos anos de Movimento de rebelião estudantil e de juventude. Estranhamente, brigadistas ou mercenários a serviço da direita continuam soltos. Esse mesmo “Estado” achou por bem ao mesmo tempo nada fazer contra as tão ou mais sanguinárias extrema-direita e máfia. Pelo contrário, mandou Dalla Chiesa para a Sicília presumivelmente para acabar com a máfia, mas na verdade para que fosse por ela aniquilado, o que aconteceria três meses após sua chegada a Palermo.

   - Não sabemos quando partimos; não sabemos quando chegamos; podemos até legitimamente perguntar se por acaso não há uma bomba no vagão em que estamos conversando - dizia um representante comercial a Marcelle Padovani, do Nouvel Observateur de Paris, a bordo do trem Roma-Milão em dezembro de 1972.

    Quando Falcão veio para Roma a Itália continuava a ferro e fogo e ainda sob governos democristãos - de democrata-cristão e bicho feio mesmo - inoperantes. Existem fortíssimas suspeitas de que a máfia estreita laços com o Estado através de Giulio Andreotti, eminência parda do regime que nunca se afastou do poder (foi sete vezes primeiro-ministro e titular de pastas ministeriais outras 38 vezes) e que viria a ter papel central na permanência de Falcão em Roma por cinco anos. Ninguém imagina agora que Andreotti, personagem sinistro e fascinante, cobra criada da política internacional, irá um dia parar na barra do tribunal-bunker de Palermo sob a acusação de envolvimento com a máfia.

De todo o casino  (e trauma) ficam também impressões à margem bastante marcantes. A fundação de marcos do jornalismo moderno como o Libération de Jean Paul Sartre e Serge July e Lotta Continua e il manifesto, por exemplo. Da Lotta, órgão do partido esquerdista com o mesmo nome, destaca-se a extraordinária difusão - era vendido em bancas de revista em toda a "Europa Livre" - e a qualidade gráfica de que só os italianos são capazes, quando só se poderia imaginar um jornal (diário!) do gênero mimeografado e vendido de mão em mão como era o Libé no Bairro Latino, em Montparnasse ou no 16ème.  A beleza gráfica é um dos predicados com que il manifesto - nascido de uma dissidência no PCI - se destacaria como jornal de grande (e preciosa) informação até o século XXI.

        ciberzine   & narrativas de james anhanguera

      

    MAIO DE 68

Tomemos em vôo rasante o braço de Angelo Bolaffi que há 30 anos desenhou uma cronologia comentada de Maio de 68 num caderno especial do semanário L'Espresso de Milão.

"Não há dúvida", escrevia ele então: "é difícil a vinte anos de distância conseguir conservar uma memória precisa do caráter complexo e muitas vezes contraditório dos fatos de uma daquelas raras mas repentinas febres que agarram e arrastam consigo a vida de toda uma geração". Imagine-se outros 20 anos passados e abrindo para um século em que a hecatombe é ainda mais previsível.

Bolaffi, bom de História e de estória, parte de uma perspectiva ao longo e ao largo da história do movimento, de um lado (EUA) ao outro do mundo (China em polvorosa com a implementação por Mao e Lin Piao da Revolução anti-Confúcio) e de tudo o que o precede e acompanha, como os assassinatos de Martin Luther King e Bob Kennedy e o recrudescimento da guerra do Vietnam. Ou o nascimento a partir do movimento estudantil pela "universidade crítica" em Berlim Oeste, epicentro da Guerra Fria, da Kommune I e das Wohngemeinschaften (casas coletivas), expressões de uma escolha política caracterizada por um "subjetivismo extremo":  muda-se a sociedade somente mudando-se a si mesmo.

Destaca o papel de vanguarda que meio sem querer - como foi quase tudo o que rolou durante a baderna - a Itália assume como impulsionadora da revolta nas ruas. Movimentos estudantis berlinense e romano emitem comunicado conjunto ainda antes de em março, numa das praças fortes residenciais da aristocracia italiana, o bairro Parioli, junto à faculdade de arquitetura da Universidade de Roma, os jovens contestatários da "universidade de classe" porem para correr a tropa de choque da polícia. Vai à ex-Alemanha Ocidental, onde um dos alvos principais da ira juvenil é Konzer Springer, boss da imprensa reacionária teutônica. Os estudantes, para Rudy Dutschke e demais líderes do movimento alemão, deveriam ser "guerrilheiros da consciência"...

