revoluciomnibus.com

Música do Brasil de Cabo a Rabo

               

 

       O Livro da Selva

                 4. bossa nova: do brasil ao mundo

 

 

 Trechos

             ciberzine   & narrativas de james anhanguera

 

 

                                                                                                                                                         © Helga Von Sidow

                                  bossa nova

           do brasil ao mundo

   

            Final de 1958, início de 1959.    

      Chega de Saudade    Bim-bom                                 

      Desafinado   Oba-la-lá

     Dois discos compactos e o primeiro LP de um cantor e violonista desconhecido chamado João Gilberto surpreendem os ouvintes de rádio no Brasil. Os discos estouraram como bombas A no cenário musical. Esse novo baiano cantava de uma maneira muito estranha para o público acostumado a ouvir os trinados operísticos dos astros da Rádio Nacional. Muitos diziam que o cantor não tinha voz, que não sabia cantar e, enfiando a touca com que ele mesmo parecia acenar, que "desafinava".

     Reações próprias do medo que provoca coisas tão inovadoras como essa bossa nova que acabava de nascer. Contra o que era hábito João Gilberto não cultivava o canto "rasgado", antes usava a voz que tinha de uma forma natural, intimista, distanciada emocionalmente, sem mímica. A voz não aparecia, como era hábito ouvir-se, em duelo com a orquestra, uma tentando se sobrepor à outra.

     Lúcio Alves, cantor cuja obra gravada até então já apontara o caminho para a revolução bossa-novista:   A voz dele é sempre o instrumento que falta numa orquestração. Isto é: ele une os instrumentos da orquestra através da voz, sendo capaz de reproduzir o som que lhe parece adequado à música que está interpretando.

    Chega de Saudade. Em muitas partes do LP sequer havia orquestra, apenas um ou outro instrumento que sublinhava sequências melódicas em arranjos cuidadosamente trabalhados como comentários ao que era cantado por Antônio Carlos Jobim, dito Tom. Quase sempre ouvia-se a voz serena, enxuta, de João cantando como quem fala por cima do som de um violão tocado com uma batida diferente sobre acordes fora do comum - dissonantes. Sons de uma orquestra em um único instrumento. Aliás, dois: a voz cool com timbre metálico e anasalado também participava dessa orquestração, de maneira talvez aproximada à de Chet Baker suando sua trompete e, nas introduções, desenvolvendo até aí (fora do jazz) inimagináveis onomatopéias. E aos arrítmicos arromânticos que o acusavam de não saber cantar e desafinar o próprio João argumentava com música

           

        Desafinado

Tom Jobim-Newton Mendonça 

 

    se você disser que eu desafino, amor, saiba que isso em mim provoca imensa dor

    só privilegiados têm ouvido igual  ao seu, eu possuo apenas o que deus me deu

    se você insiste em classificar meu comportamento de antimusical

    eu mesmo mentindo devo argumentar que isto é bossa nova, isto é muito natural

 

    o que você não sabe nem sequer pressente é que os desafinados também têm um coração

    fotografei você na minha rollei-flex, revelou-se a sua enorme ingratidão

    só não poderá falar assim do meu amor, ele é o maior que você pode encontrar, viu?

    você com a sua música esqueceu o principal, que no peito dos desafinados

    bem fundo do peito bate calado, que no peito dos desafinados também bate um coração

 

     Na década de 1950 o Rio de Janeiro já tinha dimensões de metrópole. Expandira-se de início para a Zona Norte, estendia-se já para a Zona Sul, onde até a década de 30 só havia uns poucos palacetes. Até então Copacabana, Ipanema e Leblon, a sul da baía de Guanabara, pouco mais eram que espantosas praias hors ville quase inexploradas.

    Os novos prédios foram ocupados por funcionários de ministérios e repartições e militares de carreira. Tom Jobim, cuja família operava no ramo do ensino, nasceu na Tijuca e mudou-se ainda menino para Ipanema quando o bairro pouco mais era que um areal. No térreo dos prédios e hotéis de Copacabana brotaram boates e/ou inferninhos onde se apresentavam músicos contratados e convidados com o samba - e o baião e o... - no sangue e o jazz, o be bop, o cool da West Coast e seus mestres na cabeça. Andares acima ouvia-se discos importados. Passava-se para pianos e violões o que emanava das gravações de Lennie Tristano, Lee Konitz, Zoot Sims, Chet Baker/Gerry Mulligan e caterva. Nada mais indicado para tocar em apertamentos noite fora que essa música que saía das vitrolas e era passada para pianos e violões tomando jeito e forma de balanço Zona Sul  quase em surdina.

