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BRASIL - CANUDOS NO TENDÃO DOS MILAGRES X O AMULETO DE OGUM 

              O GRANDE CIRCO MÍSTICO

                                  

A RELIGIOSIDADE N'OS SERTÕES ATÉ 1901

E A RELIGIOSIDADE N'OS SERTÕES DESDE ENTÃO A HOJE

grandes sertões: cidades, periferias    grandes sertões: favelas  

 

uma viagem pel'Os Sertões de Euclides da Cunha desperta a reflexão sobre a religiosidade sertaneja dos "sertões do norte" e a religiosidade brasileira. O Dragão da Maldade contra O Santo Guerreiro, ou vice-versa, no grande circo ou teratendão

 

Canudos santuário-cidadela  

Euclides da Cunha no relato dos últimos dias do arraial da utopia, segundo alguns analistas:

Depois de um dia de combates ferozes (...) fazia-se o silêncio no vale (...) coro de vozes humanas, com predominância de vozes femininas, num arrastado entoar de ladainhas

...

O inimigo, embaixo, no arraial invisível – rezava.  

[Para Euclides da Cunha] A religião dos jagunços aproximava-os mais dos cristãos montanhistas, gnósticos, da época das invasões bárbaras, do que do Catolicismo romano pós-reforma protestante, com os sertanejos assemelhando-se aos cátaros ou albigenses da época de Carlos Magno pois o catolicismo pregado por Antônio Conselheiro não vencera o pensamento religioso oficial vigente na Península Ibérica nos séculos XV e XVI dos Felipes.

                                        Intercâmbio com o sobrenatural  

O ponto de vista de Euclides da Cunha sobre a "religião mestiça" e a religiosidade dos matutos dos "sertões do norte" é um ponto de partida para uma reflexão sobre a religiosidade dos grandes sertões: cidades, periferias grandes sertões: favelas hoje.

[103] Transpõem o S. Francisco; mergulham nos gerais enormes do ocidente, vastos planaltos indefinidos em que se confundem as bacias daquele e do Tocantins em alagados de onde partem os rios (...) Com os escassos recursos das próprias observações.

dA SECA

e das dos 

[104] seus maiores, em que os ensinamentos práticos se misturam a extravagantes crendices, tem procurado estudar o mal, para o conhecer, suportar e suplantar.

[105]                  INSULAMENTO NO DESERTO     

RELIGIÃO

O seu primeiro amparo é a fé religiosa. Sobraçando os santos milagreiros, os próprios velhos combalidos e enfermos claudicantes, carregando aos ombros e à cabeça as pedras dos caminhos, mudando os santos de uns para outros lugares. Ecoam largos dias, monótonas, pelos ermos, por onde passam as lentas procissões propiciatórias, as ladainhas tristes. Rebrilham longas noites nas chapadas, pervagantes, as velas dos penitentes... 

Depois de séculos observando as condições do clima os sertanejos concluíram que se a chuva cair até 19 de março (Dia de São José) haverá água suficiente para suas plantações.

                                                                                  Gilberto Gil - Procissão

                                                     Meu divino São José

                                                     Aqui estou em vossos pés

                                                     Dai-nos chuva com abundância

                                                     Meu Jesus de Nazaré...

 

Olha lá vai passando a procissão

Se arrastando que nem cobra pelo chão

As pessoas que nela vão passando

Acreditam nas coisas lá do céu

As mulheres cantando tiram versos

Os homens escutando tiram o chapéu

Eles vivem penando aqui na Terra

Esperando o que Jesus prometeu

 

E Jesus prometeu vida melhor

Pra quem vive nesse mundo sem amor

Só depois de entregar o corpo ao chão

Só depois de morrer neste sertão

Eu também tô do lado de Jesus

Só que acho que ele se esqueceu

De dizer que na Terra a gente tem

De arranjar um jeitinho pra viver

 

Muita gente se arvora a ser Deus

E promete tanta coisa pro sertão

Que vai dar um vestido pra Maria

E promete um roçado pro João

Entra ano, sai ano, e nada vem

Meu sertão continua ao deus-dará

Mas se existe Jesus no firmamento

Cá na Terra isto tem que se acabar.