A 22 de março seis militantes anti-imperialistas do Comitê Vietnam francês são presos e os estudantes decidem ocupar as instalações administrativas da Universidade de Paris em Nanterre. A polícia expulsa-os e eles ocupam a Sorbonne, no centro histórico da capital francesa. Os primeiros sinais de uma forte adesão a um movimento que de uma hora para outra passa a ser de autogestão vêm em abril de Valdagno, pequena cidade próxima a Veneza que pára na sequência de um movimento grevista numa fábrica. O filósofo teutão radicado nos EUA Herbert Marcuse, definido como marxista freudiano, vê na adesão operária às palavras de ordem dos jovens a prova de que intelectuais e estudantes também são operários porque cresceram tanto em número que acabam por padecer também sob o desemprego e a alienação. Sessentoitesca ou sessentontamente, pouco importa, em dissertação publicada em inglês em 1969 pela McGraw-Hill de Nova York sob o título Obsolete Comunism - The Left Wing Alternative seu conterrâneo Daniel  e seu irmão Gabriel Cohn-Bendit dizem que As diferenças entre os estudantes revolucionários e os operários resultam diretamente de sua posição social distinta. Poucos estudantes, por exemplo, tiveram de verdade experiência da pobreza extrema- lutam, sim, contra a estrutura hierárquica da sociedade, a opressão no conforto. Têm de enfrentar não tanto a falta de bens materiais como o recalcamento de desejos e as frustrações. Os trabalhadores, por outro lado, sofrem de opressão e miséria econômicas - salários inferiores a 50 francos por mês, trabalho em fábricas mal ventiladas, sujas e barulhentas, onde o capataz, o chefe de engenheiros e o administrador exercem sua influência e conspiram para manter seus subordinados no lugar que lhes compete. Apesar disso, consideram que pode haver uma CAUSA COMUM ligando os dois grupos baseada em uma tática de resistência espontânea. Mas os Cohn-Bendits vão muito além em sua "análise arguta e colorida da insurreição em Paris", fazendo ainda outra vez ressaltar "uma maravilhosa sensibilidade libertária face à manipulação seja da economia tecnocrática como dos fracassados movimentos revolucionários de oposição", como a descreveu um certo alguém. E se mostram também em sintonia com Marxcuse e tutti quanti (e com os grouchomarxistas Abbie Hoffman e Jerry Rubin) ao escrever que o sentido verdadeiro da revolução é uma mudança não dos que mandam mas do homem... a revolução deve nascer da alegria e não do sacrifício. Segundo historiadores protoconservadores das farras (a)políticas dos anos 1960 os Cohn-Bendits erram ao apostar em que uma estratégica de agitação ad hoc nas ruas possa produzir algo além da agitação pelo agito ou de erupções ("eurupções", pelo trocadilho casual de digitação) temporariamente terapêuticas de frustração, como especulou um crítico, que escreve em sintonia com deambulações em torno do mesmo assunto (Maio de 68 e o resto) expostas neste busu em trecho da página  

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Toda a França é paralisada por um movimento grevista generalizado, o que leva o general De Gaulle a fazer na televisão apelos dramáticos ao bom senso nacional para que tome uma posição clara e firme contra a baderna. Teme-se a guerra civil quando tropas francesas na Alemanha Ocidental anunciam seu apoio ao general, herói da resistência anti-nazista e o homem que conseguira pôr fim à guerra da Argélia, outro dos maiores traumas da memória pátria. As tropas soviéticas põem fim à Primavera de Praga e a ordem é restabelecida. Na França. Itália e Alemanha passam a viver os "anos de chumbo".

     Uma carta de Mary McCarthy a Hannah Arendt datada de 141 rue de Rennes, Paris 6ème, 18 de junho de 1968, e incluída no volume de correspondências da pensadora alemã, é relatório quente e elucidativo das jornadas então ainda em curso:

     São questionados todos os nossos hábitos, posses, modo de vida, conjunto de ideias e acima de tudo o nosso distanciamento crítico. (...)

     O desempenho dos literatos parisienses foi simplesmente risível, a meu ver. Quero dizer, pessoas como Marguerite Duras integrando comitês revolucionários. E o grupo Tel Quel publicando manifestos dizendo que doravante toda literatura deve ser marxista-leninista.

     A estória da ocupação do Hotel de Massa é uma pérola. Moiière puro. (...) Na verdade houve um pouco de "tartufferie" em todo o comportamento periférico. Mas não entre os estudantes, pelo menos não entre os que eu já conhecia ou conheci durante a "revolução". Não dá para saber se esta palavra deve estar entre aspas ou não, e talvez seja esta a tragédia. E houve uma tragédia para os jovens, talvez para a França, com interlúdios bufões. (...)

     O Odéon estava maravilhoso. Agora acabou e obviamente não poderia ter durado. Nos últimos dias, dizem eles, já estava se transformando num espetáculo para turistas, embora nem tanto, a meu ver, como pensavam os estudantes "enragés". Ir ao Odéon tornou-se o "programa" para depois do jantar ou domingo à tarde, mas muita gente que ia ficou comovida.

     O grupo que ocupou o Odéon parecia mais anarquista, em sentido libertário, que os grupos dominantes na Sorbonne. A "liberté de la parole" era respeitada a um ponto fantástico e havia gente de todas as idades e posições sociais discutindo questões: jovens trabalhadores, homens de negócio, um coronel do exército, professores de colégio, um garçom de bar, jovens donas de casa bonitas. Muitos deles teriam tido medo - e com razão - de pôr o nariz na Sorbonne, onde os que discordavam eram calados aos gritos e (ouvi dizer) expulsos.

     O  extraordinário no Odéon era a capacidade que tinham os jovens de manter a ordem, sem sombra de uso de força, e permitindo ao mesmo tempo total liberdade. O público aprendeu rapidamente a se autodisciplinar. Na Sorbonne, que era mais autoritária, a autoridade vivia sucumbindo: as pessoas fumavam, por exemplo, embora o "service d'ordre" implorasse para que ninguém fumasse; empurravam e gritavam. Pelo menos foi o que aconteceu na gigantesca concentração em que Sartre falou (não muito bem) - situação altamente inflamável, sem ar; eles não conseguiam abrir uma janela porque as pessoas não deixavam passar. Foi um milagre ninguém ter ficado ferido aquela noite. (...)

     A maioria dos estrangeiros com quem eu me encontrava estava mais abatida e cética quanto aos resultados disso tudo que os franceses, pois estes, como disse Vassilis (Vassilikos), confundiam seus desejos com a realidade (esta era uma das palavras de ordem). (...)

