revoluciomnibus.com

almanaque das ideias cores e sons do maior movimento de juventude da história

o livro do rocK & da contracultura

               e da eterna rebeldia

almanaque das ideias cores e sons do maior movimento de juventude da história

com relato inédito do antes durante e depois do 25 de Abril de 1974 em Portugal

EBOOK  À VENDA em Amazon.com

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     ciberzine& narrativas de james anhanguera 

           

Por dentro e por fora em Londres

Terra da Dama Electroacústica

Medo, atraso e rock nas berças

Era uma vez a revolução

Droga Loucura e Vagabundagem

  Da Teoria à Prática ou Vice-Versa

Rumo às ilhas da Utopia  

Era uma vez as revoluções

    so listen to the rhythm of the gentle bossa nova

                                   narrativas de rock estrada e assuntos ligados

  

Cedo se apercebeu de que o remédio era cavalgar o tigre em que montara sem pensar muito no destino, cavalgar só para não ficar parado sobre a fera que a todo instante ameaça engoli-lo.

...

- Mas vem cá, tá tudo muito careta à nossa volta e os caretas desbundando tanto nas ondas mais vergonhosas que a gente até se retrai.

janelco vist para  contracultur opar culturcontr natura

       

  Trechos da versão PT-POR - versão on-line

 

          almanaque das ideias cores e sons do maior movimento de juventude da história

                               da era do rock & da contracultura

                                      o livro do rock   e da contracultura

     um vagalume vagamundo na era do rock e da contracultura

              narrativas em f(r)icçao para tempos mornos

        vida aventureira de um jovem viajante no underground e no bas-fond entre os anos 1960 e 80

 

Cedo e apercebeu de que o remédio era cavalgar o tigre em que montara sem pensar muito no destino, cavalgar só para não ficar parado sobre a fera que a todo instante ameaça engoli-lo.

...

- Mas vem cá, tá tudo muito careta à nossa volta e os caretas desbundando tanto nas ondas mais vergonhosas que a gente até se retrai.

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     divertissement ilustrado, cronistória romanceada, docudrama

 

  Medo atraso e rock nas berças 

                                                                                                                                   Medo atraso e rock nas berças 

                                                                                             Londres, Cambridge e Lisboa 1971-74

 

Entre Londres e Cambridge Ed diz Goodbye (?) ao grande sonho.

Em Lisboa trabalha em programas de rádio e num jornal que são baluartes da resistência à ditadura e mergulha no bas-fond da longa noite salazarista-marcelista, semiclandestina, clandestina ou decadente, tendo como pano de fundo o mundo dos jornais e da rádio, da música, do cinema e do teatro e a ‘vida de café’ daqueles tempos.

A noite de 24 para 25 de Abril de 1974 e da alvorada da chamada Revolução dos Cravos encontra-o de serviço na Rádio Renascença enquanto esta transmite, sem que quase ninguém saiba, a senha de saída dos militares dos quartéis.

                                                                                                                                 capítulo 3 de

                                                                                                                                

                 Por dentro e por fora em Londres 

                Terra da Dama Eletroacústica

                Medo, atraso e rock nas berças

                Era uma vez a revolução  

                Droga, Loucura e Vagabundagem

                          
                           

                          - Da Teoria à Prática ou Vice-Versa

 

                             Rumo às ilhas da Utopia  

                             Era uma vez as revoluções


so listen to the rhythm of the gentle bossa nova



narrativas de rock estrada e assuntos ligados

    Medo atraso e rock nas berças 

          Medo atraso e rock nas berças 

                   Trechos  

   

  
 Rock
       nas berças

   Produzo e realizo também um programinha intitulado Evolução com um estudante de Matemáticas maluquinho das baladas – rock baladas, folk e country-rock, ou soft rock ou bittersweet music, sobretudo John Denver -, sereno e delicado, dando ares de filho de bons burgueses, com quem sigo até Vilar de Mouros, um festival de rock que ao ser anunciado já é um marco da história da vida social portuguesa destes anos bicudos, possível porta de entrada de Portugal no mapa de acontecimentos do género, que já proliferam por toda Europa ocidental.

A primeira estrada portuguesa. No comboio noturno para o Porto, da estação de Campanhã mudando para S. Bento e dali o primeiro flash dos verdíssimos e dourados campos de vinha e milho quase entrando janela adentro até Caminha, onde o temerário doutor Antônio Barges, organizador do evento, recepciona os jornalistas com uma ida de autocarro por uma estrada entre o pinhal até sua terra natal, cujas belezas pretende divulgar no mundo através do festival, que a abrir tem como grandes atrações a recém-formada Manfred Mann's Earth Band e Elton John.

A viagem à fronteira da Galiza e ao Portugal profundo tem sabor de regresso às origens ou ao mundo de Asterix. Vilar de Mouros é uma aldeiola perdida entre montes e vales banhados por um rio onde se poderia pensar ser menos viável a realização de um acontecimento do género. O Woodstock, a ilha de Wight portuguesa, respeitadas todas as diferenças de proporções. O recinto, demarcado por uma cerca de tábuas numa clareira, parece um Forte Apache para no máximo uns dez mil índios. Até o festival de Bellingham foi mais imponente. Contam-se pelos dedos os cabeludos com ar de hippie. Quase todos os convivas portam roupas de marca e mochilas acabadas de estrear e cabelos da moda em 1966, mal encobrindo as orelhas, ar de pequeno-burgueses (en)quadrados.