    Nos bares, ao piano e até mesmo no acordeão, desde o início da década de 50 Tom Jobim, Johnny Alf (João Alfredo de batismo), João Donato e Newton Mendonça, mãos de samba - ou de baião ou... -, burilavam as medidas harmônicas desmedidas inspiradas no be bop mais para cool jazz que buliam nos EUA.

   O brasileiro   tem, como o português, fino talento para a modelação e progressão harmônica e baseia o canto no simples violão  - notaram mais de cem anos antes os viajantes prussianos Spix & Martius. Leve e portátil para as serenatas tropicais, a guitarra espanhola tornou-se alicerce de estilos de lei da música brasileira, como o choro. Mas na época, como conta Edu Lobo, os jovens ainda chegavam a ter pavor da perspectiva de terem de fazer iniciação musical com o acordeão. O outsider João Gilberto foi para esses jovens também um instrumento de libertação.

    Universitários, boas-vidas ou playboys, como já eram chamados, jovens (súbito tornados mestres) como Carlos Lyra e Roberto Menescal assimilaram num ápice essa nova bossa cuja música, letra, modo de cantar - efeminado, para quem não era do ramo - é um chute no formalismo e um abraço apaixonado no improviso e na coloquialidade.

    As dissonâncias estão na música brasileira desde pelo menos um século antes. As blue notes, como ensina o musicólogo Eurico Nogueira, não são influência norte-americana. Brasil e EUA as herdaram dos sistemas penta e hexatônico africanos. Nesse arco de um século, até o irmanamento cool jazz/bossa nova, música brasileira e norte-americana, com a África no horizonte, caminham em paralelo.

    Sobre como se forma o novo estilo e quem foi quem em sua formação, a contribuição de cada um para os novos moldes de composição e instrumentação, excerto de entrevista de Radamés Gnatalli ao jornal Pasquim do Rio de Janeiro em meados da década de 1970 é esclarecedor sobre as dúvidas e a polêmica que o assunto provocara, provocava e provoca. A cada um a sua sentença:

 

     Sérgio Cabral - O pai da bossa nova é o jazz ou Debussy?

    Radamés - Diziam que o acorde de nona era coisa de música americana mas não era. A música americana já tinha tirado isso de Debussy. A bossa nova é um ritmo, a batida da caixeta que foi feita pelo Rui [Rubens] Bassini, botando um pauzinho daqueles mais pra cá.

    Sérgio - Não foi João Donato?

                (Tumulto. Todos discutem)

    Tárik de Souza - Você tem um disco onde na contracapa o Ferrete fala que a primeira gravação da bossa nova foi Recordando, onde você usou um tipo de orquestração diferente.

    Radamés - O que é que define a bossa nova pra vocês? Um samba do Noel ou um samba do Tom?

    Tárik - Nós é que te estamos perguntando.

    Radamés - A bossa nova foi apenas arranjos diferentes de coisas que já existiam antes. Duas Contas de Garoto é uma bossa nova.

    Sérgio - Johnny Alf também.

    Radamés - Na música tradicional - que ainda vive por causa de escola de samba e carnaval, na bateria de samba e de marcha - o tempo forte foi deslocado, Se você levar uma banda de fuzileiros navais - que começa na batida fraca - pros Estados Unidos ninguém vai conseguir marchar. Lá eles começam no pé direito e aqui nós começamos no esquerdo. A característica da música brasileira é a marcação no tempo fraco. Única no mundo (exemplifica). Nenhum estrangeiro poderia tocar isso. Com a bossa nova anularam esse troço, ficando mais universal. Todo mundo toca.

    Aldir Blanc - Culturalmente foi um retrocesso?

    Radamés - Se não fosse as escolas de samba continuando a fazer aquela marcação tinha acabado tudo isso. Agora cantam bossa nova no mundo inteiro. Outro dia vi um filme francês onde no fundo tinha uma batida de bossa nova. Agora tocar samba no duro...