     Não me encontrei com Cohn-Bendit, embora Stephen (Spender) e eu tenhamos tentado. Mas a Sorbonne estava uma bagunça tremenda, especialmente a sala de imprensa. (...) Como você provavelmente leu, ele fugiu de Londres para Frankfurt. Se tentar voltar à França de novo temo que desta vez a polícia o pegue.

     A reação é no mínimo sinistra. Estão prendendo e deportando todo tipo de jovens estrangeiros - à mera suspeita. Ontem (ouvi dizer) a polícia estava jogando bombas de gás lacrimogêneo contra turistas perto do Odéon. Emboras as coisas estejam funcionando de novo, acho que ninguém está contente. Salvo a extrema-direita. Ainda não saí desde que voltamos mas ouço carros de bombeiros e ambulâncias indo e vindo. Minha própria impressão é a de que De Gaulle cometeu um erro com sua rápida guinada para a direita: assustará o eleitor médio que ele esperava assustar com sua retórica anticomunista.

     Todo mundo parece dar-se conta de que haverá uma crise econômica e ninguém está propondo solução alguma. A temporada turística acabou - hotéis vazios e todas as reservas para a Riviera canceladas. Pelo menos é o que diz o rádio. É um país devastado. Eu mesma não vejo como pode começar de novo sem uma revolução. Jim partilha esse pessimismo, se é que pessimismo é a palavra certa para presságio combinado com falta de simpatia pelo objetivo que visam todos os partidos políticos habituais: estabilidade, ou seja, uma volta ao status quo.

  Dias depois do assassinato de Aldo Moro, a 10 de maio de 1978, dez anos depois do Joli Mai (que para ele foi o último vagido da Revolução Industrial), o mundo político ao redor do mundo sob estado de choque porque Moro seria o único governante capaz de  dar sequência ao compromisso histórico e levar o PCI a compartilhar o poder (e mais de 40 anos depois não se tem dúvidas de que foi justo isso que o matou), a revista teórica do partidão italiano Rinascita publicou uma entrevista em que Eric Hobsbawn juntou-se ao caloroso debate em torno da escaldante sucessão de acontecimentos gerada pelo brigatismo ovunque  na Europa e na América Latina. Em vários trechos de 

       

o narrador Edgar Lessa dá claramente a entender que sua perspectiva do fenômeno - mais pro gênero jeune gen fleuri,  porque era um jovem que como eu amara os Beatles e os Rolling Stones - é a do faça amor e não a guerra ou Hey Joe where are you going with that gun in your hand como metáfora de um gandhismo intransigente com qualquer gesto descortês. Certo que para ele em princípio e por princípio qualquer ato de rebelião contra o Sistema proto-fascista, seja lá o que isso queira dizer, era bem-vindo. E 78 não é 68. E o Caso Moro estourou na mão de todo mundo. Não foi preciso muito tempo para, com a cuca mais fria, se sentir necessidade de pensá-lo também à luz da situação político-administrativa italiana que redundaria na Operação Mãos Limpas, que só levantou o véu sobre alguns dos compósitos do mar de lama entre a Otan, à esquerda e em cima e embaixo, e o Pacto de Varsóvia, à sua direita. Mas quando por volta de 1980 um após o outro os brigadistas italianos foram caçados e mortos ou postos entre as grades o que mais o espantou era o embaraço dos simpatizantes face à constatação de que afinal tudo talvez não tivesse passado mesmo de um tremendo equívoco. O simpático e múltiplas vezes pertinente Hobsbawn é então um filósofo marxista com certeza ciente de que o socialismo real é uma farsa mas ainda alimentaria sonhos de uma "verdadeira insurreição popular". Pedaços do muro de Berlim ainda irão desabar sobre sua própria cuca várias primaveras radiosas como aquela passadas e faz na bucha o que a revista interpreta como uma duríssima "crítica do negativismo terrorista". De todo modo sua intervenção nos ajuda a dar um close abrangente da visão  da época do universo das guerrilhas urbanas modernas (da palestinesa aos tupamaros, weathermen e brigadistas vermelhos de norte a sul), já à época pura e indistintamente etiquetadas de terroristas, uns dez, quinze anos após o seu advento e quando ela parecia pronta a despoletar acontecimentos porventura ainda mais espetaculares que o raid da OLP nos Jogos Olímpicos de Munique:

...

     O que está claro é que [a política que segundo ele pretende levar a uma polarização, obrigar o Estado a trocar a hegemonia pelo poder puro, pelo domínio (leis de exceção, etc.), que Quer impedir que as classes populares e as massas adquiram consciência do caráter fundamental do Estado], sobretudo após as experiências dos últimos 10 anos na América Latina, em caso de sucesso, produz desastres. Basta ver a Argentina, o Uruguai. No Uruguai - e estou falando de um movimento como os Tupamaros, bastante honesto, carregado de ideias políticas, não de uma militância militarista - quando se conseguiu polarizar os dois campos, a consequência foi a destruição total de qualquer possibilidade de atividades políticas, tanto legal quanto ilegal, e a imposição, neste país de vigorosa tradição democrática, de uma das piores ditaduras militares. ...

      Rinascita - Parece, para resumir, que você disse que existe uma "crise geral do capitalismo"; há dentro dela uma crise específica de sistemas políticos e de Estados; o terrorismo está dentro dessa crise como uma das forças de consolidação dos aspectos autoritários, anônimos, técnico-irracionais. Algo mais alarmante de que poderia ser o jogo de provocação fascista, da infiltração, da manobra dos serviços secretos (que, é claro, não devem ser excluídos).

