um cibercordel

revoluciomnibus  OU A POÉTICA DA LUZ DO SERTÃO

  Cores vivas

eu penso em nós

pobres mortais

quantos verões

verão nossos

olhares fãs

fãs desse

céu tão

azul

             Gilberto Gil

ciberzine & narrativas de james anhanguera

 

  GLAUBER ROCHA

   OU A POÉTICA DA LUZ DO SERTÃO

  NO CINEMA NOVO BRASILEIRO

                                               

                                                  

     série revoluciomnibus.com qque inclui

 

                 Os Sertões               Euclides da Cunha & Os Sertões

                   O triste e belo fim de Joana Imaginária & Antônio Conselheiro

 Canudos Hoje: Tendão dos Milagres X O Amuleto de Ogum   

  TRISTERESINA  

      BANGUE-BANGUE

      NA  TERRA DO SOL

 

           

           duna 

   do pôr do sol

Coriscos & Dadás Lampiões &  Marias Bonitas

  Até

calango

pede

sombra  

 

GLAUBER ROCHA OU A POÉTICA DA LUZ DO SERTÃO NO CINEMA NOVO BRASILEIRO  

 

A INDÚSTRIA 

DA SECA

 

No Pátio dos Milagres do Padim Ciço

O triste e belo fim de Joana Imaginária & Antônio Conselheiro

INDISSECA

   índice remissivo

                cibercordel

        DO  MAIOR VIVEIRO CULTURAL  

                          DO BRASIL E UMA DAS REGIÕES   

                          MAIS    POBRES    DO       MUNDO 

                          HISTÓRIA       GEOGRAFIA        E

                          CULTURA    MÁGICA     MÍSTICA

                          MÍTICA              &           TRÁGICA

          

GLAUBER ROCHA

   OU A POÉTICA DA LUZ DO SERTÃO

.NO CINEMA NOVO BRASILEIRO  

 

O cangaço é a violência esfregada na cara dos miseráveis em seus requintes mais cruéis, concluiu o .

Fora Glauber, que era protestante mas tinha uma visão católica do cangaço, nenhum outro cineasta entendeu as relações do sertão.

O beato é a antítese do cangaço. Nunca existiu um Corisco místico – sustenta o cangacerólogo.

   Deus e o Diabo na Terra do Sol foi exibido pela primeira vez a 13 de março de 1964, dia do histórico comício da Central do Brasil em que o presidente João Goulart pedia apoio popular para as suas reformas de base. Noite que terá selado o destino negro do país.

Glauber (o cangaceiro Corisco) diz:

Não misture Sebastião o beato cego com quem contracena – com Virgulino.

Corisco, como escreveu José Carlos Avelar, é um personagem dividido. Corisco é o cangaceiro de duas cabeças - uma por fora e outra por dentro, uma matando e outra pensando.

                          

Antônio das Mortes é a personificação fantasmagongórica do coronel José Rufino , o homem que matou Corisco, ainda muito vivo nesse tempo. Das Morte voltará ao celulóide seis anos depois em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (Melhor Direção do Festival de Cannes 1969).

Das Mortes, disse Glauber, é também personagem de personalidade bifronte: uma consciência em transe, ao mesmo tempo pré-revolucionária e reacionária.

Nós invadimos as telas brasileiras com a cara suja das favelas, os sertões, as misérias, o couro dos cangaceiros, a taipa, a agreste lâmina do mandacaru. (Arnaldo Jabor)

 

 

 

DEUS E O DUARTE

Rogério Duarte holds sua cria (1964)

a partir de foto Fernando Vivas - muito/a tarde - salvador, 2013

 

LUZ DO SERTÃO DE VITÓRIA DA CONQUISTA

Lúcia Rocha:

-  Em Vitória tinha um matador chamado Antônio Pernambuco. Ele impressionou muito Glauber. Sempre que ele aparecia ficávamos com medo, porque quando isso acontecia estava rondando para matar alguém. Sua roupa era igual à do Antônio das Mortes: bota, chapéu stetson, capa colonial e um fuzil papo amarelo, assim chamado porque tinha uma placa dessa cor.

Parabelo – fuzil de papo amarelo. Parabelo – alemães deram nome de parabelum a uma pistola automática – virou sinônimo de arma no sertão.

 

31 - sertão – secas, romarias, retirantes, opressão econômica, manancial de mitos, terra seca, pedras calcinadas pelo sol, água escassa, vegetação rala, a loucura da pobreza do Nordeste – visão alucinada e lucinante dos conflitos humanos, sentido dramático da vida – Glauber: Vitória da Conquista.

 

Toda minha vida persegui cangaceiro e também dei fuga a muito pobre diabo que se meteu nessa vida por injustiça que sofreu. Mas matei muitos, muitos mesmo. De bala, de faca, de todo jeito - contou sem sombra de estigma o homem que matou um dos míticos bandoleiroS do cangaço ao cineasta moçambicano Ruy Guerra. 34 – descrição de Ruy Guerra de coronel José Rufino: um rosto marcadamente nordestino, sem emoções visíveis, uns olhos fendidos preparados para os exageros da luz da caatinga.

 

Ninguém convive com essa paisagem impunemente

Solidão do homem no imenso sertão

sertão interiorizado.

       sol i     i sol

       soli     isol

      solidão isolamento

O cinema novo pôs o Brasil no mapa do cinema mundial com uma idéia na cabeça, uma câmera na mão e a estética da fome tristenordestina:

a miséria da seca refletida no olho do boi morto, primeira imagem de Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Glauber, um mulato-índio do sertão, crente de nome no original alemão, escreve de Roma para a mãe, Dona Lúcia, em 1975:

Sou filho da senhora, da Bíblia e de Conquista – sou isto.

Em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro injeta reflexão política num filme de aventuras aparentado ao western americano, inserindo o sertão-mundo de Deus e o Diabo na sociedade dos anos 60 e seu contexto de modernização.

 

Cabe aqui uma referência, antes da luz do sertão, ao som do sertão no cinema novo brasileiro. Muita tinta correu e correrá ainda sobre o acerto de Nelson Pereira dos Santos na transposição para as telas de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Que fala de um microcosmos macrocósmico – uma família de retirantes. Entre tanto acerto, o da própria trilha sonora. Num filme seco sobre a secura física e humana apenas o som seco e estridente – a única estridência do filme além das próprias imagens - do carro de boi.

Deus e o Diabo na Terra do Sol e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro são sobre o alucinado macrocosmos sertanejo glauberrochiano, à mesma altura em matéria de som: cantoria de violeiro (o tema de Sérgio Ricardo e Glauber ele mesmo) e xote-repente anônimo popular (Te entrega Corisco) se misturam a música dos alto-falantes (o samba Volta por Cima, de Paulo Vanzolini) e de brega (Carinhoso) no que poderia ser uma edição do célebre programa Buzina do Chacrinha.

   

Nelson Pereira dos Santos ia filmar Vidas Secas mas foi prejudicado pelas chuvas e decidiu filmar Mandacaru Vermelho. Glauber:

Filmou um western no sertão, às margens do rio São Francisco – um filme de choque, onde a exuberância plástica da natureza ganha a maior exploração na cinegrafia de Hélio Silva.

Western americano (e Glauber muito western spaghetti) em que o bem e o mal, tese e antítese se confundem e nos épicos neobarrocos de Glauber mais que em todos se confundem em êxtase – o do próprio delírio místico nordestino delirantemente bem aproveitado por seus caciques políticos.

A mais nobre manifestação cultural da fome é a violência. Nossa originalidade é nossa fome. A fome na América Latina não é somente um sintoma alarmante. É o próprio nervo da sua sociedade - teorizou ao apresentar a estética da fome na Resenha do Cinema Latino-Americano de Gênova, em 1965.

Totalmente marcado por sua origem baiana, artesão barroco, viveu a primeira infância em Vitória da Conquista, uma cidade de muito tiroteio onde o tio foi morto por um pistoleiro.

 

   

 

                                                                              

                                                         

 

 

Aqui neste sertão homem só tem validade quando pega nas arma para mudar seu destino brada Corisco olhando nos olhos do espectador.  

Martin Scorsese: O cinema de Glauber Rocha é um ataque feroz aos males do mundo, uma explosão causada pela reação química da mistura de sangue com celulóide.

Glauber, o Sergio Leone do western caboclo :

Só tenho vontade de fazer western. Como não temos nem índios nem cowboys vou meter a cara em cangaceiros e vaqueiros encourados.

Em Vitória Glauber tem o cenário, a luz natural estourada e seu melhor personagem:

Antônio das Morte

Matadô, matadô

Matadô de cangaceiro

como o decanta o violeiro Sérgio Ricardo no cordel-tema do filme.  

 

  DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

 

DE OS SERTÕES DE EUCLIDES DA CUNHA A GLAUBER ROCHA

Euclides da Cunha é a máxima encarnação do intelectual brasileiro. Sua obsessão com o estado do país, o desgaste de sua força intelectual em tarefas a ela impróprias, sobretudo seu empenho em pensar os rumos do país quintessenciam a direção assumida desde nossos primeiros românticos até, digamos, Glauber Rocha.                                         LUIZ COSTA LIMA

 

    DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

Épico-delirante Glauber mostra personagens míticos através de arquétipos do sertão onde nasceu e cresceu: Corisco, o último cangaceiro, Antônio das Mortes, o justiceiro, um sem-terra desesperançado, um beato louco (e cego) dizendo que o sertão vai virar mar e o mar vai virar  sertão.

A própria escassez de meios de produção contribui para o processo criativo.

Nos seus píncaros glauberrochianos o cinema novo expõe o Brasil de barriga roncando a nu, no sertão, epicentro vulcânico do bangue-bangue nacional para uma cabeça em permanente estado de delirante criação a partir do solo seco e dos amplos horizontes onde se encravam os seus próprios conflitos.

Cenário em panorâmica tridimensional dos arquétipos de um país em delírio tremens, entre Deus e o Diabo, um beato cego, um cangaceiro visionário e – entre um e outro - um matador de cangaceiro em crise de consciência enquanto a diva semimorta e seminua, como num brega, canta Carinhoso a capella envolta num vaporoso vestido longo rosa.