 

 

 

       A bossa nova não foi obra de um cara (o João Gilberto de Chega de Saudade e maravilhosas gravações seguintes, que entretanto foi nela o instrumento-síntese) ou de um momento feliz. Antes de explodir em 1958-59 ela implodiu nos bares e apertamentos da Zona Sul do Rio. Durante quase todos os anos 50 ela foi sendo gerada por um bom punhado de músicos que foram mantidos no quase anonimato por décadas a fio (Johnny Alf, os saxofonistas Moacir Santos, Paulo Moura, Juarez Araújo, o baterista Edson Machado...).

    O prenúncio está em covers de sucessos norte-americanos cantados em inglês por Leny Eversong, Nora Ney e Dick Farney - ó os nomes americanizados. Nora Ney chegou a gravar uma versão de Round Midnight, de Thelonious Monk. Em 1953 Dick Farney volta de uma temporada nos EUA falando em adaptar o estilo de Bing Crosby ao nosso samba-canção e à nossa língua. No mesmo ano teimou com o compositor João de Barro em não gravar com um conjunto regional de violão, cavaquinho e instrumentos de ritmo a canção Copacabana, do próprio de Barro. Teimou e venceu: ficou com uma orquestra regida por Radamés Gnatalli atrás de sua voz de Sinatra-Crosby. Seu fan club Sinatra-Farney (de que Johnny Alf era sócio) chegou a ser apontado como uma poderosa arma na chamada invasão da música americana.

    Jackson do Pandeiro cantava que só botava be bop no meu samba quando o Tio Sam pegar no tamborim mas as sucessivas reuniões em estúdio de Tom Jobim com Dick Farney e Lúcio Alves (em 1953 para gravar Teresa da Praia), Dóris Monteiro, Silvinha Telles e outros mostravam que a mistura não requeria contrapartida. Que viria de todo modo.

    Como os criadores do be bop, que foram buscar a força de sua revolta contra a exploração comercial da música afroamericana à essência do sentimento musical negro, a bossa nova revolucionava indo buscar energias na fonte do velho samba e de outros ritmos locais, bossas mais velhas no tempo mas sem idade. O canto de João Gilberto fará lembrar um disco de Noel Rosa cantando música de sua autoria, além de Mário Reis e Orlando Silva, que já emitiam as notas de forma discreta e direta, quase como no canto coloquial da bossa nova. Por outro lado, se Charlie Parker espelhava-se em Coleman Hawkins e Lester Young o saxofonista e flautista Pixinguinha era exemplo forte de tradição e modernidade/atemporalidade para os jovens saxofonistas que também ajudaram a desenvolver a linguagem do novo som. A base é sempre uma só, como escreveram Jobim-Newton Mendonça noutro de seus textos antológicos, One Note Samba/Samba de Uma Nota Só.

     Ter bossa é ter um certo feeling e muito balanço. O balanço brasileiro, diferente do balanço do jazz - explicava Tom Jobim. Balanço brasileiro cuja base é sempre uma só. João Gilberto dá o tom. Seus três primeiros LPs, detonados entre 1959 e 1961, são exemplos de que sua bossa emprega bisturi de sambista, fiel ao suingue intrínseco do velho ritmo, cinzelado por bambas moldados no idioma de morro, como observou Tárik de Souza em crônica sobre o relançamento das 38 faixas em CD publicada em 21 de janeiro de 1993 no Jornal do Brasil do Rio de Janeiro. Exemplos: a par com as jobinianas, Bolinha de Papel de Geraldo Pereira e A Primeira Vez de Bide e Marçal, mais uma mão-cheia de coisas da antiga como Aos Pés da Cruz do repertório de Orlando Silva, É Luxo Só de Ari Barroso e Rosa Morena de Dorival Caymmi, que de resto por coisas como Sábado em Copacabana  é também incluído no rol dos predecessores ou elos de transição do samba-canção para a bossa moderna.

     E o que é Bim-Bom - é só isso o meu baião e não tem mais nada não? Está claro que Tom não fez só bossa nova, ou melhor, que fez também a melhor bossa em peças de câmara em variados estilos, cores e sombreamentos. E a arte de João, é bossa só?

    Se tudo o que João fez foi bossa nova, então em João Gilberto (1973) - só ele e a bateria desnorteada-teante do norte-americano Sonny Carr -, por sinal na linha de Bim-Bom e Oba-la-lá, a valsa Como São Lindos os Ioguis (Bebel) é bossa? nova?