O primeiro dia é um festival de feedbacks. O doutor Barges, um burguesão de cabelos brancos que parece não ter nada a ver com a coisa, acomoda os jornalistas em beliches instalados em quartos da casa do caseiro do solar. Na manhã seguinte, muito atencioso e ainda atormentado com as atribulações da organização de um festival com rock ao ar livre numa era de proibição de qualquer ajuntamento de mais de dez pessoas, leva um grupo de escribas até ao rio, um trecho do paraíso onde jovens parecem querer reproduzir as fotos de Woodstock que deram a volta ao mundo, tomando banho nus em pêlo para o maior deleite do despreconceituoso anfitrião, que ao assomar o pedregulho sobre o cenário de sonho numa radiosa manhã de verão não se furta a evocar algumas páginas de Rousseau.

- Haverá quem diga que eles compõem um quadro de perdição, mas que mal há nisto, meu Deus?! – suspira, como a tentar o reconhecimento por tantas atribulações passadas.

Fosse isso ou os problemas com o som, que prejudicaram as apresentações de todas as bandas portuguesas – em função da má qualidade do próprio equipamento caseiro - antes do gran finale da primeira noite com a pseudo-progressiva banda do ex-pop Manfred Mann, cujo currículo baseia-se numa sucessão de hits que produziu em catadupa em 1967 e no fato de se ter feito acompanhar por Klaus Voorman, fotógrafo teutão amigo dos Beatles do tempo de Hamburgo, além do brilhante baterista Alan White, ou seja, em quase meros mundanismos - o médico ainda não viu nada, pois o astro ascendente Elton John, um dos nomes mais respeitados da pop song anglo-saxónica, e que na noite de encerramento do fim de semana de rock do festival em Portugal dará um show arrasa-quarteirão, revela-se também uma bicha caprichosa daquelas de se lhes tirar o chapéu, a fazer exigências de conforto e comodidade sem cabimento num contexto tão primitivo e prosaico, em que o camarim é um barracão de madeira erguido atrás do palco sobre chão de terra.

  Marco de tantas expectativas frustradas – a não ser o estupendo trio de Elton John, que aqui se revela um showman e não um simples violeiro, tirando da cartola uma insuspeitada faceta de Jerry Lee Lewis - Vilar de Mouros serve para abrir as portas da percepção de uma pequena parcela da juventude portuguesa, e minha, para o Portugal profundo e de parte da sociedade para a percepção de quão longe se está em Portugal, a vários níveis, do mundo moderno, e lá vejo o regresso a Londres cair de bandeja com o convite para escrever para o suplemento dominical do Diário de Lisboa. Em menos de um mês estou a bordo de um Rover 100 rumo a Southampton.

...

Tímido mas sorridente e audaz, lá vou em início de tarde de sexta-feira para um fim de semana em Cambridge. Amelia foi calorosamente receptiva ao meu telefonema. Lida muito com latinos e talvez por isso seja diferente do inglês comum. O meu maior problema ao pensar em ir era alojamento, mas logo me diz que o convite incluía estadia na sua casa, um apartamento pequeno, porém com espaço suficiente, porque não lhe pareceu que eu fosse esquisito.

Na primeira noite durmo a sono solto num sofá de três lugares quase do tamanho da sua sala de estar, conjugada com a zona de refeições, que tem apenas uma mesa e seis cadeiras. Não tarda muito e estou a tremer das pontas dos cabelos às unhas dos pés entre o lençol e o cobertor da sua grande cama sobre um estrado baixo enquanto Lennon canta em surdina Norwegian Wood, o que me conforta, porque de imediato sinto haver um parentesco entre o episódio que o beatle decanta e a situação que vivo numa cidade que mal entrevi, virgem, na cama com uma mulher oito anos mais velha e já madura. Como me prova pelo jeito com que me leva docemente à minha iniciação.

Acordou-me a roçar nariz e lábios no meu pescoço, depois beijou-me uma vez o rosto e outra os lábios para testar-me o ânimo. O seu corpo carnudo de pele jasmim exala uma suave fragância acetinada.

Não faço questão de sair e passamos a tarde a comer bolinhos de amêndoa triturada com hash que fizemos enquanto fumávamos um joint e tomávamos o breakfast. São os primeiros bolinhos do género da minha vida - nem sabia que se pudesse comer haxixe. Alguns não têm o condimento e faz parte da brincadeira – atroz, diz ela mesma, que costuma fazer com os amigos - ter a sorte de comer os que têm hash, usar a imaginação caso por acaso não se coma nenhum com hash ou então... comê-los todos!  Tomamos vinho do Porto Vintage, que ela colecciona e que diz ser o seu maior orgulho junto dos amigos, entre os quais um jovem ‘aristocrata’ americano estudante de economia no Trinity College que aparece ao fim da tarde com aspecto de quem não gosta de tomar banho e que desconfio que seja boyfriend de Amelia, mas que acaba por ficar a dormir no sofá.

As poucas horas passadas entre o rio e os jardins dos colleges de Cambridge dão-me pela primeira vez a sensação de saciedade e plenitude, conforto e paz de ser em parte senhor absoluto das minhas vontades, do meu tempo e espaço, embora não tenha muita consciência do que - pessoas e monumentos - me rodeia.