Deus e o Diabo usa o tema do cangaço e o cenário social e humano em que se desenvolveu para refletir a esperança na revolução iminente pela superação do estado de delírio da alienação popular. O Santo Guerreiro expressa já o desencanto com o ideal utópico na busca do último cangaceiro.

Como os soldados ajagunçados sobre o Arraial de Belo Monte, em Canudos, 1897, Antônio das Morte é o justiceiro cuja consciência manda matar Corisco, o último cangaceiro, e mata o beato e a mulher louca e tutti quanti parecendo ao mesmo tempo um pouco de uns e de outro, entre atônito e (quase) convertido.

 

É também durante a seca que acontece a maior parte das concorridas festas de sabor sacro das cidades, além das intermináveis romarias.

Para quem gosta de movimento outubro é o mês recomendado. Boa parte da comunidade beata do Nordeste desloca-se para Monte Santo, em busca de graças nas 25 capelas do Santuário de Santa Cruz.   

 

 

       DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

 

 

[16] A serra de Monte-Santo. Descrição de Euclides da Cunha e Os Sertões é mais ou menos como se a vê em Deus e o Diabo na Terra do Sol: 

[17] A Serra de Monte-Santo (...) empina-se, a pique, na frente, em possante dike de quartzito branco, de azulados tons, em relevo sobre a massa gnêissica que constitui toda a base do solo. Dominante sobre a várzea que se estende para sudeste, com a linha de cumiadas quase retilínea, o seu enorme paredão, vincado pelas linhas dos estratos, expostas pela erosão eólia, afira-se cortina de muralha monumental. Termina em crista altíssima, extremando-lhe o desenvolvimento no rumo de 13º NE, a cavaleiro da vila que se lhe erige no sopé. Centraliza um horizonte vasto.

Monte-Santo tinha em 1897 quando a visitou o enviado especial  Euclides da Cunha a aparência comum aos arraiais sertanejos, engrunhidos e estacionários, onde há cem anos não se constrói uma casa. 

Se diria que com sua epifania do sertão Glauber Rocha começa a filmar em 1963 Os Sertões de Euclides da Cunha, de que foi talvez o último sucessor como gênio iracundo e irascível.  É mais que provável que se inspirasse todinho nos levantamentos exaustivos dos mais diferentes aspectos da terra do hoje das crenças e da luta por estas paragens?

MONTE-SANTO

- [D]o século XVII, quando as descobertas das minas (...) os aventureiros que ao norte investiam com o sertão, a finais do século XVIII:] descobriu-a um missionário - Apolônio de Todi (...) o maior apóstolo do norte (...) achando-a semelhante ao Calvário de Jerusalém", que planejou logo a ereção de uma capela - [e] foi ele que a batizou de Monte-Santo [,,,] o Pico-arassá dos tapuias,

[113 Está descrita em Os Sertões] a extensa via sacra de três quilômetros de comprimento, em que se erigem, a espaços, vinte e cinco capelas de alvenaria, encerrando paineis dos passos, [que] é um prodígio de engenharia rude e audaciosa 

     À medida que ascende, ofegante, estacionando nos passos, o observador depara perspectivas que seguem num crescendo de grandezas soberanas: primeiro, os planos das chapadas e tabuleiros, esbatidos em baixo em planícies vastas; depois, as serranias remotas, agrupadas, longe, em todos os quadrantes; e, atingido o alto, o olhar a cavaleiro das serras - o espaço indefinido, a emoção estranha da altura imensa, realçada pelo aspecto da pequena vila, em baixo,

Em Os Sertões tem MAIS LENDAS de MONTE-SANTO e de pelo menos uma passagem por ali do Conselheiro      

      Por volta de 1887 o Conselheiro (...) Fundou o arraial de Bom Jesus [e chegando] a Monte-Santo (...) determinou que se fizesse uma procissão pela montanha acima, até a última capela, no alto. 

      Euclides diz ter tido descrição de "pessoas que se não haviam deixado fanatizar" de que após a subida da multidão     

[137] Duas lágrimas sangrentas rolam, vagarosamente, no rosto imaculado da Virgem Santíssima...

     Noutro trecho, perscrutando como Glauber meio século depois todo o horizonte para enunciar panorâmica em grande angular do fenômeno, Euclides destaca, entre montes de ex-votos, outros sinais de uma "religiosidade singular" e paradoxal como a própria terra que a gera:

     Um único, talvez, se destaca sob outro aspecto, o de Bom Jesus da Lapa. É a Meca dos sertanejos. A sua conformação original, ostentando-se na serra de grimpas altaneiras, (...) [170] e a lenda emocionante do monge que ali viveu em companhia de uma onça - tornaram-no objetivo predileto de romarias piedosas, convergentes dos mais longínquos lugares, de Sergipe, Piauí e Goiaz.

     Ora, entre as dádivas que jazem em considerável cópia no chão e às paredes do estranho templo, (...) um traço sombrio de religiosidade singular: facas e espingardas.

     [O jagunço] (...) entrega ao Bom Jesus o trabuco famoso, tendo na coronha alguns talhos de canivete lembrando o número de mortes cometidas. (...)

       Mais adiante já no relato d'A LUTA contra o arraial do "desequilibrado" apascentador de almas do agreste, o cronista d'Os Sertões pormenoriza suas impressões sobre o futuro setting da continuação da triste e triste saga do interior baiano:

[191]        TRAVESSIA DO CAMBAIO

           [193]                                I

                                MONTE-SANTO 

     No dia 29 de dezembro entraram os expedicionários em Monte-Santo.

     O povoado de Fr. Apolônio de Todi  (...) o estóico Anchieta do norte [que] aquilatara bem as condições privilegiadas do local (...) base das operações de todas as arremetidas contra Canudos [e que um século e meio antes] [194] centralizou, de algum modo, a primeira agitação feita em torno das lendárias "Minas de Prata".

     (...) a vila - ereta no sopé da serrania de onde promana a única fonte perene da redondeza - contrasta, insulada, com a esterilidade ambiente. (...) A sublevação das rochas (...) torna-se condensador admirável dos escassos vapores que ainda os impregnam (...) Depõem-se, então, aqueles em chuvas quase regulares, originando regime cilmatológico mais suportável, a dois passos dos sertões estéreis para onde rolam (...)

[195] a mais bela de suas ruas - a via-sacra dos sertões, macadamizada de quartzito alvíssimo, por onde têm passado multidões sem conta em um século de romarias. A religiosidade ingênua dos matutos ali talhou, em milhares de degraus, coleante, em caracol pelas ladeiras sucessivas, aquela vereda branca de sílica, longa de mais de dois quilômetros, como se construísse uma escada para os céus...

(...)

     E a estrada ciclópica de muros laterais, de alvenaria, a desabarem em certos trechos, cheia de degraus fendidos, tortuosa, lembra uma enorme escadaria em ruínas. (...)

[196] - como um parêntesis naquele sertão aspérrimo -  

     Quando as praças das expedições contra Canudos depois que Paravam nos passos, (...) olhavam o panorama [do] "alto da Santa Cruz", (...) quedavam-se de pasmo:

         Ali estava - defronte - o sertão...

        "Benvindo, Wellcome, Bienvenido. Monte Santo, Altar do Sertão" 

  Os figurantes de Monte Santo na Serra de Piquaraçá emprestaram um tom expressionista às cenas das procissões. Walter Lima

Jr., assistente de realização: Para fazer 400 pessoas subir no alto do morro para filmar tive que distribuir um caminhão de leite em pó

32 – a via sacra de Monte Santo tem uma escadaria com 4 000 degraus. A equipe de Deus e o Diabo na Terra do Sol filmou em Monte Santo durante quase dois meses e depois na Chapada do Coroboró, região de Canudos .

Vê-se em estado de choque por tanto delírio em close um beato sacrificar uma criança e um cangaceiro torturar um negro amarrado. Nem o beato Sebastião representa Deus nem Corisco é o Diabo. Mas chocam de igual modo os closes eisensteinianos nas caras curtidas e sofridas dos sertanejos, que feiúra, quanta tristeza meu deus, quanto incômodo.

Glauber:

- Eu tinha um verdadeiro prazer em filmar Antônio das Mortes massacrando beatos, projetava meu inconsciente fascista em cima dos miseráveis. DEUS E O DIABO é uma razão histórica dialética para esconder o sádico de massas que sou.

 

    LUZ NO CINEMA NOVO: SERTÕES

 

Com Deus e o Diabo e Vidas Secas deu-se início a uma POÉTICA DA LUZ DO SERTÃO. Produtor Luís Carlos Barreto, fotógrafo de Vidas Secas: Muita da força do filme se deve à sua concepção fotográfica. Em vez de usar filtros para atenuar a luz do sertão, abriu a objetiva e captou o ambiente em fotografia chapada.

Vidas Secas – abertura: planos com a câmera na mão de Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho e o menino mais novo caminhando no leito do rio seco, sombra de Fabiano caminhando na terra queimada pelo sol, branco forte do sol por trás dos galhos secos dos arbustos.

Sérgio Rezende, diretor de Guerra de Canudos: O sertão de Guerra de Canudos é monocromático. Ou seja: a cor da pele, das roupas, das casas da terra é a mesma. Euclides falava que de longe não se via Canudos, o arraial e seu povo se confundiam com a terra.

   

 

 

  LUZ NO ÁRIDO MOVIE

 

CORISCO E DADÁ, de Rosemberg Cariry:

Trabalhamos a beleza da caatinga em tempo seco, quando o capim vira ouro e a mata adquire a tonalidade da prata; são os tons sobre tons em torno do amarelo até o bordô.

O Baile Perfumado árido movie/mangue beat, com os cangaceiros aparecendo numa região cortada por rios, de vegetação rica, distante da clássica caatinga onipresente no gênero.

   Basta a chuva para eclodir a ‘mutação da apoteose’ anunciada por Euclides.

Arnaldo Jabor: A luz da foto (em Deus e o Diabo na Terra do Sol) é natural. A luz não está domada por filtros mexicanos. A luz estoura mesmo, como virou quase nuclear em Vidas Secas dois anos depois.  