    Bossa nova então é tudo o que se inclua nessa visão harmônica e rítmica da música e da vida. O samba Louco de Wilson Batista, Estate de Bruno Martino [odio l'estate! - não canta ele no final, como não canta isto é ... (bossa nova) , isto é muito natural ], Isto Aqui O Que É de Ari Barroso. Não é um gênero musical, antes um estilo, uma maneira de se abordar qualquer tipo de música, como aliás tem sido feito por João e um pouco por todo o mundo e está patente por exemplo em LP de Silvinha Telles de 1960 em que os arranjos de Tom Jobim ora têm tratamento camerístico, ora jazzístico, ora sinfônico, ora simplesmente de samba. Foi da mistura de muito variada música brasileira com o espírito do cool jazz e as bossas impressionistas que nasceu a revolução estilística para uma linguagem universal, tal como também deu a entender Gilberto Gil em histórica entrevista no regresso do exílio em Londres (1972) para o Bondinho : Eu só podia entender a batida como baião, nunca como samba. Eu não podia relacionar aquilo que João Gilberto estava fazendo com samba. Eu ia bater, pegava no violão e dizia "samba", mas não dava.

 

...

 

    Aloysio de Oliveira, antigo integrante do conjunto Bando da Lua, que acompanhou Carmen Miranda nos EUA, tornou-se a voz de Disney e diretor das dublagens em português das produções do mago dos desenhos animados. De regresso ao Brasil em 1956 tornou-se diretor artístico da Odeon, onde foram gravados quase todos os discos fundamentais da fase de transição do samba-canção e sambolero para a bossa e do chamado movimento bossa nova, que como tudo o que dá certo acabou por transformar-se no Brasil e no mundo também em produto descartável, com toda a sorte de mistificações (sobretudo abobalhadas, como era tomado também o espírito da BN).

    Na hora da mudança fundou o selo Elenco. Aí lançou muitos outros documentos fundamentais do gênero e mais tarde dos jovens compositores e cantores que surgiram na sua esteira, como Edu Lobo e Maria Bethânia.

    Na quebrada da onda compôs com Tom Jobim Inútil Paisagem, Dindi  e Só Tinha  De Ser Com Você.

 

...

 

    Quando nos Estados Unidos o cool jazz e com ele o jazz encontravam-se num beco sem saída, a bossa nova nascia coletivamente e tomava embalo para levar ao mundo uma lição de cool imenso que não dispensava a pulsação do bop. Com João Gilberto (logo quem) a bossa nova pinta como grande dica vanguardista e sucesso de massas. João sintetizou no canto e no violão a dica popular e a frieza do cálculo experimentalista.

    Em digressão ao Brasil o violonista Charlie Byrd captou a boa nova al volo e de regresso à América de lá tratou de pôr Stan Getz, em crise de toda a sorte, no páreo. Logo surgem espécimes híbridos como o LP Big Band Bossa Nova, do maestro Gary McFarland e Getz, em que a cantora Carmen Costa toca cabaça (!), o que ela fazia também naqueles tempos na banda de Dizzy Gillespie ﴾!﴿. Quase, quase o tio Sam pega no tamborim.  O que era bossa passou a ser, na América de lá, latin jazz - como a bossa pop (ver meio século de psicodelia e bossa nova, neste busu), qualquer jazz, balanço, porque baterista americano ain't got that swing.

    A bossa jazzificada ou latin jazz, um tanto merengada e abolerada pelo pessoal da Costa Oeste, que supria a falta de novas idéias com o produto de maior demanda de mercado depois do hully gully e do twist, foi recambiada pela nata da nova rapaziada do instrumental brasileiro. Eles retomam as influências que gente como Bill Evans, Lennie Tristano e Lee Konitz (paixão confessada do sax-alto e clarinetista Paulo Moura) sobre eles exerceram nos primórdios e adaptam a linguagem do improviso às estruturas melódicas, harmônicas e rítmicas da sua salsa, com excelentes resultados em casos como o de - só como exemplo - Sérgio Mendes e Bossa Rio ou Moacir Santos, cuja obra inicial foi excelente visto de entrada deles na América.