Volto a Londres de peito inflado decidido a encerrar mais um capítulo da minha vida. Nem completei três semanas de serraria – o dinheiro que ganho não dá nem para o quarto e mais o leite que bebo à saída ‘para desintoxicar’. Desisto – digo a Jimi, quando ele chega ao fim da tarde do dia seguinte, o primeiro em que falto ao trabalho. Falo-lhe em ir comigo para Lisboa, onde também poderia fazer rádio e escrever. Recusa encarar a hipótese. Esperará em Londres o fim da dita dura.

 

Amelia’s brazilian mate acaba por voltar quinta-feira e prolongar a sua estada por mais uma noite que depois se transforma numa semana de passeios nos jardins dos ‘colleges’, leitura, muito progressive rock, porque a discoteca da sua Amelia é pródiga em discos de Van de Graaff Generator, Hawkwind, Curved Air, Pink Floyd e Soft Machine, e uma doce iniciação sexual. O facto de não ter visto de permanência não é problema em Cambridge, com estudantes de todo o mundo, e levo vida normal e regrada como a de um camian qualquer. Norwegian Wood – Camian Wood, a sensação é a mesma. I once had a girl or should I say she once had me?... Até aqui, para lá e para cá nas pontes do Tamisa, agora do Cam. Muda a paisagem – e como.

...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- Eles atingiram o âmago da linguagem sonora

 

 

             Buffalo Concert Presentations Present

          by courtesy of The Trustees of the Surrey County  Cricket Club

            Goodbye Summer

   A Rock Concert in aid of the Victims of Bangla Desh at the

                       OVAL CRICKET GROUND

   KENNINGTON, LONDON, S. E.11  September 18th , 11 a.m. to 9.30 p.m.  

                                                    (Gates open at 9 a.m.) 

 THE WHO

    THE FACES

                                                                         London Premier of

     ATOMIC ROOSTER

        Mott the Hoople  *  Lindisfarne

     Quintessence * Grease Band

America *  Eugene Wallace

                                                   + Jeff Dexter + Friends

  Tickets now on sale. Price £ 1,25 at all branches of Harlequin Record Shops and all branches of One Stop

    Records or Tickets on sale on the day of The Oval Cricket Ground, Kennington, London, S. E. 11

                           ONLY LIMITED CAR PARKING AVAIABLE  

Não há cartaz colado em paredes da cidade que não sirva para anunciar shows de rock. Procol Harum no Queen Elizabeth Hall e Cat Stevens no Coliseum elimina-se, por falta de condições e porque, sobretudo para Jimi, dispensáveis, e já vamos gastar ₤1,25 no Adeus Verão, um festival de apoio aos flagelados da guerra no Paquistão oriental no campo de cricket de Oval.

Bangla Desh, depois de Biafra, com o Vietnam e os subestimados dramas africanos, mais uma tragédia humana em tempos de aparente felicidade e progresso. Como temos consciência disso vindos do país do milagre económico e... da seca, que mata milhares de nordestinos por ano quando a estiagem se prolonga além da conta.

Ouvimos ecos de Horse With No Name, primeiro disco e grande êxito do verão do duo America, fumando um joint providenciado por Jimi junto de um colega da serraria. Decidimos também não ver Grease Band, muito bem reputada mas que boicotamos porque só a admitiríamos com a formação original de oito senhoras apoiando o vozeirão de Joe Cocker, que partiu com boa parte delas para uma melhor ao juntar-se a Leon Russell, Rita Coolidge e uma grande e bela cambada na turnê Mad Dogs and Englishman.

Chegamos quando Quintessence sobe ao palco. Fazem uma música entre a folk song do tipo madrigal e um Oriente próximo à India, em espetáculo que ao esplêndido sol da tarde de sábado, sobre o gramado macio do campo de cricket, parece uma cerimónia místico-encantatória deslocada do tempo e lugar, o flautista dá-se pelo nome de Raja Ram, a cantora chama-se Shiva, encerram a gig com uma música chamada Jesus, Buddah, Moses, Gauranga e parecem um desses bandos de hare krishnas que nos atazanam na rua, com a diferença de que não têm a cabeça raspada e suas túnicas são multicoloridas.