     Hobsbawn - Claro, em dois sentidos. Primeiro, porque foram contraproducentes. Na Alemanha a RAF [Fração do Exército Vermelho] alimentou impulsos à direita. Segundo porque a própria ação daquele modo de atividade é exatamente uma rejeição da confiança na política de mobilização do povo, da classe operária, que eles não estão absolutamente em condições de realizar. O terrorismo busca uma alternativa na qual se possa prescindir do povo e das massas. A carga de autoritarismo é enorme.

     Rinascita - Você pensa ser possível se calcular levianamente estes efeitos, isto é, que o terrorismo possa ser utilizado de modo direto por aqueles que, num país como a Itália, buscam obstaculizar o desenvolvimento de um processo?

      Hobsbawn - Pessoalmente não acredito em conspirações mirabolantes. Vejo fatos objetivos. Um destes fatos é a ajuda fornecida à direita, na medida em que o terrorismo pode levar ao colapso das condições democráticas de luta. ...

     EPA-PÁ! .... Mobilização do povo... condições democráticas de luta... Parece que o equívoco era amplo, geral e irrestrito...

     Uma das principais lições do movimento estudantil e juvenil, artífice de uma salada russa espontânea em que o espírito communard de estilo hippie se confunde com trotskismo, maoísmo, neoestalinismo, obreirismo e terceiro-mundismo de estampa guevarista (um, dois, mil Vietnãs), exposta também neste busu em    50 anos de  Flower Power A doce rebelião dos jovens no Verão do Amor  é assim taxativamente resumida por Angelo Bolaffi: 

  ..... muitos acreditaram poder mudar o presente com ideologias passadas.

     No essencial a nova esquerda permanece 'nova' no plano intelectual mas no plano político repete, muitas vezes como parasita, velhos erros da 'velha esquerda'

     O rescaldo de 68 em resumo de Jacques Derrida em entrevista publicada no caderno Mais! do jornal Folha de Sáo Paulo em 3 de dezembro de 1995: a sequëncia imediata de maio de 68 foram as eleições de resultado mais direitista que jamais tivemos não somente no parlamento mas também na universidade. Após maio de 1968 a universidade ficou mais reacionária... quando vi a universidade  em particular se tornar mais conservadora do que nunca foi que eu tirei as lições de 68 ... para mim o pós-68 foi uma luta contra o novo poder asfixiante que se instalou na universidade.

  

  C'è un buco nella pentola di Marx

reproduzimos trecho de debate promovido pelo semanário italiano L'Espresso entre Lucio Colletti, André Glucksmann e Bernard Henri Levy que deverá ter rolado lá pelos escaldantes anos italianos de 1977-78 e que foi republicado pelo mesmo magazine em 1985 numa coletânea intitulada L'Espresso 1955 - 85  30 anni di Cultura a cura di Valerio Riva em que não é revelada a data de sua publicação original.

Os nouveaux philosophes causaram furor poucos anos depois do Maio '68 com uma vigorosa crítica ao marxismo e às esquerdas marxistas & derivantes e após a queda d'O Muro Henri Lévi era já um cidadão de meia idade que entre muitos outros declarava A Utopia É A Mãe Do Totalitarismo

Tem um furo na panela de Marx 

GLUCKSMANN. Quel che c'era di nuovo nel maggio '68 è stato completamente cancellato poi dagli intellettuali, che lo hanno marxistizzato. C'era una convergenza tra maggio '68 e insurrezione della gioventù americana contro la guerra; tra maggio '68 e dissidenza sovietica: in tutto il mondo uomini giovani scendevano in azione senza ricorrere né alle grandi organizzazioni né agli apparati di partito né alle grandi teorie che pretendono di fornirci la soluzione finale. Certo, l'iniziativa individuale comporta azioni più limitate, però più efficaci...

LÉVY. Sono più reciso di Glucksmann. Io penso che qualsiasi cosa sia successa nel maggio '68, data da allora la marxistizzazione dell'insieme della vita francese e probabilmente non soltanto della Francia. La cosa "riuscita bene" nel maggio '68 è che per la prima volta il partito socialista si è integralmente allineato al marxismo. Glucksmann dice che la tribune del programma comune sono vuote e che i grandi intellettuali non stanno su quelle tribune; è vero, ma si può dire anche il contrario; a parte i grandi intellettuali (Lacan, Foucault, ecc.), il 99 per cento degli intellettuali, gli intellettuali degli apparati, delle case editrici, ecc. si accalcano sulle tribune del programma comune.  

GLUCKSMANN. O que havia de novo no Maio de 68 foi completamente apagado depois pelos intelectuais, que o marxistizaram. Havia uma convergência entre Maio de 68 e inssurreição da juventude americana contra a guerra; entre Maio de 68 e dissidência soviética: em todo mundo homens jovens caíam na ação  sem recorrer nem às grandes organizações nem aos aparatos de partido nem às grandes teorias que pretendem fornecer-nos a solução final. Certo, a iniciativa individual comporta ações mais limitadas, mas mais eficazes...

LÉVY. Sou mais incisivo. Eu penso que seja o que foi que aconteceu no Maio de 68 data de então a marxistização do conjunto da vida francesa e provavelmente não apenas da França. O que "deu certo" no Maio de 68 foi que pela primeira vez o partido socialista se alinhou integralmente com o marxismo. Glucksmann diz que os palanques do programa comum estão vazios e que os grandes intelectuais não estão nesses palanques; é verdade, mas pode-se dizer também o contrário; à parte os grandes intelectuais (Lacan, Foucault etc.), 99 por cento dos intelectuais, os intelectuais dos aparatos, das editoras de livros, etc. se espremem nos palanques do programa comum 

 

Nota bene: Programa Comum, plataforma político-eleitoral do Partido Socialista e do Partido Comunista Francês estabelecida nos anos 1970 e de que ambos desistiram antes da ascensão ao poder de François Mitterrand e dos socialistas na década seguinte.