Eis um dado talvez tão impactante quanto personagens e enredo dos dois bangue-bangues de Glauber: o seu sertão é sem filtro, sol cruel, que acentua a brancura seca da paisagem em que se estabelece um duelo de titãs.

Luz que também define uma cinematografia: Dupla natureza dos personagens e paisagens, cuja dimensão terrena da miséria é acrescida de uma outra, a dimensão heróica e messiânica.

 

 UNGLAUBER

  Luz do sertão

 

  Walter Lima Jr., assistente de direção de Deus e o Diabo na Terra do Sol, bota água na frevura:

    - Com Deus e o Diabo ele inventou uma teoria para explicar que a Kodak não fazia filme para o Terceiro Mundo e que a luz dos trópicos tinha que ser filmada daquela maneira. Enfim, ele criou uma teoria para justificar aquela precariedade.

       

Guimarães Rosa    e    Glauber Rocha

 Deus e o Diabo        Deus e o Diabo

 nos sertões              nos sertões

rosaeanos     glauberianos

Um pela alquimia    Outro pelo cordel

 

 

AUGUSTO MATRAGA

DEUS  E O DIABO 

   

Os fotogramas de Glauber correram seca e meca e há quem ainda o chame de profeta do cinema latino-americano.

 

“A mais nobre manifestação cultural da fome é a violência. Nossa originalidade é nossa fome. A fome na América Latina não é somente um sintoma alarmante. É o próprio nervo da sua sociedade.”

 

    No contexto da época é um choque. Glauber parece o próprio eletrochoque – choca em permanência. Em Roma, Paris, Gênova, Veneza ou onde ocorre atuar no exílio, porque se ligasse a tomada no Brasil ainda ia preso. Ou será que não ia?

 

Em maio de 1974, em Lisboa, um mês após o golpe militar que derrubou a mais longa ditadura da Europa qualquer reunião vira happening político relembrando a famosa foto de Lênin em São Petersburgo. Os cineastas participam com entusiasmo nos plenários de definição dos rumos do cinema português em democracia. Numa delas surge a inconfundível figura do primeiro militante internacionalista na festa da Revolução dos Cravos. Glauber Rocha toma a palavra e no estilo histriônico com que conquistou a nouvelle vague do cinema europeu bota discurso e o dedo em riste:

Gente, então vocês querem fazer o cinema português, um cinema novo, revolucionário, não é isso? Então... O novo cinema português está nas ruas, agora, enquanto vocês estão aqui discutindo se devem ou não pôr em prática as teorias de montagem do Dziga Vertov ou do Eisenstein ou a estética de Renoir! O cinema português, camaradas diretores, fotógrafos, operadores de som e montadores, está na rua, prontinho para ser filmado. Está sendo feito pelo povo. E o que o povo está fazendo agora, enquanto vocês discutem teoria, é a própria revolução que vocês DEVEM filmar! Qual é a função do cineasta? Filmar... Tem algum filme para fazer disso aqui? Não tem... Então, é simples: é só ir lá pra fora filmar. Vamos pra rua filmar, gente, e não ficar aqui só de blá-blá-blá!

Uma das primeiras capas da revista Cinéfilo pós-25 é dedicada a Glauber.

Nela o autor de Deus e o Diabo na Terra do Sol volta a dar brado ao defender o general Ernesto Geisel e sua proposta de uma abertura lenta, gradual e segura do regime político brasileiro.

Vai mais fundo e diz que na conjuntura política brasileira, em que a classe dirigente ou é burra ou de direita, os militares são os únicos agentes capazes de promover a revolução. Seu colega de ânimo e de ânima tropicalista Darcy Ribeiro, que sonha com a criação de um socialismo moreno em seu país, explica que, exilado no Peru, convidou Glauber para visitá-lo e o diretor baiano tomou-se de entusiasmos pelo regime recém-implantado pelo general golpista ‘de esquerda’ Juan Velasco Alvarado.

Glauber deve ter antevisto no 25 de Abril a confirmação das suas teorias alegóricas. Mas nomeadamente para a chefia do Cinéfilo, que como antes do 25 prossegue firme no propósito de não impor qualquer tipo de censura interna, Glauber Rocha pirou.

 

 Deus e o Diabo Cores Vivas Glauber Rocha                               

  

               O ADJETIVADOR SUPERADJETIVADO

provocador    épico     louco     subversivo     radical polêmico     inquietante     delirante      excessivo grandiloquente     genial     pretensioso     arrogante exuberante    condoreiro     discursivo     autocentrado        autista       histriônico      descontrolado        anárquico

P A R A DOGMA   D A   E X T R O V E R S Ã O

 

        Glauber Rocha em corpo político inteiro entre 1974 e 1980 - da posse do general Ernesto Geisel à do seu sucessor João Figueiredo.

 

     A RAZÃO PURA É PRIVILÉGIO DA OPRESSÃO

 

     A EUROPA É A HISTÓRIA FEITA, NÓS SOMOS A HISTÓRIA A FAZER, E NOSSO TEMPO É POUCO, NOSSO PASSADO É VERGONHOSO E TEMOS DE AGIR ENGAJADOS NA HISTÓRIA. O BRASIL DE HOJE NÃO TEM LUGAR PARA O ARTISTA ROMÂNTICO E SIM PARA O ARTISTA REVOLUCIONÁRIO, MAS NÃO UM REVOLUCIONÁRIO DA ARTE E SIM DA PRÓPRIA HISTÓRIA. ESTÉTICA, HOJE, É UMA QUESTÃO POLÍTICA.

 

     EU ACHO QUE O GEISEL - QUEIRAM OU NÃO QUEIRAM OS ANALISTAS, OS PESSIMISTAS, AS CASSANDRAS, COMO ELE MESMO DIZ - PROVOCOU UMA RUPTURA IMPORTANTE NESSE PAÍS. PERMITIU QUE O DEBATE SE RESTAURASSE, COLOCOU NAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS AS QUESTÕES SOCIAIS E ECONÔMICAS, DIANTE DO IMPERIALISMO, DO POVO BRASILEIRO. NOS DISCURSOS DE GEISEL ESTÃO CONTIDAS TODAS AS QUESTÕES. EU LI, RELI, ESTOU TOMANDO NOTA. É UM PENSAMENTO IMPORTANTE. A INTELECTUALIDADE BRASILEIRA NÃO ESTÁ LEVANDO ISSO A SÉRIO, AS PESSOAS ESTÃO ACHANDO QUE É DEMAGOGIA, O MDB ESTÁ DIANTE DISSO E NA VERDADE O BRASIL ESTÁ VIVENDO MOMENTOS NOVOS. NÃO SÃO MOMENTOS DE ENTUSIASMO, DE GLORIFICAÇÃO, NÃO, AO CONTRÁRIO, MOMENTOS DE REALISMO CRÍTICO. NÓS ESTAMOS DESCOBRINDO NOSSA MISÉRIA, NOSSA LIMITAÇÃO. SE A GENTE É LIMITADO ECONOMICAMENTE A GENTE É TAMBÉM LIMITADO CULTURALMENTE... É A TOMADA DE CONSCIÊNCIA - ISSO É MARX QUE DIZ - QUE FAZ VOCÊ SE LIBERTAR DESSE CONCEITO DE CLASSE. É NISSO AÍ QUE OS CIENTISTAS BRASILEIROS TODOS ENTRAM PELO CANO. O MECANICISMO MARXISTA, ECONOMICISTA, NÃO FILOSÓFICO, DOMINA O BRASIL HOJE, E A MISÉRIA INTELECTUAL VEM DISSO. 

 

    AQUI SÓ EXISTE UMA COISA SÉRIA EM MATÉRIA DE POLÍTICA QUE É O EXÉRCITO. ELE É O VERDADEIRO PARTIDO POLÍTICO QUE MERECE RESPEITO, ORGANIZADO, DEFENDENDO OS INTERESSES NACIONAIS. O RESTO É CONVERSA FIADA. O CASTELO BRANCO EM 64 ACABOU COM OS PARTIDOS E CRIOU A ARENA E O MDB. MAS NEM DEVIA TER CRIADO. DEVIA TER FICADO O PARTIDO ÚNICO DO EXÉRCITO, PELA REVOLUÇÃO BRASILEIRA. PELO MENOS ATÉ QUE O BRASIL SAÍSSE DESSE SUBDESENVOLVIMENTO TOTAL, DA MISÉRIA E DA FOME.

 

    VEJAMOS A SITUAÇÃO: QUANDO TODO MUNDO DEVIA DAR APOIO AO FIGUEIREDO, AO GEISEL, ESTÃO TODOS FAZENDO JUSTAMENTE O PROGRAMA CONTRA ELES, QUE TÊM OS MEIOS NA MÃO DE FAZER UMA REVOLUÇÃO NO BRASIL. O PRÓPRIO FIGUEIREDO JÁ DISSE QUE NUNCA HOUVE DEMOCRACIA NO BRASIL. O QUE QUEREM REABILITAR É O ESTADO DE DIREITA, PORQUE DIREITO NUNCA HOUVE. NUNCA HOUVE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL.

 

    ESSAS PESSOAS QUE SE DIZEM REPRESENTANTES DA DEMOCRACIA, ESSAS ELITES, SÃO TODOS TELEGUIADOS. O QUE SEI É QUE FALAM EM TORTURA, MAS ESSA JÁ EXISTIA HÁ SÉCULOS, SOBRE CAMPONESES E OPERÁRIOS. MAS QUANDO OS TORTURADOS PASSARAM A SER OS BURGUESES, OS ESQUERDISTAS DA CLASSE MÉDIA, AÍ BOTARAM A BOCA NO MUNDO. MAS O POVO ESTÁ SENDO TORTURADO NAS SENZALAS. E OS ÍNDIOS ESTÃO SENDO MASSACRADOS HÁ SÉCULOS, ISSO AÍ NINGUÉM FALA. HOUVE UMA REVOLUÇÃO, OS MILITARES QUE COMEÇARAM PELA DIREITA ESTÃO HOJE NUMA POSIÇÃO DE DEFESA DOS INTERESSES NACIONAIS E POPULARES. ENTÃO NÃO SEI POR QUE AS FORÇAS PROGRESSISTAS ESTÃO CONTRA OS MILITARES. FECHEI COM O FIGUEIREDO E NÃO ABRO.