Estamos em polvorosa para ver Lindisfarne, por razões óbvias, como frisamos no original em inglês, noto nos olhos de Jimi ainda uma ponta de inveja por não ter visto o fog on the Tyne, mas eis que avisto a meia careca de John, the Peel, com quem vamos até ao backstage e lá ficamos presos, por falta de credencial. Mal se dá também pela passagem do ótimo power trio Mott the Hoople do organista Ian Hunter e do guitarra-solo Mick Ralph. Atomic Rooster, que sob a direção do pianista Vincent Crane (quase Price), que vá-se lá entender era a alma do Crazy World of Arthur Brown, e faz um hard rock espaventoso beirando o gótico, apresenta como grande nova atração um homem de voz possante como as trevas que adquiriu ótima reputação no noneto Colosseum, Chris Farlowe. Grita-se a três quartos para trás do palco enquanto se fuma com alguns roadies a quem ‘fomos entregues’ por Peel uma fortíssima erva nigeriana – finalmente! COF! COF! CCCOF! OFFF! tudo ficando vermelho em volta, ensurdecidos pela torrente de lava eletrónica que será capaz de acordar toda Londres langorosa & quase nua sob o último sol de verão nos relvados de Kensington, e lá se foi o Atomic Rooster numa revoada, e lá sobem Rod Stewart, o grande astro da estação, finalmente atração de meia em meia hora até no Tony Blackburn Show, com o êxito de Maggie Mae e Reason to Believe, e The Faces. Viajo a sonho solto de olhos abertos. Aqui já é uma outra corrente-torrente. Rod parece ter caído numa poção do que restou dos corpos de Sam Cooke e Otis Redding e com Ron Wood deve ter tentado atingir o ponto exato de equilíbrio entre alguma coisa de banda típica de country americano tradicional com o famoso Memphis stew de Cooke, mais qualquer coisa de Temptations ou algo que o valha. Stewart nem deveria ser cantor, quando muito um roadie como os que nos rodeiam. Está lá, à frente desse fabuloso quarteto, por paixão e, esganiçante ou o que seja, mantém-se quase só por força de vontade.

Aproxima-se a passos largos um meliante com olhos quase ameaçadores pedindo fogo ao meu cachimbo. Estendo-lhe os fósforos e ele saca do bolsinho do peito de sua jaqueta Levi’s de bombazina um joint de dez centímetros como que confeccionado numa máquina. A coisa é difícil de tragar, a cada vez que Trevor, como se nos apresenta, se posta a meu lado e me cutuca com o ombro para apresentar-mo de novo, mal dou uma tragada e o passo a Jimi, que por trás de mim o devolve a Trevor quando de repente, do palco, Pete Townshend parece querer atingir-me com o seu sapato de meio cano de camurça. We won’t get fooled again – oh no! – gritamos com ele, nós que ainda nunca fomos enganados. Isto sim é espetáculo, mais um, somados aos que ouvimos já faz uma bela coleção. Destes levamos a barriguinha cheia, como diz o Arlindo – quase se desfaz a rir e a tossir Jimi, que continua a encontrar-se com o nosso amigo refratário português.

Trevor, que por todo o concerto em que The Who só tocou músicas do seu novo disco, Who’s Next, se manteve quase estático a meu lado, diz-nos que é roadie do Atomic Rooster e que há uma festa e, se não quisermos perdê-la, é melhor segui-lo, o que fazemos até uma carrinha onde ele nos estende um copo de plástico enquanto com a outra mão segura uma garrafa de Southern Comfort, e lá vamos nós. Onde é a festa – e de quem? De Ron Wood, que alugou um bar em Chelsea.

A festa é de Ron Wood, o som dos Faces, com muito balanço mas – digamos – eletroacústico. Nenhuma algazarra, apesar de o pessoal – bandoleiros e muitas gajas lindas, de todos os feitios e cores – estar a entorná-lo bem. Entre eles, num nicho, no meio de três belezuras, Keith Richards, dos Stones! e John Entwistle, o baixo do The Who.

   You wear it well  (um, dois, três) a little old fashioned but that’s all right...

Um sujeito de longos cabelos louros sobre a testa e as orelhas, camisa lilás e calças azuis claras, está placidamente sentado ao balcão. Conheço essa cara mas por nada deste mundo esperaria encontrá-lo aqui. Vou devagar até ele, faço um hi e acerto na mosca: Kevin Ayers, com quem meto conversa graças ao meu passaporte de sempre, conhecer John Peel – oh, yeah? - e ter pernoitado três semanas no seu Essex natal. Diz que mora já há dez anos em Londres e que se sente como um misto de Katherine Mansfield e um personagem saído de um sonho de Noa, Noa com um quê de exótico. Z de exótico, brinca Jimi abeirando-se do balcão.

Apresenta-nos a um amigo que se entretém a dar voltas com os dedos à pequena caneca de cerveja escura na sua frente, quase tão seco como nós, barbudo e com um cabelão liso até o meio das costas, Daevid Allen, seu ex-colega da Soft Machine, que vive na França com o Gong. São uma comunidade. - Todos australianos e neo-zelandeses? – pergunto-lhe.

- Quase. Mas no fundo somos todos britânicos. Estamos muito bem lá. Eu seria incapaz de tocar noite após noite, de teatro em teatro, e aqui ninguém se sustenta sem isso.

- Vocês têm contrato com a gravadora?

- Não. Vendemos os masters que auto-produzimos às ediutoras. Trabalhamos como numa cooperativa. Aqui ninguém quis comprá-los.

- Estamos indo? – pergunta Kevin a Daevid e a nós se não queremos tomar um drink no seu houseboat. Seguimos em silêncio num Morris Cooper SS até para lá de Albert Bridge. Bebe-se Glenfiddish puro. São de poucas falas. Kevin é um gentleman galante.

Num grande painel de fotos pendurado na parede dá para reconhecê-lo numa série com os rapazes da Soft Machine, entre muito pessoal em volta - a primeira formação da turma. Quando e conheceram David e Kevin eram Soft Machine.

- Eles atingiram o âmago da linguagem sonora – e bate o copo nos nossos.