 

                              MONTE-SANTO

- do século XVII, quando as descobertas das minas (...) os aventureiros que ao norte investiam com o sertão, a finais do século XVIII:] descobriu-a um missionário - Apolônio de Todi (...) o maior apóstolo do norte (...) achando-a semelhante ao Calvário de Jerusalém", que planejou logo a ereção de uma capela - [e foi ele que a batizou de Monte-Santo

[113] a extensa via sacra de três quilômetros de comprimento, em que se erigem, a espaços, vinte e cinco capelas de alvenaria, encerrando paineis dos passos, (...) é um prodígio de engenharia rude e audaciosa 

     À medida que ascende, ofegante, estacionando nos passos, o observador depara perspectivas que seguem num crescendo de grandezas soberanas: primeiro, os planos das chapadas e tabuleiros, esbatidos em baixo em planícies vastas; depois, as serranias remotas, agrupadas, longe, em todos os quadrantes; e, atingido o alto, o olhar a cavaleiro das serras - o espaço indefinido, a emoção estranha da altura imensa, realçada pelo aspecto da pequena vila, em baixo,

[114]                        AS MISSÕES ATUAIS  

O PREGADOR

     Infelizmente, o apóstolo não teve continuadores. Salvo raríssimas exceções o missionário moderno é um agente prejudicialíssimo no agravar todos os desequilíbrios do estado emocional dos tabareus. (...) a sua ação (...) destrói, apaga e perverte o que incutiram de bom naqueles espíritos ingênuos os ensinamentos dos primeiros evangelizadores (...) não aconselha e consola, aterra e amaldiçoa; não ora, esbraveja. (...) uma emboscada armada à credulidade incondicional dos que o escutam. (...) não alevanta a imagem arrebatadora dos céus; descreve o inferno truculento e flanívulo, numa algaravia de frases rebarbativas a que completam gestos de maluco e esgares de truão.

     É ridículo e medonho. Tem o privilégio estranho das bufonerias melodramáticas. As parvoíces saem-lhe da boca trágicas.

     Não traça ante os matutos simples a feição honesta e superior da vida - não a conhece; mas brama em todos os tons contra o pecado; esboça grosseiros quadros de torturas; e espalha sobre o auditório fulminado avalanches de penitências, extravagando largo tempo, em palavrear interminável, fungando as pitadas habituais e engendrando catástrofes, abrindo alternativamente a caixa de rapé e a boceta de Pandora...

     E alucina o sertanejo crédulo; alucina-o, deprime-o, perverte-o.

                                  OS "SERENOS"  

Deus o dissera - em mau português, em mau italiano, em mau latim - estava farto dos desmandos da Terra.  

(...) - Pedra Bonita: o Reino Encantado, Araripe Júnior.

Em 1300 a grande explicação para as tragédias humanas era que Deus não estava satisfeito com os homens. (...) quiseram pôr a culpa, como sempre, nos judeus. Muito antes de Hitler a Europa já costumava tocar fogo nas juderias para resolver seus problemas de insatisfação.

[116]

   ANTÔNIO CONSELHEIRO, DOCUMENTO VIVO DO ATAVISMO   

 

É natural que estas camadas profundas da nossa estratificação étnica se sublevassem num anticlinal extraordinária - Antônio Conselheiro.

o historiador só pode avaliar a altitude daquele homem, que por si nada valeu, considerando a psicologia da sociedade que o criou. 

Isolado, ele se perde na turba dos nevróticos vulgares. Pode ser incluído numa modalidade qualquer de psicose progressiva. Mas posto em função do meio, assombra. É uma diatese, e é uma síntese. (...)

     Todas as crenças ingênuas, do feiticismo bárbaro às aberrações católicas, todas as tendências impulsivas das raças inferiores, livremente exercitadas na indisciplina da vida sertaneja, se condensaram no seu misticismo feroz e extravagante. Ele foi, simultaneamente, o elemento ativo e passivo da agitação de que surgiu. O temperamento mais impressionável apenas fê-lo absorver as crenças ambientes, a princípio numa quase passividade pela receptividade mórbida do espírito torturado de reveses, e elas refluíram, depois, mais fortemente, sobre o próprio meio de onde haviam partido, partindo da sua consciência delirante.

     É difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as tendências pessoais e as tendências coletivas; a vida resumida do homem é um capítulo da vida de sua sociedade...