    Ivana Bentes, organizadora da coletânea Cartas ao Mundo:

    - Lendo as cartas da época fica claro o pensamento político de Glauber, nada contraditório. Ele fala em despertar, através do Golbery, o inconsciente rebelde que ele captava no exército. Ele nunca deixou de ser um radical de esquerda. O negócio dele era fazer a revolução, vinda de onde viesse, de qualquer setor da sociedade.

    Menos das "elites"...

 

 

     

      Lúcia Rocha contextualiza devidamente Glauber Rocha/Antônio das Morte, o antiherói do faroeste baiano brasileiro, em Vitória da Conquista, a Sul da Chapada Diamantina.

  (À Euclides da Cunha) Situemo-lo então na geografia da Bahia que influi como lâmina joãocabraldemelonetiana euclidiana e gracilianamente com corte profundo nas artes e letras brasileiras dos anos 1960 e 70:

João Gilberto de Juazeiro, na fronteira com a petrolina pernambucana;

Tomzé de Irará, na fronteira com o sertão de Canudos;

Gilberto Gil soteropolitano crescido e educado em Ituaçu ouvindo Luiz Gonzaga no serviço público de alto-falantes;

Caetano Veloso de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo da cana-de-açúcar;

Waly Salomão de Jequié, Glauber de Vitória da Conquista.

    A Bahia das artes e letras brasileiras até então era apenas a litorânea do cacau de Jorge Amado, a Sudeste-litoral. E Castro Alves e Gregório de Matos Guerra. E Antônio Vieira. 

    (À Euclides da Cunha) Contextualizemo-lo agora em Salvador, para onde a família se muda em função dos negócios do pai. Glauber faz o secundário num colégio presbiteriano, da religião materna. Sou filho da senhora, da Bíblia e de Conquista - lhe escreverá anos depois de Roma, sede da Igreja católica e razão do cisma de Lutero - em última análise também razão do cisma glauberiano e um dos principais cenários glauberrochianos - CLARO: onde pinta o diabo em cores nas sete colinas.

     Uma carta a um tio aos 13 anos surpreende uma adolescência intelectualizada e com ímpeto primal para a autonomia:

Filosofia, sim, estou lendo. Schopenhauer ("Dores do Mundo"), Nietzsche ("Assim Falava Zaratustra")... Porém, como dizer-te que nunca seguirei o ponto de vista deste ou daquele. NÃO SEREI "SUPERIOR" COMO NIETZSCHE, PESSIMISTA COMO SCHOPENHAUER OU CÍNICO COMO VOLTAIRE.

    De Até Calango Pede Sombra:

Nós, Por exemplo. A geração dos 1950-60 reunida em Salvador. Soteropolitanos, baianos, suíços, alemães e franceses: Tomzé, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Antônio Risério , Waly Salomão o marinheiro da lua, Álvaro Guimarães, Rogério Duarte... num terreno cultivado por Walter Smetak , Hans Joachim Koellreutter, Dorival Caymmi , Jorge Amado, Carybé da Rocha, João Gilberto, Mário Cravo e Pierre Verger.

Muita munição de uma vez só.

    O contexto é então de um grau de frevura artística e intelectual que não mais se viu antes e desde 1980, por aí. Papel determinante tem o arrastão promovido pela Universidade Federal da Bahia contratando mestres de todos os quadrantes que, como Agostinho da Silva, fundador do seu Centro de Estudos Afro-Asiáticos, ou Koellreutter e Ersnt Widmer dão asas à criatividade da moçada, que em breve tempo dará o que falar no Brasil e no mundo. No bar ou no palco, na cátedra ou na praia, filmando O Pátio e Barravento.

    Linha D'Água, Myriam Fraga, A Tarde, Salvador, domingo, 17 de setembro de 1995:

    POR TRAZ DE TUDO ISSO A INQUIETAÇÃO E EFERVESCÊNCIA DA JUVENTUDE INTELECTUAL DOS ANOS DOURADOS: A CRIAÇÃO DOS SEMINÁRIO DE MÚSICA, DAS ESCOLAS DE TEATRO E DANÇA PELA UNIVERSIDADE DA BAHIA, O PAPEL DE MARTIM GONÇALVES, AS BRIGAS PARTIDÁRIAS, OS REFLEXOS DAS LUTAS ENTRE ESQUERDA E DIREITA. AS CONTRADIÇÕES DE UMA SOCIEDADE DIVIDIDA ENTRE O PROVINCIANISMO CONSERVADORISTA E A VISÃO DE NOVOS HORIZONTES.

     O contexto de gestação da basilar vertente baiana do cinema novo (Glauber) e/ou do tropicalismo (Glauber, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tomzé...) é o tema do livro AVANT-GARDE NA BAHIA, de um dos seus co-protagonistas, Antônio Risério, que trata desse período de década e meia entre 1946 e 1962 em que, tendo por reitor Edgard Santos, a UFBA se converte, do sótão ao porão e aquém e além deles, no fulcro de um laboratório de pesquisa e inovação que é afinal Salvador (a Bahia) que conta. E aqui estão, appunto, Koellreutter e Widmer, a arquiteta Lina Bo Bardi, o diretor teatral Martim Gonçalves, Agostinho da Silva, Pierre Verger e Mário Cravo como chaves de ignição dos projéteis que incendeiam palcos&telões Brasil e mundo afora dali em diante. E durante. 

De Música do Brasil de Cabo a Rabo danças folguedos ritmos e estilos

smetakianas ... – instrumentos-esculturas plásticas sonoras do compositor Walter Smetak, cultor de um tipo de música tido como extravagante e de que ficou apenas um testemunho gravado em LP produzido em 1975 por Caetano Veloso, que o cita em Épico, talvez a mais por assim dizer extra vagante criação caetanovística.  Amem, árvore, choris, disco voador, ovo, pindorama, piston cretino, vina figuravam entre as cerca de 150 peças feitas de cabaças, cordas de fibra vegetal, arames, madeira e objetos artesanais pelo velho “louco do porão”, como o chamavam professores e alunos da Escola Superior de Música da UFBA, em Salvador, em que usava um compartimento do subsolo como ateliê.

... e uaktianas – “louco do porão” como chamavam Smetak segundo Marco Antônio Guimarães, membro fundador e mentor do grupo mineiro Uakti, que apesar – ou quiçá em função – do epíteto com que se pretendia definir a sanha desbravadora de arquiteturas audiovisuais do compositor suíço radicado na Bahia dele acabaria por herdar o mesmo espírito inventivo. Foi além e, como um compósito de Smetak e Hermeto Pascoal – também citado no Épico caetanovista –, fez o seu grupo tocar apenas instrumentos da sua lavra, construídos com tubos e caixas de PVC e borracha. Não deixou de reverenciar o mestre batizando de Chori Smetano uma das suas esculturas instrumentais, entre as quais alinham também o trilobita, o jaburu, a tabla elétrica, a flauta uakti, o planetário, o gig e o aqualung.  

 

     Em GENTE DA BAHIA, primeiro volume da trilogia ENTRE AMIGOS: CARYBÉ E VERGER (2008), José de Jesus Barreto flagra essa chamada R E N A S C E N Ç A  B A I A N A, para que segundo ele também contribuíram a descoberta de petróleo em Lobato e a chegada da Petrobrás e a abertura da BR-116, ligando a capital baiana ao Rio de Janeiro.

     "O governo Mangabeira também, no pós-guerra, convocou o educador Anísio Teixeira para promover uma revolução na educação pública com a criação dos Centros Integrados de Ensino. (...) Há um renascimento a partir de um novo foco, mirando o diferenciado dia-a-dia do povo. Caymmi já chamava a atenção para o cotidiano baiano em suas canções. Jorge Amado em letras e delírios exaltava para o mundo as dessemelhanças do ser baiano. Os Congressos Afro-Brasileiros, coordenados por Gilberto Freyre, dão visibilidade à riqueza cultural do candomblé. E é da buliçosa geração de 1958, da revista Mapa, que nasce o cinema novo, o moderno teatro baiano e brotam as sementes da Tropicália." 

 

Leone, Sergio, segundo Tulio Kesich:

    - Con i suoi primi tre western fece un lavoro di analisi strutturale rivestito di forme popolari. E con C'Era Una Volta il West affrontò invece il mito. E riuscì a costruirlo.

    Glauber tem o estalo e parte de onde Leone chega ao mesmo tempo que o mestre do spaghetti western que filmava arizonas em pradarias espanholas. Não filma o Nordeste em São Paulo nem precisa de entrevistar Volta Seca para se informar melhor sobre o universo do cangaço, como Lima Barreto. Antônio das Mortes dá ares de bandoleiro mítico em e com traços grosseiros. Mas é de carne e osso como qualquer das suas personagens, populares figurantes ou atores de carteirinha (embora à época a profissão ainda não fosse regulamentada!). São dali mesmo - tudo tabaréu. Mesmo - appunto... ou... et pour cause... - o professorzinho, o "intelectual" interpretado por Othon Bastos que cai de amores pela diva semimorta e se rende ao credo do beato cego. Todos os meus personagens são monstros nascidos entre a dor e a desesperança.

    Acentuando o dolírio e carregando nas tintas na luz e nos tons, contra todas as aparências Glauber faz picadinho de estereótipos (mesmo em O Cangaceiro de Lima Barreto ou em Lampião, o Rei do Cangaço, de Carlos Coimbra) e funda no cinema mitos do Nordeste western brasileiro esparsos nas artes pelos poucos que os abordaram antes (Euclides da Cunha e os prógonos da literatura regional e de via paralela ou por linhas tortas João Guimarães Rosa) calcado no que nele está inculcado pela origem e pela mente voraz e perscrutadora prospectivante não sendo embora explorador apenas do universo do sertão sertanejo mas de todos os sertões de espíritos e almas brasileiros em transe.

          no que lhe foi inculcado pela origem e pela mente voraz, torturada e torturante que talvez na falta de melhor nos últimos anos de ati-vida-de só vê uma hipótese de saída do transe pela via mista e algo mística castrense-marxista.