    Casos houve, como os do Tamba Trio (depois Tamba 4) e do Quarteto Novo de Hermeto Pascoal, Airto Moreira, Theo de Barros e Heraldo do Monte, em que o impulso criativo gerou uma música instrumental que estabeleceria padrões de excelência da música experimental dos anos 1970, mesmo quando os instrumentistas trabalhavam como acompanhantes de cantautores como Milton Nascimento. Não bastasse o seu trabalho próprio, Luís Eça - um dos melhores músicos da segunda metade do século XX - e o trio Tamba mostraram logo de caras ao que vieram com o trabalho de orquestração e acompanhamento do primeiro LP de Edu Lobo (Elenco) - das composições ao canto do cantautor e à instrumentalização uma obra-prima da música popular brasileira.

    Parente com afinidades eletivas com o jazz, nos scats como nos jogos harmônicos de vanguarda, o conjunto vocal Os Cariocas é um dos marcos de referência da BN, cuja evolução desde os primórdios nos anos 50, quando ainda iluminado também pela maestria e inspiração de Ismael Neto (autor com Antônio Maria de Valsa de Uma Cidade), reflete todas as cambiantes de paisagem ao longo da picada desbravada pela música carioca (ou adotada pelo Rio) do samba e do samba-canção, do cool jazz e do latin jazz ao parente mais próximo da música brasileira com o jazz, a bossa jazz, e seus derivados.

 

...

 

    Através da prática mesma de seus criadores a bossa nova surgia como um movimento teórico e didático - no canto, nas linhas melódicas (Tom Jobim, Roberto Menescal e Carlos Lyra são, além do mais, melodistas par excellence ), nos arranjos e nas letras. Newton Mendonça - co-autor com Tom Jobim de três bulas com os princípios estéticos e éticos da BN, Desafinado, Discussão e Samba de Uma Nota Só - e Vinícius de Moraes mostravam em suas letras perfeita sincronia com o pensamento-ação de seus parceiros. Também compositores, transavam as letras em trabalho a quatro mãos com o maestro Tom transpondo para as palavras a semântica musical, com acentuações rítmicas, tônicas e síncopes em afinidade para lá de ímpar ou singular com a progressão melódica.

    Como corolário do seu trabalho laboratorial encontraram numa porção de cantores do seu tempo intérpretes de primeira de suas propostas inovadoras, dando o tom mais adequado a sílabas e sons enunciados. João Gilberto, Agostinho dos Santos, Silvinha Telles e Alaíde Costa são apenas 4 exemplos.

    A temática bossa-novista é a do despojamento mas também a do rigor, de que decorre o uso da letra como comentário da música ou vice-versa. Trechos em que a música reproduz o andamento e o balanço do mar ou da moça que passa a caminho dele num cenário e clima de descontração e tranquilidade permanecem como a mais justa expressão de certas impressões. Bossa nova é o propalado "feriado da alma" carioca (e universal - como se vê pela forma como o seu feeling deslumbrou no ato sensibilidades afins por assim dizer sofisticadas não importa em qual quadrante do mundo), tantas canções retratos impressionistas de sentimentos e paisagens solares ou merencórias (porque como o balanço é - quase - o mesmo a alma é o mesmo espelho de uma saudade atávica). Entre múltiplos exemplos de obras-primas figura uma magistral revelação da Fotografia de Tom Jobim por Sílvia Telles.

                         

    Dos bares dos hotéis e do Beco das Garrafas e dos apertamentos de Copacabana e dos anfiteatros de universidades, onde se deram recitais coletivos como a histórica Noite do Amor, do Sorriso e da Flor a bossa nova conquistou o mundo, sobretudo o do jazz, onde encontrou imediata e calorosa aceitação pela irmandade de propostas.

    Um cronista observou que a grande oportunidade de conquista do mercado norte-americano de ritmo (e de açúcar) aconteceu no rompimento das relações dos EUA com Cuba. O Cash Box informou: sai o cha-cha-cha e entra a bossa nova. Na hora exata do rompimento o Itamarati (Ministério das Relações Exteriores) saía em campo para promover o famoso concerto no Carnegie Hall e, de fato, a bossa nova entrou na moda nos Estados Unidos. Da mesma opinião era o compositor Luís Vieira: Sobre a bossa nova desconfio que entrou nos Estados Unidos na mesma época em que os americanos, rompendo as relações com Cuba, resolveram fazer uma amizade musical com o Brasil. Nos Estados Unidos era comum naquele tempo tocarem músicas latino-americanas, sobretudo cubanas.