1968-2020 non stop

segundo máxima de Leo Ferré em 1973, Et BASTA! 68-73 non stop

galeria

Mario Monicelli: La ragazza con la pistola (1968)

John Cassavetes Minnie & Moskowitz

erBogan e Matusalem

Ingmar Bergman Kris 1946

            Da paliçada à fortificação e às barricadas

TRANSGRESSÕES

Regressão ao arcaísmo tribal? 

Não. Subversão do espaço urbano. 

Paul Virilio fez uma leitura, digamos, terra-a-terra do Maio de 68 na França a partir de uma análise histórica do espaço urbano como domínio da liberdade condicionada e da segregação. Desde os castelos-fortalezas medievais que lhes impõem o formato de praças fortes, as cidades são territórios militares rigorosamente delimitados de dentro pra fora e de fora pra dentro, em praças, becos, ruas e avenidas, sob um permanente estado de exceção de que o ser citadino nunca se aperceberia. Paris e o hexágono francês - sob a sujeição de um general que o conquistara com o histórico apelo radiofônico de Londres à resistência ativa da população contra a ocupação nazista e cujo poder consolidara dez anos antes instrumentalizando com gênio raro, que se diria sobrenatural, uma tentativa de atentado contra a sua vida - veem-se momentaneamente desarmados face à rebelião insensata dessa espécie de nova horda bárbara que põe a credibilidade de todo esse poder até então tão irresistível e incontestável talvez em sério risco.

O trecho do ensaio LE MÛ reproduzido abaixo baseia-se em premissas que seriam também válidas para os motins do para todos os efeitos carnavalesco Movimento dos anos 1960 de Berkeley a Roma. Pelo menos.

LE MÛ foi publicado originalmente no volume Nomades et vagabonds da série Cause Commune (1975/2) na coleção 10/18, Union Génerale D'Éditions, Paris, 1975, 

= movido; LE MÛ = o empedernido, conceito bolado no ensaio por Paul Virilio como imagem contraposta ao mouvoir (mover) da sociedade de cavaleiros errantes da origem do sistema europeu ocidental, entre a queda do Império Romano e a Alta Idade Média.

LE MÛ - explica Virilio - é a essência construída do poder sobre o outro, sua última consequência é o imóvel - a morte infligida - a escalada do Estado não é mais que a expansão de seu estando (étant) contra tudo existente, a construção de seu campo de estratagemas, campo artificial criado entre os polos opostos do mover e do empedernido (du mouvoir et du mû) e que hoje não é mais o de um exército, de uma administração, de uma polícia, de uma educação, mas do conjunto da civilização planetária.

LE MÛ tem por epígrafe

Há três tipos de inteligência:

a inteligência humana

a inteligência animal,

e a inteligência militar.

                                        A. HUXLEY

  Mais, plus près de nous, nous avons l'exemple du gaullisme. D'une part l'instauration au sein de l'Europe de l'enceinte réduite et protectrice, l'hexagone, puis le bouillonnement des lois grâce à la normalisation des états d'exception, enfin, l'invention du comportement pour les "95% amenés à obéir sous une influence determinée", l'opposition étant englobée dans cette catégorie sanitaire grâce à la contrainte du champ.

  De Gaulle, dans l'arsenal psychologique du mû, a représenté un phénomène de sujétion pure et simple, de même "qu'en entendant toucher la boîte aux lettres on voit le facteur", en voyant apparaître sur le petit écran l'homme du 18 juin, la France était consentante, de Gaulle vieux chef militaire était parfaitement au fait de son genre de pouvoir et c'est sur le fond noir de la crise imminente, de l'attentat, qu'il compte pour créer une cohésion nationale.

  Mai 68 est incomprehensible sans ce rapport à une enceinte artificielle créée dix ans plus tôt par l'État. La technique de la Paix Totale privilégie la structure et dévalue le fond, Mai a été un phénomène de dissipation hors de la structure et une dispersion générale vers et dans le fond... cassure ou "folie précoce" comme le printemps? Il y a donc  un space propre aux événements de Mai 68. Si cet espace n'a jamais été précisément défini, il n'en possédait  pas moins ses repères, il se désignait non pas en tant qu'imaginaire mais en tant qu'espace critique.

  On a déjà beaucoup épilogué sur les causes du "mouvement" et sur ses perspectives politiques, mais on n'a pas assez considéré l'acte en soi: la manifestation, la barricade et surtout l'occupation de bâtiment.

  On a voulu, une fois de plus, abstraire l'événement de sa localisation, de ses moyens et de ses matériaux. L'inventaire des déprédations communiqué par la prefecture de police est pourtant autrement révélateur que toutes les analyses. Le bulldozer qui enlevait les épaves, les camions-bennes qui emportaient les décombres au lendemain des affrontements, remuaient un trésor de significations que le public nombreux qui venait assister à ces scènes devinait bien.

  La violence, contrairement à ce que le pouvoir a essayé de prouver, n'a jamais été réellement agressive, mais bien transgressive. C'est par la concrétisation de sa critique qu'une realité sociale a été submergée; la critique, pour une fois, s'est détendue dans l'environnement par le dépassement de l'usage des lieux (facultés, théâtres, églises, usines, administrations, etc.). Si pendant une quinzaine de jours la credibilité de l'État est appareue dans sa fragilité, la structure urbaine est en même temps devenue diaphane, la cité irréelle.