    Em Terra em Transe, que realizou entre Deus e o Diabo, Câncer e O Dragão da Maldade, o sertão é uma república de bananas com um crucifixo ao alto algures na América do Sul (Eldorado), entre a luxuriante vegetação do Parque Lage, ao lado do Jardim Botânico e no sovaco do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, em torno de proclamas e hipóteses desmesuradas e clichês de um grupo de oligarcas e acólitos pseudo-intelectuais engravatados pirados que deliram como em um barco à deriva, índios de lata de biscoito (i.e. Aymoré, para quem é do tempo) no Nonada Eldorado Elverde, sem indicar uma saída para o (seu) transe.

    DESARRUMAR O ARRUMADO - grita Corisco. Desarrumar o arrumado seria então a palavra de ordem. De Glauber; de agora. DESARRUMAR O DESARRUMADO. Aproximar política e estética. A receita para a síntese: cortar o olho ao meio, como Buñuel e Dali, El Perro Andaluz.

   WESTERN NORDEASTERN EM CORES GLAUBER

O sertão como faroeste brasileiro - com quase toda a mesma sobrecarga mítica e mística extrapolada do catolicismo ibérico mais a "cachexia nacional" (Oliveira Martins citado por Euclides da Cunha) - foi a grande sacada de Glauber Rocha. Já havia muitos cangaço western, mas nenhum com a visão euclidiana dos fenômenos que (não) abarcavam. E antecipando-se mas quase em simultâneo de Sergio Leone sacar que as bordas da Meseta espanhola eram o cenário finto Arizona faz-de-conta dos faroestes Série B que concebeu e fizeram escola e redundaram em C'Era Una Volta in America, o faroeste urbano, décadas depois, na mesma terra dos (seus e nossos) outros mitos.

Um sertão-faroeste em transe social até porque ali desde as sesmarias nada nunca foi terra de ninguém, logo no início do século XVII surgem os lugares-tenentes dos latifundiários absentistas que acabaram nome de rua do bairro do Leblon no Rio de Janeiro, os lugares-tenentes coroneis-vaqueiros e mandões políticos, que viveu em Vitória da Conquista enquanto lia em Euclides da Cunha, onde está todo o bangue-bangue local (A GÊNESE DOS JAGUNÇOS) até o estouro geral em Canudos, com milhares de mortos, entre os quais mais de mil do Exército brasileiro.

Glauber Rocha levou o Nordeste brasileiro ao mundo sem disfarce nem pieguice, com sua insânia inguinorãte e seu monoteísmo incompreendido (Euclides da Cunha).

CABEZas cortadas

um filme de glauber rocha

 

Meia centena de homens compunham a volante da Força Pública que matou Lampião, Maria Bonita e mais nove cabras do seu bando, entre eles Moeda, Sabonete, Novo Tempo e Diferente.

Candeeiro foi um dos sobreviventes.

    O lugarejo de Poço Redondo, na embocadura do São Francisco, que por algum tempo consagrou-se como capital do cangaço, foi cenário do último ataque do bando do capitão Virgulino, surpreendido pela patrulha numa gruta da região após uma denúncia anônima.

Lampião entrou para a história como bandido e herói mas ele era um justiceiro, contrapunha 65 anos depois seu Mané Felix, ainda orgulhoso de ter sido coiteiro de jagunços nas barrancas do Velho Chico. 

Cabeças cortadas. Aos 18 anos, Josias Valão alistou-se na volante que caçou Lampião com a intenção de se juntar ao seu grupo, mas torceu o pé e não pôde ir. Arrumou as cabeças dos cangaceiros mortos pelos macacos a 28 de julho de 1938 na gruta de Angico, a 60 km de Piranhas (200 km de Maceió), onde elas foram expostas e fotografadas na estação, hoje Museu do Sertão. Em 2003 seu Josias ganhava R$100,00 por mês como cicerone do museu.

 

 Se entreeega Corisco!...

   

    Corisco foi preso e morto dois anos depois.

 

Ariano Suassuna descolou uma imagem muito nítida desse ciclo: As rebeliões de Canudos, Contestado e Palmares foram momentos em que o Brasil real levantou a cabeça e o Brasil oficial cortou.  

 

O mais famoso bando de cangaço do mundo

 

2017

 

 

O PROCESSO DO CINEMA, Glauber Rocha, Suplemento Dominical do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro, agosto 1960:

    - Ser cineasta no Brasil é permanecer no vestíbulo da grande experiência. Não poderíamos nós produzir com nossas miseráveis câmeras e os poucos metros de filme de que dispomos aquela escrita misteriosa e fascinante do verdadeiro cinema?

ARRAIAL, CINEMA NOVO, CÂMERA NA MÃO, Glauber Rocha, Suplemento Dominical do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro, julho de 1961:

    - A cultura brasileira já está entrando na idade do cinema. Vamos fazer nossos filmes como pudermos, com uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, improvisando na rua.

...

    Alberto Cavalcanti, cinema novo, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos - verbetes brasileiros em dicionários e enciclopédias de cinema.

    O Cangaceiro de Lima Barreto, Prêmio de Melhor Filme de Aventuras do Festival de Cannes, abre as cortinas e prepara o terreno na Costa Azul em 1953. O Pagador de Promessas de Anselmo Duarte consolida o pasto: violência, frevura mística e miséria latino-americana ganham as telas da Europa e surge a santíssima trindade:

                    DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

                            VIDAS SECAS

                  A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

    De nada adianta citar este ou aquele ensaio estrangeiro para propalar a envergadura de Glauber no cinema. Ele inscreveu-se na história com a trilogia

                                 DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

                          TERRA EM TRANSE

             O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO

                                   ou ANTÔNIO DAS MORTES

    Terra em Transe foi Prêmio Especial da Crítica e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro ou Antônio das Mortes de Melhor Diretor dos festivais de Cannes de 1967 e 1969.

    Cannes era o festival de cinema mais prestigiado da época.

    Terra em Transe dividiu a crítica.

    Citando o mínimo, teve quem falasse em "equívoco" de montagem.

    Junte-se-lhe

   DI    

o curta-metragem, que é apelido. Seu verdadeiro título é

 NINGUÉM ASSISTIU AO ENTERRO DA TUA ÚLTIMA QUIMERA.

SOMENTE A INGRATIDÃO, TUA PANTERA, FOI TUA COMPANHEIRA INSEPARÁVEL

EPITÁFIO DO EPITÁFICO AUGUSTO DOS ANJOS, MELHOR DIZENDO  EPITÁFIO DE GLAUBER ESCOLHIDO POR ELE MESMO.

             

              Nego chegou a fugir dele.

        Paulo Francis no ataque:

    - Riria das defesas que fazem dele, principalmente de alguns "amigos" que não queriam vê-lo nem pintado nos últimos anos da sua vida e depois foram fazer show de dor no cemitério.

 

    Os quatro filmes são, cada um em um gênero (Deus e o Diabo uma epifania, O Dragão um bangue-bangue "de autor"), as obras-sínteses do estilo glauberiano. Terra em Transe.

    glauber:

    TERRA EM TRANSE é um filme sobre o que existe de mais grotesco, horroroso e pobre na América Latina. Não é um filme de personagens positivos, de heróis perfeitos, mas trata do conflito, da miséria, da podridão do subdesenvolvimento. Podridão mental, cultural, decadência que está presente tanto na direita quanto na esquerda.

    TRANSE é um momento de crise. É a consciência do barravento, que significa momento de transformação. Antes do barravento existe o transe. Depois de DEUS E O DIABO, isto é, depois das dúvidas metafísicas, chegam as dúvidas políticas. Somente depois das crises morais o homem está preparado para a lucidez. E transe é também a crise em violência.

    Marguerite Duras, Hiroshima Mon Amour, viu o filme em Cannes como enviada da Radio Luxembourg:

    Trata-se de um poema negro onde se demonstra o que é o poder sem dignidade

   pesando sobre uma multidão estonteada pela miséria, pela ignorância da poeira humana.

   Tristeresina. Cave canem cuidado com o cão, de Waly Salomão (ver revoluciomnibus.com - páginal inicial) sem-tirar-nem-pôr um quarto de século antes. Aliás como o próprio Glauber em carta para o exílio de Marcos Medeiros do Rio, setembro, 1976:

        Acho que você não suportaria viver aqui, e não se tem o que fazer e o dinheiro é pouco, e o desinteresse geral é grande. Miséria espantosa nas ruas...

    José Onofre, Gazeta Mercantil, São Paulo, 22,23,24 de agosto de trinta anos depois de TERRA EM TRANSE:

    SEU CINEMA ERA MUITO PESSOAL MAS FRIO. SEUS CENÁRIOS NATURAIS ERAM POBRES: TERRA SECA, PEDRAS CALCINADAS PELO SOL, ÁGUA ESCASSA, VEGETAÇÃO RALA. OS HORIZONTES E O CÉU SE PROLONGAVAM AO INFINITO, ERAM COMO O NADA ESPREITANDO SUAS VÍTIMAS POSSÍVEIS, CUJA ÚNICA ESPERANÇA ERA O CHÃO BATIDO PELAS SANDÁLIAS DE COURO, SOLO QUE PARECIA VIVER DE DEVORAR O SANGUE, A CARNE E OS OSSOS DOS ANDARILHOS QUE NÃO HAVIAM ESCOLHIDO UM DESTINO. SEUS ESPAÇOS URBANOS, COMO EM TERRA EM TRANSE, PARECEM NÃO OBEDECER A NENHUM PRINCÍPIO HUMANO DE HABITAÇÃO. OS PERSONAGENS ANDAM POR ALI SEM NENHUMA INTIMIDADE, COMO VIAJANTES PERDIDOS QUE ENCONTRAM UMA CASA ABANDONADA PARA PERNOITAR E LOGO IRÃO EMBORA.

    O impacto negativo da montagem (só para citar um exemplo) precedeu os anos de crucificação que culminaram com a reação #!@\*}¥¶§ de Glauber à forma (...) como A IDADE DA TERRA foi recebido em Veneza em 1980.