     Considerando, em torno, o falso apóstolo, que o próprio excesso de subjetivismo predispusera à revolta contra a ordem natural, como que observou a fórmula do próprio delírio. Não era um incompreendido. A multidão aclamava-o representante natural das suas aspirações mais altas. Não foi, por iso, além. Não deslizou para a demência. No gravitar contínuo para o mínimo de uma curva, para o completo obscurecimento da razão, o meio reagindo por sua vez amparou-o, corrigindo-o, fazendo-o estabelecer encadeamento nunca destruído nas mais exageradas concepções, certa ordem no próprio desvario, coerência indestrutível em todos os atos e disciplina rara em todas as paixões, de sorte que ao atravessar, largos anos,nas práticas ascéticas, o sertão alvorotado, tinha na atitude, na palavra e no gesto, a tranquilidade, a altitude e a resignação soberana de um apóstolo antigo. 

(...)

Em seu desvio ideativo vibrou sempre, a bem dizer exclusiva, a nota étnica. Foi um documento raro de atavismo.

                      UM GNÓSTICO BRONCO  

Os traços mais típicos do seu misticismo bronco (...) vimo-los há pouco, de relance, em período angustioso da vida portuguesa.

[118]           UM GRANDE HOMEM PELO AVESSO  

[o] meio em que agiu (...) fortaleceu-o. Era o profeta, o emissário das alturas (...) arrastando a carcaça claudicante (...) mas de algum modo lúcido em todos os atos, (...) 

[119] Parou aí indefinidamente, nas fronteiras oscilantes da loucura, nessa zona mental onde se confundem facínoras e heróis, reformadores brilhantes e aleijões tacanhos e se acotovelam gênios e degenerados. Não a transpôs. Recalcado pela disciplina rigorosa de uma sociedade culta, a sua nevrose explodiria na revolta, o seu misticismo comprimido esmagaria a razão. 

  REPRESENTANTE NATURAL DO MEIO EM QUE NASCEU 

(...)

O fator sociológico, que cultivara a psicose mística do indivíduo, limitou-a sem comprimir, numa harmonia salvadora.

(...)

       ANTECEDENTES DA FAMÍLIA: OS MACIÉIS

nos sertões entre Quixeramobim e Tamboril Maciéis X Araújos [citação:] "vieram a fazer parte dos grandes fastos criminais do ceará, em uma guerra de família. (...) dois homens desiguais na fortuna e posição social" (...) são um episódio apenas entre as razias, quase permanentes da vida turbulenta dos sertões. (...) que ressaltam, evidentes, a prepotência sem freios dos mandões de aldeia e a exploração pecaminosa por eles exercida sobre a bravura instintiva do sertanejo.

[120]        LUTAS ENTRE MACIÉIS E ARAÚJOS  

Surgiu de (...) pequenos roubos cometidos pelos Maciéis (...) 

Araújos:

Criadores opulentos, senhores de baraço e cutelo, vezados a fazer justiça por si mesmos, (...) chamaram a postos a guarda pretoriana dos capangas. (...) 1833 (...) e um cangaceiro terrível, Vicente Lopes de Aracabiassu. 

morre ali um avô do Conselheiro

[121] numa choupana abandonada, coberta de ramos de oiticica

[123]          UMA VIDA BEM AUSPICIADA      

Conselheiro: Antônio Vicente Mendes Maciel

[124] um enlace que lhe foi nefasto

                        PRIMEIROS REVESES       

1859: Sobral, caixeiro, em Ipú escrivão de paz, solicitador de requerente no forum, depois em Campo Grande 

A mulher foi a sobrecarga adicionada à tara hereditária (...) Ia-se-lhe (...) na desarmonia do lar, a antiga serenidade

[125]                          A QUEDA

Foge-lhe a mulher em Ipú, raptada por um policial. (...) Fulminado pela vergonha (...) procura o recesso dos sertões, onde não lhe sabiam o nome: o abrigo da absoluta obscuridade. (...) para o sul do Ceará [mais] para o sul, à toa, na direção do Crato. E desaparece...

     Passaram-se dez anos

              COMO SE FAZ UM MONSTRO

E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos compridos até os ombros (...) 

[descrição online em O triste e belo fim de Joana Imaginária & Antônio Conselheiro]

 (...) Um velho caboclo,  preso em Canudos nos últimos dias de campanha, disse-me (...) sem precisar datas (...). Conhecera-o nos sertões de Pernambuco, um ou dois anos depois da partida do Crato. (...)  aquele velho singular, 

[126] de pouco mais de trinta anos, (...) No seio de uma sociedade primitiva que pelas suas qualidades étnicas e influxo das santas missões malévolas compreendia melhor a vida pelo incompreendido dos milagres (...) Precisava de alguém que lhe traduzisse a idealização indefinida, e a guiasse nas trilhas misteriosas para os céus.