Aponta para uma com Daevid Allen, quando chegaram a Londres há dez anos, e outra com a sua ‘tribo’, Gong. Jimi pede-lhe para pôr Joy of a Toy. Recusa. Ouvimos Third, da Soft Machine, pela primeira vez desde o início até Moon In June.

Qual lua! Uma bruma noutras circunstâncias sinistra. Amanhece.

O, I miss the rain, ticky-tucky-ticky... - canta Wyatt baixinho.

- Estava atento à letra, que é de tamanho da faixa. Artista está em Nova York no verão com saudade da chuva londrina... nunca pensei que isso pudesse acontecer – diz Jimi se balançando na ponte da casa ao cais enquanto saímos ouvindo a música – and I wish that I would be back home again... home again, home again...

     Caminhamos ao longo do cais olhando o céu cinzento para os lados de Battersea.

- Depois do que vivemos nas últimas horas deveríamos escrever algo como Fear and Loathing in Las Vegas, de Hunter S. Thompson – já leu?

- Só os primeiros capítulos no Rolling Stone. Uma história muito doida, não?

- Sim. Muito maluca. Jornalista vai a Vegas cobrir uma convenção de polícias da brigada antinarcóticos e uma corrida de 24 horas de motocicleta e tudo o que vê dela é uma nuvem de poeira. O resto é drogas, mulheres e problemas com a polícia.

- E quem iria publicar algo do género em Lisboa? – SE conseguíssemos escrevê-la!

 

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     Sob     o     sol     de     Parador

               Barco Negro: tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado

 

     Na terceira saída de casa após a chegada as sabrinas à la Bolan já não saem do armário. Nos primeiros meses como que flutuo sobre as ruas de gente lúgubre, velhos e novos, homens, mulheres e até crianças me insultam com olhares e expressões de escárnio pelas roupas que uso e os cabelos cacheados caindo sobre os ombros, ar angelical-endemoniado de jovem caravaggio em fuga, fora do tempo e do lugar. As radiosas auroras tropicais arquivei-as na memória em Londres mas não há meio de me adaptar às manhãs tardias.

  ...

 

        República

Hora da sopinha, almoço frugal do velho militante republicano e jornalista a serviço do pequeno-grande baluarte da oposição à ditadura, o jornal República, o único puro e – na medida do possível – duro, que lá resiste muito mal impresso no chumbo, com uns dez mil exemplares de vendas quando a maré vai pelo melhor e que sobrevive de fundos angariados por Mário Soares do exílio em Paris, onde hora e vez vai alguém levar e receber informações sobre o rumo das coisas e indicações.

Eu e um ex-colega da RU decidimos procurar trabalho como críticos de música ligeira nas publicações possíveis, e lá subimos as velhas escadas da Rua da Misericórdia.

A Raul Rego só faltam a viseira e as mangas de alpaca para ser um jornalista do tipo dos antigos filmes B americanos, mas à redação não falta nada. Aliás, estatura, modos, calvície e óculos – é Peter Sellers em Dr. Strangelove sem tirar nem pôr, só que Rego mais maltratado pelos anos de militância e algumas prisões. Enquanto come a sopa, após desculpar-se por fazê-lo, mas é assim que tem de ser, ainda tem de pôr o jornal na rua e no trem da uma e meia para o Porto, que lê cedo no dia seguinte o da véspera, ouve a dupla e marca encontro para dois dias depois, quando qual Edward G. Robinson, embora muito magro e envelhecido, nos recebe já sentado no seu pequeno gabinete – o único da minúscula redação – face ao seu prato de sopa subido da taberna do Manel, onde o pessoal costuma ir almoçar belas pratadas de comida alentejana de primeira, dizendo tudo bem, podem escrever quanto quiserem mas não temos dinheiro para nada e a única coisa que lhes posso oferecer é uma ajuda de custo para o transporte e o pagamento de eventual despesa com alguma reportagem, mas nada de exageros.

De reportagem, a bem dizer, só fazemos uma, na Praça de Touros de Alcochete, onde num sábado se realiza como que um fantomático festival de rock só com bandas portuguesas, entre as quais os inevitáveis Chinchilas de Filipe Mendes, tido unanimemente como o melhor guitarrista destas plagas. Na redação escreve-se à mão em tiras de 12x30cm porque só três ou quatro redatores mais velhos ou conceituados têm direito a máquina de escrever ou a trazem de casa. A disputa do espaço de mesas em que chegam a alojar-se dois redatores é a parte visível de uma luta em surdina pelas vagas de estagiário.

A redação tem uma linha direta com a censura através de um telefone de manivela pendurado na parede que só é acionado por Raul Rego e pelo chefe de redação, tudo caindo aos pedaços, porta de vai-e-vem para a oficina de composição de onde se vê a tipografia embaixo através do buraco deixado por uma tábua corrida do chão que falta. Aparentemente desenquadrado do contexto, entra às segundas-feiras Artur Portela Filho, jovem publicitário muito janota que assina a coluna Feira de Vaidades, causa dos maiores atritos do diretor com a censura.

    ...