    PAULO FRANCIS, o homem que n'O Pasquim deu a dica o filme é uma bosta mas o diretor é um gênio, EM 1993:

    GILBERTO BRAGA DISSE QUE TERRA EM TRANSE É "UM FILME DELIRANTE, SEM ROTEIRO, SEM NEXO". EU DIRIA QUE É DOS FILMES MAIS CHATOS DO PLANETA. NINGUÉM PODE GOSTAR DAQUILO. ALGUMAS CENAS EVOCAVAM PROFETICAMENTE O NOSSO DESCARRILAMENTO POLÍTICO, NOSSO REGRESSO ACELERADO PARA A TABA DESDE OS ANOS 60, COM POMBAS GIRAS E XANGOZEIRAS. MAS O TODO ERA INSUPORTÁVEL.

    EM DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL GLAUBER CONSEGUIA UMA EPIFANIA DA VIOLÊNCIA E LIRISMO, UMA ESPÉCIE DE SÍNTESE, EM QUE AS DIVERSAS CORRENTES DE SUA SENSIBILIDADE SE FUNDIAM CRIANDO ENORME PRAZER NO ESPECTADOR. MAS GODARD NÃO GOSTA QUE O "BURGUÊS" TENHA PRAZER. CRIOU UM CINEMA DA HOSTILIDADE. GLAUBER FOI NAS SUAS ÁGUAS. INFELIZMENTE. DISCUTIMOS ISSO MUITO. LHE SUGERI QUE VOLTASSE À SIMPLICIDADE DE BARRAVENTO. FILME BONITO.

    Edgar Lessa em  ERA UMA VEZ A REVOLUÇÃO

Vamos ao Universal ver Os Fuzis, de Ruy Guerra, tido como um marco do cinema novo brasileiro. Para a crítica, caso raro de misto de grande porre e obra-prima. Esperando a sessão compramos na taberna em frente uma garrafa de amêndoa amarga para esquentar. Quando o filme começa já ela vai a meio. Um grupo de soldados corre num descampado armado de espingardas e a partir dali não me lembro de mais nada. Acordo com Eloísa cutucando o meu braço e esfregando o olho. Dormiu também. Tomamos mais uns goles de amêndoa amarga e saímos, chateados porque não sabemos quando se irá poder ver o filme de novo. Dois dias depois, parece bruxedo, voltamos ao Universal em maratona de retrospectiva dos cinemas novos para ver Numéro Deux, de Godard, que não nos deixa dormir. Mas no dia seguinte saímos a meio de Der Leone Have Sept Cabezas, de Glauber Rocha, um xarope pseudo-marxista sem pés nem cabeça com Jean-Pierre Léaud num dos seus papéis mais ridículos, em todos os sentidos, entre tantos papéis ridículos mas geniais que fez, sobretudo com Truffaut.

    IVAN CARDOSO: O PIOR DE GLAUBER TAMBÉM É GENIAL.        

DISSE TAMBÉM IVAN CARDOSO, em entrevista a O Estado de São Paulo de 23 de abril de 1997, q Nele o político é tão demencial tão doido, tipo espírito de Cristo reencarnado em Che Guevara, que está mais para trash mesmo.

 DI    

o curta-metragem, que é apelido. Seu verdadeiro título é

 NINGUÉM ASSISTIU AO ENTERRO DA TUA ÚLTIMA QUIMERA. SOMENTE A INGRATIDÃO, TUA PANTERA, FOI TUA COMPANHEIRA INSEPARÁVEL

 obteve o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 1977, mas não foi além disso porque sua exibição foi proibida pela justiça que acatou a queixa da filha de que o filme rodado em seu velório denigre a imagem do artista.

    Francis nega mas o transe glauberrochiano contaminou a cinematografia. Experts, a partir de depoimentos dos seus próprios epígonos frustrados (Glauber é um estilo e como tal inimitável), vincam a influência do neue brasilianische filme, i.e. Glauber Rocha, no neue deutsche filme a partir dos anos 1960.

Cineasta tentou 'imitar' Glauber

  Lúcia Nagib, de Tóquio, especial para a Folha de São Paulo.

  "Glauber era nosso deus", disse o cineasta Volker Schloendorff sobre o cineasta brasileiro Glauber Rocha. "Eu o conheci muito bem, ele vinha sempre a Munique.

   A admiração do cineasta por Glauber ia além da contemplação. "Sempre tentei imitá-lo. Nunca vou me esquecer do primeiro filme dele que vi, 'Deus e o Diabo na Terra do Sol'.

  Segundo Schloendorff, suas tentativas concretas de imitar Glauber foram mal sucedidas. "Tentei imitá-lo em 'Michael Kolhaus', mas isso não combinava nada com esse filme, que é muito ruim e graças a Deus foi esquecido.

                                                         

  

    O testemunho de Martin Scorsese (1995), por quem é, é grandiloquente:

    O CINEMA DE GLAUBER ROCHA É UM ATAQUE FEROZ AOS MALES DO MUNDO, UMA EXPLOSÃO CAUSADA PELA REAÇÃO QUÍMICA DE MISTURA DE SANGUE COM CELULÓIDE. NÃO HÁ NINGUÉM sequer remotamente parecido com ele no cinema de hoje. sinto falta da força de seu trabalho, DA PAIXÃO INTENSA,

    MEU PRIMEIRO CONTATO COM O CINEMA DE GLAUBER ROCHA FOI O EXTRAORDINÁRIO TERRA EM TRANSE, QUE AJUDEI A RESTAURAR 25 ANOS APÓS SEU LANÇAMENTO ORIGINAL. ESSE FILME LEVA O ESPECTADOR QUASE A UM ESTADO DE EXAUSTÃO, TÃO ARREBATADORA E INFLEXIVEL É SUA CONSTANTE SUCESSÃO DE IMAGENS E SONS. EU NUNCA TINHA VISTO NADA IGUAL.

    NÃO É COMO SE ROCHA ESTIVESSE APENAS PEGANDO UMA HISTÓRIA E AUMENTANDO; ELE ESTAVA CRIANDO UMA TAPEÇARIA FRENÉTICA DE MÁGOA, RAIVA E SOFRIMENTO HUMANO QUE ELE VIU AO SEU REDOR NO DESENVOLVIMENTO DE SUA GRANDE INTELIGÊNCIA.

    Retomando por josé onofre: fica difícil perceber se alguém percebe naquelas imagens, então novas e originais, a emergência de uma força inaugural. é provável que não.

    é também provável que sim...

    Enquadremos então Glauber prógono da Tropicália, segundo Caetano Veloso, cuja idéia-conceito Tropicália assentou no tríptico TROPICÁLIA de Hélio Oiticica, O REI DA VELA do Teatro Oficina, TERRA EM TRANSE.

    Prógono e epígono, por quem era, contemporâneos, companheiros de geração e de agitos em Salvador naqueles anos buliçosos e de lançamento do lastro para a explosão baiana na (contra-ops!-)cultura brasileira.

    CAETANO VELOSO E GILBERTO GIL, ENQUANTO GERALDO VANDRÉ QUERIA POLITIZAR O ROMANCEIRO, PROVOCARAM UM CORTE EPISTEMOLÓGICO NA MPB, MONTANDO E CRITICANDO PALAVRAS E SONS DOS ANOS 60, DO MUNDO PARA O BRASIL.

...

    Caetano Veloso era um rapaz do Recôncavo que queria ser cineasta e por obra e arte do acaso virou cantautor. Glauber, um rapaz do sertão que queria ser escritor e que por acaso virou cineasta?

    Ivana Bentes:

    - Em várias cartas ele se define como escritor. Isso mostra que o cinema foi muito importante para ele mas não sua única linguagem. O fundamental de sua vida era a agitação política. E a literatura também.

   Sua companheira na fase de arranque, Helena Ignez diz que quando estreou com O Pátio Glauber era já uma vedete literária baiana.

    Conta-se que Glauber ofereceu a direção de DEUS E O DIABO NA TERRA DA SECA a Paulo César Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade.

    Como ele mesmo diria, estava pouco se lixando para dirigir filmes.

    Numa carta de 1960 ele conta como assumiu a direção de BARRAVENTO, que montou no Rio de Janeiro com mestre Nelson Pereira dos Santos:

    POR ACASO E ACIDENTES VÁRIOS ESTOU FAZENDO UM FILME, NA DIREÇÃO. EU QUE ESTAVA APENAS PRODUTOR-EXECUTIVO, CO-ARGUMENTISTA E DIALOGUISTA, ACONTECEU UM BAFAFÁ SENTIMENTAL ENTRE DIRETOR E ATRIZ, OS PRODUTORES SUBIRAM A SERRA, DESPEDIRAM A GRETA GARBO.

                                                

   José Sarney, então ex-deputado federal pela Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido que aglutinou os parlamentares que apoiavam o novo regime militar, encomendou a Glauber Rocha um documentário da sua posse no governo do Maranhão. Em troca o Banco do Maranhão financiou Terra em Transe. Enquanto o jovem oligarca promete mundos e fundos à tristeresina a câmera mostra as condições degradantes em que ela vivia nos cortiços do decadente centro histórico da antiga São Luís dos Franceses. Maranhão 66. O baiano abusado se gabava de nunca ter se rendido a interesses de financiadores de filmes.

 

Era gongórico porque glauber rocha em talha barroca. Tudo cabe em Glauber porque a ele tudo ocorre e o que rola faz. Liga a câmera, baixa o santo. O diretor é genial e o filme é uma merda. Der Leone Have Sept Cabezas. No próprio título multilíngue referências ao modo de produção na estética da fome: financiamentos e apoios logísticos que levanta no grito em cinco países para fazer o filme em que Jean-Pierre Léaud é obrigado a pôr a pisar fundo na tábua do dramatismo  naufraga no patético porque o diretor se levava muito mais a sério que Truffaut, o agridoce.

O discurso de Gênova, SINTOMATICAMENTE ESCRITO EM VÔO DE LOS ANGELES/HOLLYWOOD PARA MILÃO, não era para épater o bourgeois, ainda que à época fosse de rigor exagerar. Allen Ginsberg chegou ao ponto de falar em fazer o Pentágono levitar. Glauber era o profeta do cinema latino-americano. Punto i pasta.