           PEREGRINAÇÕES E MARTÍRIOS 

Dos sertões de Pernambuco passou aos de Sergipe (...) Itabaiana, 1874

{127] 

[como se vestia, o que levava]

(...) nos sertões, ao norte da Bahia. Ia-lhe custando o prestígio. (...) Encalçavam-no na rota desnorteada os primeiros fiéis. (...) no geral, gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, farândula de vencidos da vida, vezada à mândria e à rapina. (...) um oratório tosco, de cedro, encerrando a imagem de Cristo. (...) Entravam com ele, triunfalmente erguido, pelos vilarejos e povoados, num coro de ladaínhas. Assim se apresentou o Conselheiro, em 1876, na vila de Itapicurú de Cima. Já tinha grande renome. 

[citação de ANUÁRIO Folhinha Laemmert, Rio de Janeiro, 1877]

                           LENDAS 

[é preso]

diziam-no assassino da esposa e da própria mãe. 

[E que lenda!]

[128]                    O ASCETA 

Sonda, perscruta, esquadrinha. E surpreende a cada curva, com visões de ângulos necessárias para a compreensão do fenômeno

em 1876 a repressão legal o atingiu quando (...) O asceta despontava, inteiriço, da rudeza disciplinar de quinze anos de penitência 

descrição incrível! soberba!! inigualável!!! 

do tirocínio brutal da fome, da sede, das fadigas, das angústias recalcadas e das misérias fundas. ( ...) Para quem estava neste tirocínio de amarguras, a ordem de prisão era incidente 

[129] mínimo. (...) levaram-no à capital da Bahia. (...) embarque para o Ceará 

é recambiado

(...) reconhecida a improcedência da denúncia (...) E no mesmo ano reaparece na Bahia (...) estacionando 

1877

de preferência em Chorrochó (...) cuja feira movimentada congrega a maioria dos povoadores daquele trecho do S. Francisco. (...) De 1877 a 1887 erra por aqueles sertões 

[130] (...) Inhambupe, Bom Conselho... (...) 

promovendo benefícios em cemitérios e construção e restaurações de igrejas

(...) A sua entrada nos povoados, seguido pela multidão contrita, em silêncio, alevantando imagens, cruzes e bandeiras do Divino, (...) eclipsando as autoridades locais, o penitente errante e humilde monopolizava o mando (...)

                           AS PRÉDICAS 

Uma oratória bárbara e arrepiadora 

[online, trechos em O triste e belo fim de Joana Imaginária & Antônio Conselheiro]

     Era truanesco e era pavoroso. 

     Imagine-se um bufão arrebatado numa visão do Apocalipse... 

[trecho online]

(...) e o olhar - uma cintilação ofuscante... [131] Ninguém ousava contemplá-lo. (...) em que fazia vitoriosa concorrência aos capuchinhos vagabundos das missões, estadeava o sistema religioso incongruente e vago. (...) adoudados, chefes de seita dos primeiros séculos, nota-se a revivescência integral de suas aberrações extintas. (...) O retrógrado do sertão reproduz o fácies dos místicos do passado.

             PRECEITOS DE MONTANHISTA  

Insurge-se contra a Igreja romana, e vibra-lhe objurgatórias, estadeando o mesmo argumento que aquele 

Themison:

ela perdeu a sua glória e obedece a Satanás. (...) 

J O A N A  I M A G I N Á R I A...

 Nunca mais olhou para uma mulher. Falava de costas mesmo às beatas velhas (...)

[132]                       PROFECIAS  

esmaniado apóstolo sertanejo. Como os montanhistas (...) O mesmo milenarismo extravagante, o mesmo pavor do anticristo despontando na derrocada universal da vida. (...) 

* Os dizeres destas profecias estavam escritos em grande número de pequenos cadernos encontrados em Canudos (...) 

     "... Em 1896 hade rebanhos mil correr da praia para o certão; então o certão virará praia e a praia virará certão.

     "Em 1897 haverá muito pasto e pouco rastro e um só pastor e um só rebanho.

     "Em 1898 haverá muitos chapéos e poucas cabeças.

     "Em 1899 ficarão as águas em sangue e o planeta hade aparecer no nascente com o raio de sol que o ramo se confrontará na terra e a terra em algum lugar se confrontará no céu...

     "Hade chover uma grande chuva de estrellas e ahi será o fim do mundo. Em 1900 se apagarão as luzes. Deus disse no Evangelho: eu tenho um rebanho que anda fora deste aprisco e é preciso que se reunam porque ha um só pastor e um só rebanho!"