    Com o apoio do Itamaraty em 1962 o produtor Sidney Frey promoveu um concerto no Carnegie Hall que acabaria por ser um festival de promoção da bossa nova nos EUA, com alguns dos seus mais importantes intérpretes, como Oscar Castro Neves, Bola Sete, Sivuca, Tom Jobim, Sérgio Mendes e o Bossa Rio - a base do que seria mais tarde o Brazil '66 e '77 -, Vinícius de Moraes, João Donato, Luís Bonfá e Roberto Menescal. Fala-se sempre em insucesso da empreitada, que se atribui às dimensões da sala, imprópria para uma música de câmara, intimista como a bossa, e também porque se transformou num trem da alegria em que muito boa gente que não era do ramo pegou carona na reta de chegada. Insucesso ou não, certo é que muitos bossa-novistas acabaram por ficar por lá mesmo, tamanha a demanda pelo seu suingue.

    O jornal Folha de São Paulo publicou em 9 de junho de 1991 um depoimento que iluminou de forma inédita os bastidores do histórico evento, que se reproduz pelas revelações nele contidas e como uma homenagem ao Tio Dave, que deu muita coisa boa para ler na década de 1950 na Look Magazine e desde a de 1980 nessa Folha mesmo.

 

 

                         Show no Carnegie Hall foi idéia de revista       

                                                                   DAVID DREW ZINGG  Especial para a Folha

 

     Todos conhecem a história dos cegos que tentam descrever um elefante através do tato. Um cego, na frente, diz: "É apenas uma cobra larga." Outros, atrás, acham que é um grupo de árvores. O show "Bossa Nova", realizado no Carnegie Hall em 1962, tem uma longa história que parece diferente dependendo do ponto de vista das pessoas envolvidas.

     A conexão Zingg com o Brasil começou quando era consultor editorial da "Show Magazine", uma revista inspirada na "Esquire" que tinha Henry Wolf, ex-"Esquire", como diretor de arte. O difícil trabalho de Zingg era ficar sóbrio e depois alto em seu escritório, onde tinha que fazer listas sem fim de idéias de reportagem para serem (ou não) publicadas.

     A última sugestão de várias listas feitas em meses era "vamos fazer uma edição especial sobre arte na América do Sul". A América Latina não era exatamente um item quente nos EUA após o fiasco da Baía dos Porcos, mas a revista decidiu de qualquer modo levar em frente a história.

     A pesquisa da viagem me levou ao extraordinário poeta e diplomata brasileiro Dora Vasconcelos, que seria depois a peça fundamental da produção do show.

     Eu conhecia o Brasil e a América Latina, então me tornei o líder da força especial formada pelo editor Robert Wood e por mim. Nossa primeira noite no Rio começou com um lance de sorte. O presidente John Kennedy pediu a nós dois (não-confiáveis diplomatas e confiáveis jornalistas) que checássemos o estilo da embaixada americana. O embaixador, um estranho e refinado cavalheiro do sudeste chamado Niles Bond, nos convidou para a estréia de um show na boate Le Bon Gourmet. Que noite gloriosa: Tom Jobim e Vinícius de Moraes mudaram a minha vida.

     Meses depois, a edição especial estava pronta e nós começamos a pensar em como promovê-la de modo a provocar estardalhaço em Nova York. Wool e eu sentamos para beber e conversar. A "brainstorm" alcoólica gerou a idéia mais simples: por que não trazer a bossa nova à "Big Apple"?

     Grande idéia, mas a revista não tinha dinheiro. Um rápido encontro com Dora Vasconcelos produziu o corpo do elefante, o produtor de discos Sidney Frey. Ele alugou o Carnegie Hall; em contrapartida teria os direitos de gravar o show. Mas Mr. Frey não tinha dinheiro suficiente para pagar as passagens aéreas do Brasil para os EUA. Mais uma vez procurou em sua bolsa mágica e apareceu o anjo Mário Dias Costa, chefe do setor cultural do Itamaraty.

     Mário tinha certa influência nesse mundo. Pegou o telefone, ligou para Rubem Berta, presidente da Varig, e quando ele desligou o show estava confirmado. Ele arranjou não algumas, mas 50 passagens para a glória.

     Eis, para ajudar os historiadores da bossa nova, como o elefante é, visto de dentro.