   Der Leone... ou Cabezas Cortadas: os meios de produção de um cineasta ambulante talvez só por força das circunstâncias que carrega uma câmera na cabeça com imagens dilacerantes: Brasil, de Zumbi a Conselheiro e Lampião, uma história de cabeças cortadas. Ariano Suassuna descolou uma imagem muito nítida desse ciclo: As rebeliões de Canudos, Contestado e Palmares foram momentos em que o Brasil real levantou a cabeça e o Brasil oficial cortou.

 

 

 

 

 

    Seus filmes e livros mais ou menos perfeitos ou imperfeitos foram o Brasil esfregado na cara dos miseráveis de espírito em seus (dos filmes e dos miseráveis de espírito) requintes mais cruéis.

 

 

 

trechos de

James Anhanguera

ex-Brasil a pique?
 - por que o gigante vira e mexe e não acorda

(2016)

hoje

O Brasil sempre chamou a atenção pelo gigantismo, o exotismo, a diversidade, o encanto e... o talento. Pela Amazônia. Por Carmen Miranda. Por Pelé. E depois por Brasília, construída em pouco mais de quatro anos, e pela bossa nova. Certo, também por Deus e o Diabo na Terra do Sol, o filme de Glauber Rocha. Ah, sim, pelo carnaval do Rio de Janeiro. E – sacramental – pelas suas belas mulheres. Ou por sua nudez tropical... Pela habilidade de Fittipaldi, Piquet e Airton Senna. Até 1958, quando conquistou a primeira Copa do Mundo de futebol, o brasileiro sofria de complexo de vira-lata. Desde então aprendeu a sonhar com grandes conquistas, a ufanar-se do país – entidade abstrata, sendo Brasil um nome sem país -, a cultivar uma irrefreável megalomania. Por nada, ou muito pouco. Quase sempre frutos de talentos individuais.

Ao contrário da bossa nova, o cinema novo não conquistou o mundo pelo charme e simpatia, além de toda a competência da música. Conquistou-o pela competência e a força do realismo de suas imagens ao sintonizar a má consciência europeia com a face amarga da maior parte do mundo, do que a Europa chamava Tiers Monde. Como disse Glauber Rocha:
       - O Cinema Novo narrou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens comendo raízes, personagens roubando para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em casas sujas, feias, escuras: foi essa galeria de famintos que identificou o Cinema Novo.

       - A Bahia continua tendo o velho governo-geral de Tomé de Sousa – resumiu Glauber Rocha nos anos 1970. O que continua válido.

       - Nossa esquerda se deixou corromper pelo peleguismo e pelo desvio de verbas públicas.
       Quem escreveu isso há quarenta anos só podia ser um louco visionário como Glauber Rocha. Ele sabia do que falava: no ofício, viu nascer a Embrafilme, a estatal da área cinematográfica, e podia falar de desvio de verbas pela “esquerda”. Na época a esquerda brasileira não tinha nenhuma experiência de poder. Muitos dos cineastas da geração do cinema novo eram notórios ex-cepecistas (CPC, Centro Popular de Cultura).

A primeira imagem do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, é a ossada da cara de um boi na caatinga do sertão da Bahia.
       Entre as boas imagens de marca do Brasil além das paisagens esplendorosas estão as de um ou outro produto da sua cultura. Entre elas Deus e o Diabo na Terra do Sol. O filme de 1964 não ganhou a Palma de Ouro de Cannes ou o Leão de Ouro de Veneza mas suas projeção foi tal que se tornou imagem de marca do cinema novo brasileiro e de um certo e qual modo um peso-pesado entre os melhores exemplos do cinema-verité dos anos 1960.
       Meio século depois Deus e o Diabo na Terra do Sol mantém intacta a força das imagens e situações que narra. E o que lhe dá mais força é sua atualidade. Alegóricas e metafóricas ou literais – no sentido de documentais -, paisagens, personagens, roupas, utensílios e situações não pedem retoques – nem a ossada do boi no plano inicial – porque tudo está lá ainda nu e cru como quando Glauber Rocha os captou. Delírios ou o choque da escassez de recursos e o abandono dos pobres – entregues só a Deus e o Diabo – com a arrogância dos mais poderosos e a violência que geram são grosso modo a mesmíssima coisa meio século depois. Mudaram os apetrechos, e nem todos. Nada comparável a um índio isolado que hoje visse um anzol pela primeira vez.
       Só uma ínfima porção de brasileiros sabe quem foi Glauber Rocha – muito menos que os cinéfilos ao redor do mundo que conhecem e admiram uma ou outra sua obra – e só sabe o que é e como se vive na terra do sol de Deus e o Diabo quem vive ou já viveu lá.
       Porque o Brasil não conhece o Brasil, como conta uma canção do passado, e para conhecê-lo um pouco melhor é preciso procurar nas entrelinhas, como disse um historiador. Cada Brasil dentro do Brasil desconhece o vizinho e no fundo nem quer saber.

       Deus e o Diabo na Terra do Sol foi filmado em Monte Santo, no sertão da Bahia, onde se aquartelaram as tropas que em 1897 arrasaram Canudos, um vilarejo de ruelas de chão de barro e casas de pau-a-pique (net-like walls) tomado pelas autoridades como um ameaçador foco de rebelião contra a República implantada oito anos antes. A mis-em-scène desorganizada, como Glauber a definiu, sugere uma filmagem de trechos de Os Sertões, romance-reportagem da guerra de Canudos e também um amplo painel de Euclides da Cunha da história do interior do Nordeste brasileiro, a vasta região em que o Brasil nasceu e mais se desenvolveu em termos de funcionamento – pouco, em função da natureza – nos primeiros dois séculos de existência como colônia portuguesa.

Glauber Rocha, talvez um por assim dizer arauto de uma possível Renascença brasileira a caminho da nova Roma de Darcy Ribeiro, a quem chamou de “gênio da raça”, e que circa 1976 assim o punha ao lado do general Golbery do Couto e Silva, suposto estrategista estratego da ditadura pós-linha dura de Garrastazu Médici.
       Utópico até morrer. Louco? Quem sabe. Delirante. Mas em quem se encontra preponderante a lucidez e consistência de pensamento.
       Sua recusa à linearidade racional levou-o a deixar rascunhos, longos trechos de chatice, mas também sacadas brilhantes. Até morrer de susto. Quis ser (e)vidente e viveu em pleno a espontaneidade do pós-Segunda Guerra, frenético, buliçoso, telúrico. Era moderno. É marcante.
       Um choque atômico, alguns filmes totalmente desconexos. A recusa à linearidade racional custa muito caro.
       Tinha todas as características de um intelectual: não descansava enquanto não metesse o bedelho em tudo e queria que todo mundo o soubesse. Tinha a língua solta, era um tagarela, um fala barato alucinado.
       Foi muito inconveniente. Foi mesmo?
       E é muito convincente em muitíssimas coisas. Foi e é talvez mais pertinente ainda hoje.
       Atacou frontalmente o marxismo e o comunismo como um novo messianismo – uma nova religião – e defendia que só os militares podiam por ordem na casa. Sem comentários.
       Sem uma sociedade civil minimamente articulada em contraposição ao Poder-Deus oligárquico, de que front fronte for o bonde não anda. Reclama-se da falta de gente que pense o país alucinadamente como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Glauber Rocha, questionadores e talvez quiçá explicadores do Brasil.
       Pensar para a frente é visionarismo quando se acerta ao menos uma boa ideia de vez em quando. Falta arrojo e originalidade ao admirável mundo novo?
       Glauber deixou um díptico mítico e místico sobre o sertão nordestino brasileiro de grito: Deus e o Diabo na Terra do Sol e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (Antônio das Mortes).
       Chocante.
       Pegou muito bem esse aspecto marcante da história do Brasil, sem metáfora porque nem tudo é como parece.
      Barravento, projeto em que se embrenhou quando já estava em fase de rodagem, foi seu primeiro longa-metragem.
       Glauber Rocha era sertanejo de um território afastado do chamado polígono da seca e da cultura peguenta do litoral, de fácil apelo ao folclorismo exótico ou vice-versa.
       Ele quis arrancar-lhe a máscara, desenhada por muito diluidores como Jorge Amado, que ganhou o mundo justamente por isso.
       Ele não. Conta sua verdade.

Glauber lê em Gênova em 1965o manifesto Estética da Fome:
       - Combato o exotismo, a indústria do pitoresco, o carnavalesco folclórico.
       Se o folclorismo hosanava o candomblé, ele quis desmistificá-lo, desfolclorizá-lo.
       Glauber = crente. UnGlauber.
       De formação protestante (metodista). Em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia.
       - Contesto a objetividade porque ela é um produto da racionalidade, que nego estruturalmente.
       Desponta aos 22 anos com a coragem lata de denunciar a famosíssima Bahia Baía da magia, do feitiço e da fé. Tem a coragem de denunciar o candomblé como uma forma de alienação religiosa. Derruba mais um dos tabus brasileiros, até porque na cota de Carmen Miranda Hollywood dele fez o símbolo do brazilian voodoo.
       Com Barravento, disse ele, quis
       - mostrar o mundo que, sob a forma do exotismo e da beleza decorativa das formas místicas afro-brasileiras, habita uma raça doente, faminta, analfabeta, nostálgica e escrava.
       Condenou “a mediocridade do protestantismo, a hipocrisia do catolicismo e a inconsciência servil do candomblé”. Terra arrasada. Delenda Troglodítia – é parte central de sua denúncia metafórica e literal à la Euclides da Cunha do misticismo sertanejo.
       - O Brasil é a falta de estrutura – apontou. Uma constatação dos anos 1970 e 2010. Com o cacique e futuro coronel eletrônico Antônio Carlos Magalhães em início de projeção de domínio na Bahia e depois para o Brasil disse que o seu estado “continua tendo o velho governo-geral de Tomé de Sousa”.
       Tinha – como disse o diplomata Arnaldo Carrilho - uma conceituação radical do Brasil, “esse Irã latino-americano” que margeia levianamente os Cem Anos de Solidão e se julga exclusiva maravilha mundial.
       De costas para os Cem Anos de Solidão é o país que não conhece a si mesmo e, apesar da interiorização, com os polos de desenvolvimento concentrados na costa, desconhece a América hispânica como se a cordilheira dos Andes se estendesse do Uruguai à Guiana Francesa formando um paredão intransponível, como se o resto da América do Sul estivesse do outro lado do Atlântico, na África. A América “de cá” não conhece a América “de lá” e vice-versa. Assim também em relação ao resto do mundo, apesar de agregar gente de um quarto dele, de que não acompanha o dia-a-dia e desconhece a existência.
       Brazil is hopeless – Elizabeth Bishop por alturas do golpe de 1964.