      (...) "na hora nona, descançando no monte das Oliveiras um dos seus apóstolos perguntou: Senhor! para o fim desta edade que signaes vós deixaes?

     "Elle respondeu: muitos signaes na Lua, no Sol e nas Estrelas. Hade apparecer um Anjo mandado por meu pae terno, pregando sermões pelas portas, fazendo povoações nos desertos, fazendo egrejas e capelinhas e dando seus conselhos..."

[133] 

     E no meio desse extravagar adoudado, rompendo de entre o messianismo da raça levando-o à insurreição contra a forma republicana:

     "Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brasil com o Brasil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prussia com a Prussia, das ondas do mar D. Sebastião sahirá com todo o seu exército.

 (...)

     "Neste dia quando sahir com o seu exército tira a todos no fio da espada deste papel da Republica.

(...)"

UM HERESIARCA DO SÉCULO II EM PLENA IDADE MODERNA  

este voltar-se à idade de ouro dos apóstolos e sibilitas (...) reproduz-se em toda a história (...) na mesma rebeldia contra a hierarquia eclesiástica, na mesma exploração do sobrenatural, e no mesmo ansiar pelos céus, a feição primitivamente sonhadora da velha religião, antes que a deformassem os sofistas canonizados dos concílios. 

[134]       TENTATIVAS DE REAÇÃO LEGAL   

penitências (...) de ordinário redundavam em benefício das localidades. Reconstruíam-se templos abatidos; renovavam-se cemitérios em abandono; erigiam-se construções novas e elegantes. Os pedreiros e os carpinteiros trabalhavam de graça; os abastados forneciam, grátis, os materiais indispensáveis; o povo carregava pedras. (...)

     E terminada a empresa o predestinado abalava... para onde? Ao acaso, tomando a primeira vereda, pelos sertões em fora, pelas chapadas multivias, sem olhar sequer para os que o encalçavam. 

     Não o contrariava o antagonismo de um adversário perigoso, o padre (...)

porque o Conselheiro

promovia todos os atos de onde saem os rendimentos do clero (...)

Euclides da Cunha reproduz trechos de Descrições Práticas da Província da Bahia, do Tenente-coronel Durval Vieira de Aguiar, de que é aqui destacada a descrição:

     "Quando por ali passamos (no Cumbe, em 1887) achava-se na povoação um célebre Conselheiro, sujeito baixo, moreno, acaboclado, de barbas e cabelos pretos e crescidos, vestido de camisolão azul, morando sozinho numa desmobiliada casa, onde se apinhavam as beatas e afluíam os presentes com os quais se alimentava..."

(...)

(...) em 1882, o arcebispo da Bahia, procurando pôr termo a essa transigência, senão maldisfarçada proteção, (...) 

dirigiu circular a todos os párocos alertando-os contra aquele que difundia

"(...) doutrinas supersticiosas e uma moral excessivamente rígida com que está perturbando as consciências e enfraquecendo, não pouco, a autoridade dos párocos destes lugares (...)"

(...) Foi inútil a intervenção da Igreja. (...) E como se desejasse reviver sempre a lembrança da primeira perseguição sofrida, volve constantemente a Itapicuru, cuja autoridade policial, por fim, apelou aos para os poderes constituídos, em ofício onde (...) disse

o delegado local ao chefe da polícia da Bahia em novembro de 1886:

(...) "é acompanhado por centenas de pessoas (...)  

(...) o fanatismo não tem limites (...) adoram-no como se fosse um Deus vivo. 

     Nos dias de sermões, terços e ladainhas, o ajuntamento sobe a mil pessoas. Na construção desta capela, cuja féria semanal é de quase cem mil réis, décuplo do que devia ser pago, estão empregados cearenses, aos quais Antônio Conselheiro presta a mais cega proteção, tolerando e dissimulando os atentados que cometem, e esse dinheiro sai dos crédulos e ignorantes (...)"

[136] 

(...) "Faz medo aos transeuntes passar por alto, vendo aqueles malvados munidos de cacetes, facas, facões, clavinotes;"

(...) Nenhuma providência se tomou até meados de 1887, quando a diocese da Bahia 

oficiou

ao presidente da província, pedindo providências que contivessem o "indivíduo Antönio Vicente Mendes Maciel que, pregando doutrinas subversivas, fazia um grande mal à religião e ao Estado, distraindo o povo de suas obrigações e arrastando-o após si, procurando convencer de que era o Espírito Santo, etc." (...) o presidente dirigiu-se ao ministro do império, pedindo um lugar para o tresloucado no hospício de Alienados do Rio. O ministro respondeu (...) contrapondo o notável argumento de não haver, naquele estabelecimento, lugar algum vago (...) 