  Dans un milieu social étroitement soumis au système et qui se sclérosait totalement, la dynamique de la transgression a joué un rôle capital: les masses, en grande partie hostiles à la violence pure, mais rendues avides de changement par les procedés de suscitation des mass-média, étaient inévitablement attirées par ce qu'elles percevaient comme la pacifique obsolescence des formes du pouvoir. 

  L'espace critique serait donc au système urbain ce que la contestation est au système politique, et si à juste titre on a parlé de "libération de la parole" on doit aussi révéler cette libération de l'habiter

  Ce qui était latent dans le phénomène des squatter ou dans celui de l'investissement des villes par les populations autochtones à la décolonisation s'est développé d'abord au centre d'une grande capitale européenne puis sur la totalité d'un territoire. L'habiter est devenu acte offensif et révolutionnaire, on a transgressé les fonctions des bâtiments, habiter l'inhabituel.  L'espace dilaté du mouvement révolutionnaire a rendu soudain transparentes las façades forntières, les cloisonnements ségrégatifs. C'est à ce niveau qu'il fallait lire les graffiti, souvent plus révelateurs par leur emplacement que par leur contenu: les anarchistes choisissaient généralement les portes, les marxistes les murs, les situationnistes les glaces ou les images affiches, tableaux.

  La barricade elle-même n'était pas une obstruction réellement défensive mais une construction visant à délimiter un territoire nouveau: la dynamique de la manifestation s'achevant, la masse démobilisée, abandonnée, limite son aire; c'est la résurgence d'une cité dans la cité. Le schéma urbain est parasité par un schéma contradictoire (le carrefour autour de la place Edmond-Rostand a bien été habité).

  D'une autre façon et au même moment c'est aussi ce que tentait de concrétiser le mouvement non violent aux États-Unis avec "Ressurrection City": doubler non seulement l'activité politique par un pouvoir parallèle (black power) mais ouvrir des espaces critiques dans le tissu des cités américaines.

  Au niveau du choix des matériaux utilisés par les manifestants il y a également critique spontanée: c'est l'arsenal du mû qui est instinctivement visé. La destruction des voitures, des panneaux de signalisation et attributs routiers n'est pas seulement due à leur vulnerabilité. Elle révèle aussi une sourde opposition à la permanence du contrôle policier, à la limitation abusive de la liberté de déplacement  (chaines de trottoirs le long des couloirs de circulation prioritaire, par exemple).

  En fait, c'est la définition spatiale d'un certain urbanisme qui a été partout remise en cause. Ses pleins et ses déliés ont été comblés par la reconquête de la rue, sur la fluidité automobile; par l'utilisation de bâtiments décretés inhabitables au nom du fonctionnalisme; il suffit d'avoir vécu l'un de ces dépassements de fonction pour comprendre à quel point l'habitat contemporain stérelise les rapports de l'homme au millieu, de l'individuel au collectif.

   Au mois de mai 68 chacun des bâtiments occupés recelait une vie particulière qui venait moins du caractère de ses occupants que de leurs conflits avec un espace réellement aléatoire.

  L'annexe Censier ne ressemblait en rien à la Faculté de Médecine ou à l'École des Beaux-Arts; quant à l'Odéon, son tempérament tenait en partie à l'utilisation ininterrompue de volumes organisés autour d'un puits central.

  Dormir dans un amphithéâtre (Sorbonne) déjeuner dans une loge (Odéon) installer des cuisines dans un bureau directorial, une nursery dans une bibliothèque, une salle de jeux dans un hall de montage (Renault), s'asseoir au milieu des avenues, sur les rails, etc., ces actes ont tous un sens prémonitoire: par le dépassement du strict usage des lieux, ils submergent les limites du droit et annoncent la disparition d'un mode de vie.

  Avec ses gares, ses aérodromes, ses grands magasins, ses lycées et ses entreprises, la France s'est elle-même occupée, elle a enfreint son assignation à résidence.

   L'étonnant phénomène qui a soudainement vidé les rues et rempli les monuments a fait sauter les compartiments étanches de notre societé. Il a révélé l'aliénation dissimulée dans les habitudes les plus ordinaires. En oubliant pour un temps les interdits, en habitant l'inhabitable, la population a commis un premier adultère vis-à-vis d'une appropriation spatiale qui la séquestre et l'isole.

  Tout ceci explique la violente campagne de presse contre le "vandalisme de la pègre", le pouvoir brandissant "l'idéologie sanitaire", se métamorphosant en comité de salubrité publique, parce que les  masses on découché, parce qu'elles viennent d'inventer l'anti-week-end.

  La societé industrielle, responsable de la conturbation de la pollution des sites naturels et de l'espace agraire, ne semblait guère apprécier la microconturbation par l'ouverture de lieux culturels inédits ou le camping à l'intérieur de l'espace urbain.

  La persistance de cet état de fait ruinant d'avance les possibilités de manoeuvre du gouvernement, il fallait d'urgence relancer l'échappement introverti, d'où le retour de l'essence à la Pentecôte et l'évacuation forcée des principaux bâtiments investis, avant les élections.

  Bien qu'encore dissimulée par l'interprétation politique classique et même académique, la guerre des espaces critiques commençait.