 

 

   

       Ali está parte da nata da malandragem para-intelectual lisboeta, o poeta-tradutor hiperbêbado, as excelentes actrizes histriónicas, um revisor de provas de editoras magrinho e alto como uma agulha de cabelos lisos mantidos colados ao crânio por superdoses de fixador e que mais parece um dançarino de tango, fauna restrita e nauseante também ela, que se posta sentada à mesa ou peripateticamente tergiversa ziguezagueando entre as mesas e os pares dançantes na pista estreita. Mesmo se esfomeado, eu – que só bebo uma ou duas cervejinhas por local – recuso-me a comer ali simplesmente porque a penumbra é tão densa que não permite saber o que é, por exemplo, o bacalhau à Brás que os empregados trazem no meio do estardalhaço. Sim, há também um nada selecto grupo de ‘meninas’ a que ninguém do efémero grupo artístico-intelectual dá cavaco mas a que, vez ou outra, num raro entremês de aliança de classes, lá se irmana numa mesa.

Em dados momentos parece que se está numa jaula de bestas de um zoológico humano ou de um hospício, e não é para menos.

Com o trio musical em descanso JCP alteia a voz muitos decibeis acima dos sussurros da praxe para clamar de improviso uma melopeia poéticoetílica em prosa em que, olhando para as paredes, diz-se como Zavalita a olhar as capas da New Yorker e tu, meu amigo Zavalita – e olha-me com um riso de doido e abraça-me, obrigando-me a afastar-me e a afastar as suas mãos com cuidado, sempre a temer uma reacção inusitada de destemperamento -, dias e noites em conversas na catedral enquanto Kerouac espanta os mosquitos deitado no tejadilho do carro na grande noite mexicana, e vai de declamar de cor trechos inteiros de On The Road ou Debaixo do Vulcão até interromper a cavalgada e, abrindo o sorriso em travessão grosso entre a barba densa mas sempre bem aparada, pegar o copo e sorvê-lo entre um ponto e vírgula e um ponto final de ai meu Deus.

 

Essa nega fulô!...

Ora se deu que chegou

(isso já faz muito tempo)

no banguê dum meu avô

uma negra bonitinha

chamada Nega Fulô

- cola o poeta-tradutor de sobrenome italiano a colocar-se de súbito no centro da pista declamando como um trovão a imitar o brasilês e logo a amainar, em razoável interpretação do original.

 

Essa Nega Fulô!

Essa Nega Fulô!

- recita aos brados como a ver a nega.

Ou então levanta-se ou dá uma volta meio curvado e, já quase a cair pelos cantos, com um sorrisinho de louco translúcido declama também em brasilês:

 

Noite grande...

Apicum da beira da água está gostoso!

(porque põe uma exclamação onde Bopp não exclama, dando ao gostoso uma subida em escada de três tons, como a deliciar-se)

Hoje tem céu que não acaba mais

esticado até aquele fundo...

- porque reticencia com deleite apontando o tecto com o braço esticado e a palma aberta a meia altura do corpo, a olhar para a parede escura do mafuá como se estivesse a vê-lo – o céu.

 

Não galgo, olho azul,

fidalgo,

Mas um simples cachorro

Já seco.

 

Não cão

de uma constelação.

Mas um simples cachorro

de beco.

- diz às vezes num sussurro a um palmo da minha cara, como a fazer-me um galanteio, sempre com o sorrisinho maroto de bêbado, lançando-me perdigotos que me fazem repeli-lo, enojado.

Não raro, no auge do delírio das feras do Cantinho, lá para as quatro da manhã, mais contundentes que uma ducha fria explodem sons de murros e cadeiras a partir-se e voam pedaços delas até estatelarem-se junto a uma mesa dos convivas na sala, por onde de repente deslizam vindos do balcão de entrada dois ou mais corpos engalfinhados numa bulha de galos de morte em físicos de brutamontes embarcadiços que com frequência arrastam duas ou três mesas e cadeiras e as pessoas que nelas estão sentadas a levantar-se como que com medo de uma onda, numa fúria que parece destinada a incendiar de verdade aquele inferno, mas que inopinadamente, e sem que se saiba muito bem como, estanca.

      Pergunto-me que massa estranha é aquela vermelho  escura que se agarrou à fita de ráfia da minha bolsa de couro até que decido raspá-la e descubro ser sangue de um embarcadiço que quase me arrastou numa dessas vagas.

... 

Intervalo na hollywoodiana reportagem. Sem o terceiro mosqueteiro de armas sonoras encontro-me com JCP após sessão especial de Hiroshima, Meu Amor e instalamo-nos no balcão de uma cervejaria onde já se senta uma sua ex-namorada e o novo namorado. Trinta e poucos anos, morena de olhos verdes claros faiscantes, passa umas boas duas horas a receber quase em surdina uma metralhada de piropos do ex, que muito compreensivelmente não se conforma com a perda.

Vão-se ela e o sócio num táxi que parte na madrugada da Ave de Roma no sentido do cruzamento com a dos EUA e JCP, que não é lá dessas coisas, ainda ensaia uma corrida atrás do carro até parar, puxar a mecha de cabelo para o lado e pôr o braço no meu.

- Ed, Ed!... As princesas que passam sem passar, que ficam e roem-nos todinhos depois de nos foder bem fodidinhos, pobres de nós que desde o berço estamos presos a esta roda viva, mulheres da mama à cova, sempre a dar-nos cabo da moleirinha! Mas o que seria a vida sem elas? – ri. – Que tal, muito bonita, não?