     

   No Planalto Central do Brasil, à entrada da floresta amazônica, no estado de Goiás, erguia-se Brasília, a cidade do futuro, construída para ser a nova capital federal. Corria o tempo do governo Juscelino Kubitschek, quando se vivia a euforia desenvolvimentista e, o que é muito estranho quando se tem em consideração toda a vida brasileira no século XX, em democracia... A bossa nova, fruto também desse estado de coisas, era a trilha sonora do "feriado da alma" brasileira. Várias formas de expressão artística e cultural atingiram nessa época a maturidade e começavam a explorar temáticas e formas brasileiras. Cinema novo, teatro independente (Oficina, Arena, Opinião), arquitetura e o paisagismo futurista de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Burle Marx, de que nasceu o futuro: Brasília.

     Ah, como era bom mas chega de saudade a realidade é que aprendemos com João pra sempre ser desafinados.

      Brasília... bom, deixa pra lá.

      A bossa nova, não.

 

 

bossa nova

é papo em permanente reelaboração como o som neste busu. Work in progress. Tem em Música do Brasil de Cabo a Rabo de montão. Em Rumo à Estação Oriente, reproduzido em trechos acessíveis através de Música do Brasil, INÚTIL PAISAGEM (nomeadamente através de Antônio Carlos Jobim, em Índice Onomástico)

em  meio século de canções do amor demais

 psicodelia  e bossa nova

 em A triste e bela saga dos brasilianos  e

apresentação de Música do Brasil de Cabo a Rabo

 

         MÚSICA DO BRASIL DE CABO A RABO

             veja e leia também em revoluciomnibus.com


Música  do Brasil de Cabo a Rabo é um livro com a súmula de 40 anos de estudos de James Anhanguera no Brasil e na América do Sul, Europa e África. Mas é também um projeto multimídia baseado na montagem de um banco de dados com links para múltiplos domínios com o melhor conteúdo sobre o tema e bossas mais novas e afins. Aguarde. E de quebra informe-se sobre o conteúdo e leia trechos do livro Música do Brasil de Cabo a Rabo, compilado a partir do banco de dados de James Anhanguera.

MÚSICA DO BRASIL DE CABO A  RABO

Você já deve ter visto, lido ou ouvido falar de muita história da música brasileira da capo  a coda, mas nunca viu, leu ou ouviu falar de uma como esta. Todas as histórias limitam-se à matéria e ao universo musical estrito em que se originam, quando se sabe que música se origina e fala de tudo. Por que não falar de tudo o que a influenciade que ela fala sobretudo quando a música  popular brasileira tem sido quase sempre um dos melhores veículos de informação no  Brasil? Sem se limitar a dicas sobre formas musicais, biografia dos criadores  e títulos de   maior destaque. Revolvendo todo o terreno em que germinou, o seu mundo e o mundo do  seu tempo, a cada tempo, como fenômeno que ultrapassa - e como - o fato musical em si. 

Destacando sua moldura
      
nessa janela sozinho olhar a cidade me acalma

dando-lhe enquadramento
           
estrela vulgar a vagar, rio e também posso chorar

... histórico, social, cultural e pessoal.
  Esta é também a história de um aprendizado e vivência pessoal.

De um trabalho que começou há mais de meio século por mera paixão infanto-juvenil, tornou- se matéria de estudo
e reflexão quando no exterior, qual Gonçalves Dias, o assunto era um meio de estar perto e conhecer melhor a própria
terra distante e por isso até mais
atraente. E que como começou continuou focado em cada detalhe por paixão.
                                                                               
CONTINUA AQUI


CORAÇÕES FUTURISTAS nunc et semper AQUI


MÚSICA DO BRASIL  DE  CABO A RABO
MÚSICA DO BRASIL
 
DE  CABO A RABO

                                                   ÍNDICE DOS CAPÍTULOS 
capítulos, seções de capítulos com trechos acessíveis a partir dos títulos, em azul DeLink


     O LIVRO DA SELVA

    Productos Tropicaes E Abertura em Tom Menor

    1. O BRASIL COLONIZADO
        raízes & influências Colônia e Império
 
  

       1. A  Um Índio   1. B Pai Grande    1.C  Um Fado 

       2. TUPY NOT TUPY formação de ritmos e estilos urbanos suburbanos e rurais
                                                Rio sec. 19-sec. 20 - Das senzalas às escolas de samba