  Prenon l'exemple de Caen: le  mai 68, la ville obstruant ses accès routiers s'isole. Cette fois ce n'est plus l'autonomie d'un bâtiment mais d'une cité tout entière, l'espace critique s'est encore dilaté. État de siège? Non, pas plus que la barricade parisienne, le bouclage de Caen par ses habitants n'est pas un acte régressif mais, encore une fois, transgressif. Il s'agit de parasiter l'inscription de la ville dans la structure nationale et par là de créer une nouvelle sorte de contact avec l'environnement rural.

  Favorisé par le ralentissement de la dynamique urbaine, consécutif à la grève générale, s'est engagé alors un peu partout en France un étonnant processus d'interpénétration des deux populations. Par le ravitaillement spontané, par les manifestations paysannes à l'intérieur des villes (à Nantes les ouvriers agricoles jonchant les rues de paille et de foin; dans d'autres agglomérations les troupeaux accompagnant les manifestants...). Une nouvelle expérimentation sociale s'est alors esquissée, révélant l'ampleur des prolongements révolutionnaires du mouvement de Mai.

  De Gaulle, après vingt années de sujétion, voyait brusquement s'altérer le caractère magique de ses apparitions télevisées. Il se retrouvait sans pouvoir devant ses sujets dissipés, redoutant de façon quasi médiévale leur vengeance contre sa personne: la visite secrète a Massu le rassurera, la peur civile pouvait au besoin être administrée par les méthodes plus directes, le bourreau d'Alger pouvait devenir celui de Paris, la grande structure de l'État-militaire était prête à se montrer, elle y était décidée à partir de la prise de l'Odéon, parce que le "mouvement" s'était emparé là d'un lieu en dehors des enceintes fonctionellement attribuées. C'était là que la subversion commençait, menée non seulement contre l'institution (politique, sociale, etc.) mais sur le terrain, pour un mode d'appropriation de l'espace et du temps.

 

 

 

 

 

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Mas, mais próximo de nós, temos o exemplo do gaullismo. Por um lado a instauração no seio da Europa da cintura estreita e protetora, o hexágono, depois o borbulhão de leis decorrente da normalização dos estados de exceção, enfim, a invenção do comportamento para os "95% levados a obedecer sob uma influência determinada", a oposição incluída nesta categoria sanitária graças ao afunilamento do campo.

  De Gaulle, no arsenal psicológico do prefigurado, representou um fenômeno de sujeição pura e simples, no sentido em que "ao ouvir barulho na caixa de correio vemos o carteiro", ao ver aparecer na telinha o homem do 18 de junho [de 1940, data do apelo do general via rádio de Londres à resistência dos franceses à ocupação nazista] a França entrou em consonância, de Gaulle velho chefe militar estava perfeitamente consciente de seu gênero de poder e é com o fundo negro da crise iminente, do atentado, que ele conta para criar uma coesão nacional.

  Maio de 68 é incompreensível sem essa ligação a uma cintura artificial criada dez anos antes pelo Estado. A técnica da Paz Total privilegia a estrutura e desvaloriza o fundo, Maio foi um fenômeno de dissipação além da estrutura e uma dispersão geral para o e no fundo... fratura ou "folia precoce" como a primavera? Existe entretanto um espaço próprio dos acontecimentos de Maio de 68. Se esse espaço nunca foi definido com precisão, não deixava de ter os seus nichos, desenhando-se não tanto no imaginário mas enquanto espaço crítico.

  Já se tirou muitas conclusões sobre as causas do "movimento" e sobre suas perspectivas políticas, mas ainda não nos detivemos o bastante sobre o ato em si: a manifestação, a barricada e sobretudo a ocupação da edificação.

  Quis-se, mais uma vez, destacar o acontecimento de sua localização, de seus meios e de seus materiais. O inventário das depredações feito pela chefia de polícia é no entanto mais revelador que todas as análises. O bulldozer que transportou os destroços, as caçapas que levaram os entulhos um dia depois dos confrontos removiam um tesouro de significados que o público numeroso que vinha assistir essas cenas bem intuía.

  A violência, contrariamente ao que o poder tentou mostrar, jamais foi realmente agressiva, e sim transgressiva. Foi pela concretização de sua crítica que uma realidade foi submergida; a crítica, por uma vez, estendeu-se pelas redondezas pela suplantação do uso dos lugares (faculdades, teatros, igrejas, fábricas, administrações, etc.).Se ao longo 

  Em um meio social rigidamente submetido ao sistema e que se esclerosava totalmente, a dinâmica da transgressão teve papel capital: as massas, em grande parte hostis à violência pura mas que se tornaram ávidas de mudança pela mecânica instigadora dos mass media, foram inevitavelmente atraídas para o que elas percebiam como a obsolescência pacífica das formas de poder.

  O espaço crítico seria então no sistema urbano o que a contestação é no sistema político, e se com bons motivos se falou de "liberdade da palavra" deve-se também considerar essa liberdade do habitar.

  O que era latente no movimento dos squatter [invasores de edifícios com ou sem serventia na Inglaterra] ou no caso do cerco das cidades pelas populações autóctones na descolonização desenvolveu-se de início no centro de uma grande capital europeia e depois sobre a totalidade de um território. O habitar tornou-se um ato agressivo e revolucionário, transgrediu-se as funções das edificações, habitar o inabitual. O espaço dilatado do movimento revolucionário tornou de repente transparentes as fachadas fronteiriças, as separações segregadoras. É a esse nível que se deveria ler os graffiti, muitas vezes mais reveladores por sua colocação que pelo seu conteúdo: os anarquistas geralmente escolhiam as portas, os marxistas as paredes, os situacionistas os vidros, imagens, anúncios, quadros.    