Aproveito um rasto de vento deixado por um camião que passa, abro os braços e dou uma volta sobre mim mesmo a imitar o matador de cangaceiros em António das Mortes.

- Tal e qual o filme – diz JCP, a reaproximar-se e apertar o braço no meu com a ajuda da outra mão.

-        Pisando forte o asfalto – cantarolo no ritmo do nosso andamento.

- Não desejarás a mulher do próximo. É um pecado mortal ou um mandamento?

- Não sei. Quiseram tanto inculcar-me essas noções que à primeira oportunidade fiz questão de esquecer-me de tudo e rapidinho.

- Pecado mortal! Ela já não é minha, já tem outro... – estala a língua e faz um muxoxo.

- Pisando forte o asfalto... – repito frase e melodia a marcar o tempo com os passos. – Isto dá música.

- Fazendo fortaleza da nossa fragilidade – junta JCP, letra e melodia, que de Miles em tom menor a conhece toda.

- É um bolero – antevejo, enquanto já desbobino a cassete à procura de um pedaço livre para gravar.

-        Vamos fazer um bolero sobre os pecados  mortais? – propõe o outro a rir.

      - Pecados mortais?! Que ideia!

- É. Primeiro: não matarás. Segundo – ou será o terceiro? -, não cobiçarás.... Não, isto são os mandamentos. Mas quais são e quantos são os pecados mortais?

E a cogitar chegamos ao cruzamento onde o táxi tomara o rumo de Entrecampos.

      - Pisando forte o asfalto

  fazendo fortaleza da nossa fragilidade – canta agora JCP, a vincar o tempo com a batida dos passos no chão.

      - Pecado mortal – acrescento em notas adequadas à sequência.

São três da manhã, a esplanada do Vavá está deserta, sentamos em delírio manso a cantar para o vasto círculo vazio em frente.

      - Pecado mortal levado à letra

      Num apartamento da gare central....

- Apartamento da gare central... Boa imagem. Estás a ver – como uma cena daqueles primeiros filmes em preto e branco da nouvelle vague.

Toda a sequência do bolero sai frase a frase em harmonia, como por encanto. Verso a verso, muda palavra aqui outra ali, ensaia uma e depois outra entrada de frase melódica, não é obra-prima mas fica crónica exacta - embora aleatória - da noite.

- Não salto...

- ... Levo à mão o revolver do tempo...

- Afinal o perdão...

- ... constitui...

- ... o pecado mortal.

- Quem é Deus?...

Um cão rafeiro aproxima-se e senta-se em frente aos dois.

- Xô! Xô! – faz JCP a tentar enxotá-lo, mas ele nem se move. Fica especado a mirar-nos com os olhos bem abertos e a boca fechada. – Xô! Vai-te embora! Nada... parece que está a gostar... E tu, sabes ao menos quem é Deus? Talvez só tu o saibas. Quem é Deus, ó malander?!

Como numa finta de futebol, o cão finge que vai mover-se mas permanece sentado, estático, com a língua de fora, a babar-se.

JCP, que se curvara à sua frente, volta para a cadeira a ajeitar a madeixa.

- Isto faz-me lembrar aquelas maluquices do Kerouac. Um cão poderia ser a imagem de Deus? Pode ser um cão o deus desconhecido? És Deus ou quê?! – a alçar de novo a voz até ao grito. – Deus! Responde, ó seu badameco! Deus, és tu que olhas para mim através desse cão abandonado como eu?! Um cão vadio?! Um badamerdas?!... Tá maltratadito, mas até que não é feio... Ou será como com as mulheres que às vezes, já bastante tocados, levamos pra cama – já te aconteceu isso ou não? Pois a mim já - tás a ver? De noite até marcham, mas no dia seguinte parecem bruxas...

- Quem é Deus, diz-me tu com o olhar espantado...

Aproxima-se o segundo Cascais Jazz, organizado por Manuel Vilas Boas, que faz do Vavá uma espécie de escritório, e onde páram também alguns críticos de jazz, como JCMC, personagem-título de um poema de JCP. Falamos sobre isso e juntamos ao bolero:

- Há uma nota de jazz e um bolero

- Sentido contrário ao do táxi ocupado

  Na noite sem fim

- Pecado mortal...

- ... Sinal dalgum sonho que...

- ... a fragilidade...

- ... não leva ao final

- Tom-tom-tom – faço a sequência de síncopes finais de um bolero tradicional.

- Pecado mortal...

 ...

    Passam-se às vezes dois ou três dias sem ver Ofélia. E nunca me pergunto o que faz depois dos ensaios da nova montagem do Cenário, com outras seis mais ou menos jovens actrizes irrogantes para que forneço subsídios. Pela primeira vez tenta-se montar em Portugal uma peça de Nelson Rodrigues, o polémico dramaturgo brasileiro, que dá raiva pelo reaccionarismo mas que força ao máximo respeito por ser o primeiro grande autor teatral moderno no seu país e pela prosa magnífica das suas crónicas sobre futebol À Sombra das Chuteiras Imortais, que acompanho embasbacado no jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e logo arquivo. O acachapante dualismo do autor e a qualidade indesmentível do seu texto deixam-me perplexo. Recortes e livros sobre teatro brasileiro e com parte da obra de N.R., comprados no Centro do Livro Brasileiro, entrego-os a Ofélia como material de estudo que, a par com o conteúdo de Doroteia, deixa-a igualmente estupefacta. Está-se nessa até que na noite de estreia do filme Meus Amigos, de António Cunha Teles, após comes e bebes com Noémia Delgado e companhia bela, ao atravessarem, uns mais ébrios outros menos, a ponte do comboio da Ave de Roma, a ver se passa um táxi que nos leve ao Bolero, caem-lhe a ela os óculos no chão.