       Fora do eixo Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e talvez Porto Alegre, não há filmes brasileiros com o mesmo cenário. Em Milagres e região, no interior da Bahia, foram rodados três filmes do cinema novo: Mandacaru Vermelho, de Nelson Pereira dos Santos (1962), Os Fuzis, de Ruy Guerra, e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, ou Antônio das Mortes, de Glauber Rocha (1968).
       Glauber chegou a deplorar a boa receptividade da crítica a Antônio das Mortes (Prêmio de Melhor Direção do festival de Cannes de 1969), com que quis fazer um filme comercial e inventou o western brasileiro. Achava lastimável a preferência por ele e a reprovação de Terra em Transe, de um ano antes, restaurado por iniciativa de Martin Scorcese, que entretanto levou o Prêmio Especial da Crítica em Cannes 67. Glauber na moda na Côte D´Azur.
       As estradas do cinema novo brasileiro, corrente de expressão muito forte e paradoxal como o Brasil:
Trabocas do Brejo Velho, Tremendaí – nomes das cidades ou lugarejos do sertão baiano que estão entre as com pior índice de desenvolvimento humano do Brasil. Um Pindaibal.
       Eldorado semidesértico.
       Eldorado?
       O cenário de Terra em Transe é a encosta do Corcovado, no Rio de Janeiro, a montanha, o céu e o mar, montanha em declive a pique – floresta e granito até o Cristo Redentor, Jardim Botânico, no Parque Laje, um casarão no meio da floresta sobre a Rua do Jardim Botânico onde Joaquim Pedro de Andrade irá filmar em seguida a feijoada humana de Macunaíma.
       A estrada do cinema novo é cinquenta anos depois o mesmo pindaibal com raras casas de pau-a-pique (net-like walls) não captado nos três filmes, mesmo porque Nelson Pereira dos Santos preparou-se para filmar Vidas Secas, a partir do romance homônimo de Graciliano Ramos, mas choveu no agreste, dando-se na natureza do lugar uma daquelas “mutações fantásticas”, ou “mutação de apoteose”, como as descreve Euclides da Cunha, e como a produção não podia ir pro brejo ali mesmo decidiu rodar Mandacaru Vermelho
       A mítica Rio-Bahia tem mil e quatrocentos quilômetros, seiscentos deles na Bahia, e termina em Feira de Santana, cem quilômetros a noroeste de Salvador. Vitória da Conquista, a sudoeste do estado, onde Glauber Rocha nasceu, é a primeira cidade cortada pela chamada BR-116 quando ela deixa o medonho Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, uma prévia do semiárido nordestino no norte de Minas Gerais. Foi a primeira senda de interação entre o norte e o sul do Brasil além da costa.

       João Carlos Teixeira Gomes, o Joca, em Glauber Rocha Esse Vulcão:
       - A cena final de O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (...) é uma tomada da região de Milagres, que mostra a estrada de asfalto cortando um vilarejo pobre, cenário preferido do misticismo dos desesperançados, ou seja, uma bela metáfora do progresso atravessando o reduto da miséria mas deixando-o intocado, porque preso a estruturas sociais que o simples avanço material não poderia erradicar.
       Aqui em verdade não houve entretanto nem avanço material. Não falta sequer caminhão daquele tempo. Nem Antônio das Mortes e os comparsas, metáforas elas também. Mantém-se tudo lá intacto. Sem progresso ou algo que lhe assemelhe cinquenta anos depois.
       A paisagem do cenário final de Antônio das Mortes, em pleno século XXI, é a do re(tro)cesso a atravessar o reduto da miséria que não se vê num plano geral.
       Nada mudou. E o filme é moderníssimo.

       Glauber não brincou em serviço nos prematuros anos de formação – viu muito cinema – e a cena final lembra a de Johnny Guitar de Nicholas Ray, cujo prelúdio torna-o mais explícito vis-à-vis o final: ao passar a cascata o anti-herói adentra o cenário onde se desenrolará uma metáfora em ambiência de filme de caubói de um grito manso, sussurrado pela contraparte Joan Crawford, contra a paranoia macarthista. No final ele sai com a anti-heroína pela mesma cascata por onde entrara num universo sinistro em que ambos tinham de fazer contas com o passado, saída para a vida.

Os sermões Os sertões entre a cruz e a espada aqui é literalmente entre Deus e o Diabo – as partes divididas do Todo, do bem e do mal – do IMAGInário criado pelos portugueses: os antagônicos. O cristianismo em terra inculta e sem dualismos da Idade da Pedra sem pecado e sem juízo.
Glauber

 Guimarães

Rocha
    Rosa

Glauber é o diabo em Pessoa.

Guimarães – nas veredas descortinadas o tema central é a existência do Demo e a venda da alma ao Diabo. Da existência de Deus nem dúvida ou se duvida.

       Do tríptico da região de Milagres, sobre a BR-116, Os Fuzis, do moçambicano Ruy Guerra, fala dos efeitos da fome e da cegueira no povo resignado cujo único escape é rezar. Como em Ariano Suassuna (A Pedra do Reino), José Lins do Rego (Pedra Bonita, sobre o mesmo caso daquele), Euclides da Cunha e Glauber Rocha, os flagelados seguem uma espécie de Conselheiro ou Padre Cícero,  o padroeiro do sertão.

O coronel Paulo Honóro, protagonista e narrador do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, aprendeu a ler pela Bíblia na prisão no interior de Alagoas. Embora com “a mão às vezes pesadas, às vezes canhestra” (Caetano Veloso), Glauber Rocha fez no seu díptico sobre o sertão retrato fiel do alucinante transe místico dos crentes nordestinos, incapazes de entender a razão dos seus padecimentos e sem discernimento para tentar mudá-los e que só veem saída pela redenção. Entre Deus e o Diabo, literalmente. Quem quer que lhes estenda a mão é “um homem bom”, não importa o que lhe exija em troca, e quem tem a palavra (ou a suposta Palavra) na ponta da língua e lhes pareça apontar o caminho para a redenção após a morte é “um abençoado”, um profeta. O que dizer daqueles que lhe prestam um auxílio ou lhes prometem a redenção – ou um mínimo de conforto – em vida?

       Ou como apôs Glauber Rocha em ensaio de primeira juventude sobre a obra de José Lins do Rego:
       - O Nordeste aparece dominado por quatro elementos vigorosos: o coronel, o tenente da volante (a polícia montada do agreste, que perseguia cangaceiros), o santo e o cangaceiro. São quatro poderes de opressão e desses os únicos que amam o povo, embora o torturem, é o cangaceiro, vingador natural, e é o santo, redentor dos pecados e misérias.

       Os vaqueiros são os ENCOURADOS DO SOL de que Glauber Rocha fez cowboys em seu nordeastern.

       Glauber Rocha pegou em tudo isso também em tom de troça, que de resto era talvez o seu preferido e com o mesmo escárnio com que Antônio Callado os pinta em Reflexos do Baile:
       - (S)ó a indumentária coriácia do cangaço garantiu a jagunços e jagunças um lugar na história: (...) O material humano era rústico e insignificante, mas a encadernação curiosíssima.

       O Corisco alucinado de Glauber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol repisa o mito, transcendendo-o, ao dizer lutar para que o sertão seja uma terra, não de Deus e do Diabo, mas do homem.

       “Antônio das Morte”, a personagem-símbolo do díptico sertanejo de Glauber Rocha, “matador de cangaceiro”, justiceiro por conta da própria fé ou descrença, poderia configurar-se da mesma forma que um bandeirante de outra era, só que não com um arcabuz mas com a carabina Parabelum (parabelo) alemã, matador de sertanejo, sertanista, cangaceiro ou do índio aborígene, original. Caçador de ouro da era mercantilista lusa, desbravador dos sertões em busca de tesouros como tantos besouros do capitalismo selvagem. De ouro e esmeraldas.
       “Antônio das Morte” é o próprio bandeirante no sertão, uma derivação muito provável de sertã, a panela que frita melhor. Até a redemocratização, em 1985, o bandeirante da história oficial configurado na iconografia que deu lustro ao imaginário dos primórdios, camuflando a camuflar a selvageria dos desbravadores e deles realçando só a inteligência (ou esperteza) e bravura, era parte da galeria de heróis que indo muito além dos limites do Tratado de Tordesilhas fizeram do país um gigante no mapa mundi. Como O Duque de Caxias que atravessou o pais de norte a sul no comando de destacamentos militares que reprimiram revoltas contra o regime galgando postos na hierarquia militar até coroar a carreira num dos episódios de maior glória e terror da vida brasileira, a guerra do Paraguai.

       O episódio de Canudos, como os de muitas revoltas ou o da proliferação de quilombos dos negros fugidos à escravidão, não figurava nos compêndios nem como folclore, como de um certo e qual modo ainda se permitia alusões ao cangaço. Após a morte, supostamente à traição, no Quilombo de Palmares, Zumbi teve a cabeça cortada para que fosse exibida como troféu de uma guerra sem trégua contra a desobediência e a insubordinação. Cortada foi a cabeça de Antônio Conselheiro após o massacre de Canudos. E cortada foi também a de Lampião para simbolizar a vitória definitiva da força da lei e da ordem sobre o cangaço. Cabezas Cortadas estão também na filmografia de Glauber Rocha.

O Maranhão de José Sarney em 2000 é o mesmo de Maranhão 66, documentário da posse do governador nomeado pela ditadura militar enquanto a câmera na mão de Glauber Rocha passeia pelos escombros do centro histórico de São Luís e o estado deplorável das habitações invadidas por populares. Glauber fez o documentário em troca de financiamento de Terra em Transe, o seu longa-metragem de 1967.

 

 

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