  A barricada ela mesma não era uma obstrução realmente defensiva mas uma construção visando delimitar um novo território: a dinâmica da manifestação concluída, a massa desmobilizada, abandonada, limita sua área; é o ressurgimento de uma cidade na cidade. O esquema urbano é parasitado por um esquema contraditório (as imediações da praça Edmond-Rostand tornaram-se um belo habitáculo).

  De uma outra maneira e em simultâneo foi assim que se tentou concretizar o movimento não violento nos Estados Unidos com "Ressurrection City": dublar não somente a atividade política com um poder paralelo (black power) mas abrir espaços críticos no tecido das cidades americanas. 

  Ao nível da escolha dos materiais utilizados pelos manifestantes existe a também crítica espontânea: é o arsenal do que é instintivamente visado. A destruição de viaturas, de paineis de sinalização e símbolos rodoviários não se deve apenas a sua vulnerabilidade. Ela revela também uma surda oposição à permanência do controle policial, à limitação abusiva da liberdade de deslocação (canais de calçadas ao longo dos corredores de circulação prioritária, por exemplo). 

  De fato, é a definição espacial de um certo urbanismo a ser posta em questão em todo lugar. Seus traços grossos e finos foram preenchidos pela reconquista da rua, sobre a fluidez automóvel; pela utilização de edificações decretadas inabitáveis em nome do funcionalismo; basta ter vivido uma dessas superações de função para entender a que ponto o habitat contemporâneo esteriliza as relações do homem com o meio, do individual com o coletivo.

  No mês de maio de 68 cada uma das edificações ocupadas encerrava uma vida peculiar que não derivava tanto do caráter de seus ocupantes quanto de seus conflitos com um espaço realmente aleatório.

  O anexo de Censier [da Universidade de Paris] não parecia em nada com a Faculdade de Medicina ou a Escola de Belas-Artes; quanto ao Odéon, sua imanência devia-se em parte à utilização ininterrupta de volumes organizados em torno de um poço central.

  Dormir em um anfiteatro (Sorbonne), almoçar num camarote de teatro (Odéon), instalar cozinhas em um escritório diretivo, uma nursery em uma biblioteca, uma sala de jogos em uma unidade de montagem (Renault), sentar-se no meio das avenidas, sobre os carris, etc., tais atos têm todos um sentido premonitório: pela superação do uso estrito dos lugares eles submergem os limites do direito e anunciam o desaparecimento de um modo de vida. 

  Com suas gares, seus aeródromos, suas grandes lojas, seus liceus e suas empresas a França ocupou-se a si mesma, infringiu suas regras de vida.

  O espantoso fenômeno que subitamente esvaziou as ruas e encheu os monumentos fez ir pelos ares os compartimentos estanques de nossa sociedade. Ele revelou a alienação dissimulada nos hábitos mais triviais. Esquecendo-se por um tempo as proibições, habitando o inabitável, a população cometeu um primeiro adultério em relação a uma apropriação espacial que a sequestra e isola.

  Tudo isso explica a violenta campanha de imprensa contra o "vandalismo da chusma", o poder brandindo "a ideologia sanitária", metamorfoseando-se em comitê de saúde pública, porque as massas dormiram ao relento, porque elas acabam de inventar o anti-fim-de-semana.

  A sociedade industrial, responsável pela conturbação da poluição dos sítios naturais e do espaço agrário, não parecia apreciar muito a microperturbação pela abertura de lugares culturais inéditos ou o camping dentro do espaço urbano.

  Pela persistência desse estado de fato pondo em causa à partida as possibilidades de manobra do governo, era urgente por a viola no saco, donde o meia volta volver e a evacuação forçada dos principais edifícios ocupados, antes das eleições.

  Se bem que ainda dissimulada pela interpretação clássica e mesmo acadêmica, a guerra dos espaços críticos começava.

  Tomemos o exemplo de Caen: em maio de 68 a cidade, obstruindo seus acessos rodoviários, se isola. Dessa vez não se trata mais da autonomia de um prédio mas de toda uma cidade, o espaço crítico se dilatou ainda mais. Estado de sítio? Não, não mais que a barricada parisiense, o isolamento de Caen pelos seus habitantes não é um ato regressivo mas, mais uma vez, transgressivo. Trata-se de parasitar a inscrição da cidade na estrutura nacional e desse modo criar uma nova espécie de contato com o meio rural.

  Em função de um afrouxamento da dinâmica urbana derivado da greve geral, pôs-se então em curso um pouco em toda a França um surpreendente processo de interpenetração das duas populações. Pelo abastecimento espontâneo, pelas manifestações camponesas no interior das cidades (em Nantes os operários agrícolas juncando as ruas de palha e feno; em outras aglomerações os rebanhos acompanhando os manifestantes...). Uma nova experimentação social foi então esboçada, revelando a amplitude dos prolongamentos revolucionários do movimento de Maio.

  De Gaulle, após vinte anos de sujeição, via bruscamente alterar-se o caráter mágico das aparições televisivas. Via-se sem poder face a seus súditos evaporados, temendo de maneira quase medieval a vingança deles contra sua pessoa: a visita secreta a Massu [em que lhe foi assegurado o apoio militar] o fará retomar a confiança, o medo civil poderia se necessário ser administrado por métodos mais diretos, o algoz de Argel poderia tornar-se o de Paris, a grande estrutura do Estado-militar estava pronta a se mostrar, foi decidida a partir da tomada do Odéon, porque no caso o "movimento"  ultrapassara os limites. Era ali que a subversão começava, empreendida não contra a instituição (política, social, etc.) mas no terreno, para um modo de apropriação do espaço e do tempo.         

  

  

 

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