    Os Cantores Do Rádio   ESTreLa SoBE 

  CARMEN MIRANDA DE CABO A RABO

  fenômeno da cultura de massa do século XX                  

  4. BOSSA NOVA do Brasil ao mundo

    Antonio-Carlos-Jobim-Tom-Jobim .html 

5. BOSSA MAIS NOVA o Brasil no mundo  

6. TROPICALIA TRIPS CÁLIDOS    e a manhã tropical se inicia


Detalhe de cenário de Rubens Gershman para montagem de Roda Viva, Teatro Oficina, 1967

 O LIVRO DE PEDRA

  PARA LENNON & McCARTNEY 
  VIDA DE ARTISTA crise e preconceito = inguinorãça

  CAETANO VELOSO

  CENSURA: não tem discussão. Não            
 
POE SIA E MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
 
Milton Nascimento
 
O SOM É MINAS: OS MIL TONS DO PLANETA    
  MARIA TRÊS FILHOS

  (SEMPRE) NOVOS BAIANOS        
  NORDESTONTEM NORDESTHOJE

 
RIO &TAMBÉM POSSO CHORAR  
      Gal Costa Jards Macalé Waly Sailormoon Torquato Neto  Lanny Maria Bethânia
  FILHOS DE HEITOR VILLA-LOBOS
 
INSTRUMENTISTAS & INSTRUMENTAL Sax Terror     
  SAMBA(S)
BLEQUE RIO UM OUTRO SAMBA DE BREQUE        
  FEMININA

  MULHERES & HOMENS NO EXÍLIO o bêbado exilado & a liberdade equilibrista

  ANGOLA          
  ROCK MADE IN BRAZIL ou
 Quando a rapeize solta a franga

  LIRA PAULISTANA            
  CULTURA DA BROA DE MILHO

  LAMBADA  BREGANEJO AXÉ E SAMBAGODE
 
RIO FUNK HIP SAMPA HOP E DÁ-LE MANGUE BITE RAPEMBOLADA
  DRUM’N’BOWSSA            
  CHORO SEMPRE CHORO     
  INSTRUMENTISTAS
 & INSTRUMENTAL II   SAX TERROR  NA NOVA ERA
  ECOS E REVERBERAÇÕES DO SÉCULO DAS CANÇÕES
  
  DE PELO TELEFONE A PELA INTERNET

   MÚSICA DO BRASIL em  A triste e bela saga dos brasilianos
  
MÚSICA DO BRASIL  em ERA UMA VEZ A REVOLUÇÃO      



 


Elifas Andreato: capa do LP Confusão Urbana Suburbana e Rural de Paulo Moura

MAPA DO SITE  MAPA DA MINA revoluciomnibus.com

  
meio século
de psicodelia
e bossa nona

bossa nova
The Beat
Goes ON

a fome
no mundo e
os canibais


as ditas
moles e as
ditaduras


Brasil de
Caminha a
Lula da
Silva

Brasil
a bossa e a
boçalidade

Miconésia
no Pindaibal

Brasil e
A
mer ica
Latina

  contracultura









história
do uso das
drogas

aldous
huxley

henry david
thoreau

ERA UMA VEZ
A
REVOLUÇÃO


poP!

Notícias
do
Tiroteio


Lusáfrica
brasileira

parangopipas
Maio de 68
 50 do 25 Rumo à
Estação Oriente

A triste
e bela saga
dos brasilianos

La triste
e bella saga
dei brasiliani


Deus e o
Diabo na Terra
da Seca

Música do
Brasil de Cabo
a Rabo

Maionese
a consciência
cósmica

revoluciomnibus.com eBookstore

 

acesse a íntegra ou trechos de livros de james anhanguera online a partir DAQUI

revoluciomnibus.com - ciberzine & narrativas ©james anhanguera 2008-2024 créditos autorais: Era Uma Vez a Revolução, fotos de James Anhanguera; bairro La Victoria, Santiago do Chile, 1993 ... A triste e bela saga dos brasilianos, Falcão/Barilla: FotoReporters 81(Guerin Sportivo, Bolonha, 1982); Zico: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior e seleção brasileira de 1982: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Edinho: Briguglio, Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Antognoni: FotoReporters 81, Guerin Sportivo, Bolonha, 1981.

E-mAIL


educação diversão desenvolvimento humano

facebook.com/ james anhanguera twitter.com/revoluciomnibus instagram.com/revoluciomnibus  youtube.com/revoluciomnibus 3128

TM .........................

Carolina Pires da Silva e James Anhanguera

TM