O filme, num preto e branco porreiro, é uma boa merda, mas a nossa actriz safa-se muito bem. Entre interessados mais ou menos directos nem se toca no assunto durante o repasto na Cervejaria Roma. Não haverá de ficar na história. Não há motivo para grandes alegrias nem tão pouco, aparentemente, para frustração.

Apresso-me a apanhar os óculos e ao vê-los quebrados Ofélia quase cai em pranto.

-  E agora, como é que eu vou fazer, sem dinheiro para comprar outros?

     - Não te preocupes, compro-te uns novos – retruco.

Para quê...

- Rá, rá, rá! És tu a pagar-me os óculos e o outro os desmanchos! – gargalha a partenaire, a produzir o efeito do desdém de Marlene pelo Professor Unrat.

Sinto-me o próprio no cabaré homónimo, onde Ofélia faz questão de flertar com este e aquele noutras mesas enquanto a cada chibatada respondo com mais cerveja para o bucho – e não foram as gambas ao alhinho que comemos que me fazem sedento como nunca. Apatetado tento por uma vez sentar-me à sua mesa, mas de pronto ela reage aos berros e com todo o escárnio de que só uma mulher – e uma ganda actriz – é capaz:

- Mas o que é que o senhor está a fazer aqui? Vá curtir a sua dor de corno para a sua mesa, seu badamerdas. Aqui comigo, ó, kaput! Finito! AufWiedersehen! Goodbye, my boy. Rá! Rá! Rá! – olhando para os convivas a dar espectáculo e como que a pedir palmas, com um ar de troça que o código Hays jamais permitiu a Hollywood exibir em películas.

Sem mais o que fazer, quatro e meia da manhã e a duas horas e meia de entrar de serviço, peço a primeira das duas sopas alentejanas com que, adicionadas ao conteúdo de duas cafeteiras, procuro curar a bebedeira e a tremenda ressaca que já sinto, neófito, antes de ir trabalhar. É a primeira vez que saio directamente de um cabaré – e logo qual - para o trabalho. Balbucio e engano-me mais que a conta no primeiro noticiário e decido gravar os outros, alegando forte dor de barriga por alguma coisa que comi e fez-me mal, Despertar às sete e meia e uma dose de E depois do adeus. Programa Armando Marques Ferreira e outra dose. Enquanto for bom dia e mais uma dose de E depois do amor e depooois de nós... Na cabeça, além da forte pressão e da dor, um nó de dar dó. Pela primeira vez vejo tudo às voltas e tudo em volta em ruínas. O que é mais ruim nem é tanto a separação mas a humilhação com os convivas da noite – Vergonha! Que vergonha, deus meu! – digo de mim para mim no meio do caos que me ribomba latejante na cabeça, a expressão contorcida, contorcendo-me de mal-estar a cada flashback da noite que não termina.

Durmo a sonhar sonhos absurdos, com a cabeça enfiada numa grande cabeça de piranha, a levar pontapés na cara através da abertura da bocarra do bicho desferidos por uma valquíria vestida com trajes sado-masô, talvez porque um dos livros da sua estante que mais me chamaram a atenção foi Marat/Sade, de Peter Weiss, como que saída de um trip circense de Fellini e que a mim parece ter a cara de Ofélia e a própria a atirar-me um par de óculos e a gritar: e o outro paga os desmanchos! Rá! Rá! Rá! - e só acordo na manhã seguinte, à hora de zarpar para o trabalho.

      E depois do amor e depois de nós... a azucrinar-me a pachorra a cada período de trabalho pela escuta do Serviço de Noticiários.

 

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Jack Kerouac termina seu livro de crónicas Lonesome Traveler / Viajante Solitário (1960) com o ensaio O Vagabundo Americano em Vias de Extinção. Aquele vagabundo americano -

 

trechos dos capítulos Era uma vez a revolução e  Droga, Loucura e Vagabundagem  que compõem um romance dentro da crónica histórica romanceada sobre a era posterior a Jack Kerouac em que ainda foi possível vagabundear pelas estradas fora em trips interiores e exteriores antes do bloqueio das fronteiras ao turismo existencial ou "sem propósito" ou "a despropósito" - a partir daqui

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Enquanto crescíamos havia muita gente que acreditava que ainda iria viver num mundo totalmente diferente. Hoje em dia parece que tudo aquilo sequer existiu.

Quem jamais ousará de novo acreditar na regeneração da humanidade?

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40 anos esta noite

25 de Abril de Cabo a Rabo

relato inédito com dados exclusivos de fatos marcantes que precederam e sucederam a queda da ditadura portuguesa 1928-1974 com a cronologia em insights originais dos antecedentes do maior acontecimento da história portuguesa no último meio século, da madrugada dos filhos da madrugada, do chamado PREC (Período Revolucionário em Curso) e do retorno à "normalidade", a uma outra realidade. Ao mesmo fado?   

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