                        MAIS LENDAS   

(...) Fundou o arraial de Bom Jesus (...) 

(...) chegou a Monte-Santo e determinou que se fizesse uma procissão pela montanha acima, até a última capela, no alto. 

o narrador diz ter tido descrição de "pessoas que se não haviam deixado fanatizar" que no fim do préstito

[137] Duas lágrimas sangrentas rolam, vagarosamente, no rosto imaculado da Virgem Santíssima...

  (...) Espécie de grande homem pelo avesso, (...) reunia no misticismo doentio os erros e superstições que foram o coeficiente de redução da nossa nacionalidade. (...) Arrastava o povo sertanejo não porque o dominasse, mas porque o dominavam as aberrações daquele. (...) [outra descrição do Conselheiro:] longos cabelos despenteados pelos ombros, longas barbas descendo pelo peito; uma velha figura de peregrino a que não faltavam o crucifixo tradicional, suspenso a um lado entre as camandulas da cintura, e o manto poento e gasto, e a borracha de água, e o bordão comprido...

[138]             HÉGIRA PARA O SERTÃO   

     Iam-no tornando mau. 

     Viu a República com maus olhos e pregou, coerente, a rebeldia contra as novas leis. Assumiu desde 1893 uma feição combatente inteiramente nova. 

     Originou-a fato de pouca monta.

     Decretada a autonomia dos municípios, as Câmaras das localidades do interior da Bahia tinham afixado nas tábuas tradicionais, que substituíam a Imprensa, editais para a cobrança de impostos, etc.

     Ao surgir esta novidade Antônio Conselheiro estava em Bom Conselho. Irritou-o a imposição; e planejou revide imediato. Reuniu o povo num dia de feira e, entre gritos sediciosos e estrepitar de foguetes, mandou queimar as tábuas numa fogueira, no largo. Levantou a voz sobre o "auto de fé", que a fraqueza das autoridades não impedira, e pregou abertamente a insurreição contra as leis. 

     Avaliou, depois, a gravidade do atentado.

     Deixou a vila, tomando pela estrada de Monte-Santo, para o norte.

     O acontecimento repercutira na Capital, de onde partiu numerosa força de polícia 

de trinta praças, bem armadas, que em Massetê dá de frente

com os jagunços destemerosos. Foram inteiramente desbaratadas, precipitando-se na fuga, de que fora o primeiro a dar exemplo o próprio comandante.

(...)

     Realizada a façanha, os crentes acompanharam, reatando a marcha, a hégira do profeta. Não procuravam mais os povoados, como dantes. Demandavam o deserto.

O que Euclides da Cunha conta em Os Sertões é de uma 

TERRA EM TRANSE

gerada pelas agruras da vida numa região quase totalmente a ela imprópria, que por sua vez gera um transe místico que em decorrência de fenômenos de variada espécie descabam em um surto que por uma conjunção de fatores sócio-econômicos assume proporções inéditas e redunda em uma tragédia - talvez a maior da história brasileira.

No território miserável do sertão, Conselheiro encontrara terreno fértil para sua pregação messiânica. A decadência dos engenhos, o fim da escravidão, a seca terrível de 1878 (durante a qual, só no Ceará, cerca de 100 mil pessoas morreram de fome), a limitação do mercado de trabalho provocada pelo fluxo incessante de imigrantes europeus; tudo conduzira ao caos social no Nordeste.

A REVOLTA DOS SERTÕES, POR ONDE SE VÊ DO PONTO DE VISTA DE EUCLIDES DA CUNHA E POR OUTROS FENÔMENOS COMO O DA PEDRA BONITA, PEDRA DO REINO OU PEDRA ENCANTADA E O DO CALDEIRÃO, SÓ PODE SER A REVOLTA MÍSTICA, DESSE MISTICISMO-"SENTIMENTO RELIGIOSO LEVADO ATÉ O FANATISMO". 

O MESSIANISMO SERTANEJO É O MESSIANISMO BRASILEIRO.

O MESSIANISMO SERTANEJO É O MESSIANISMO BRASILEIRO?

 

 

d. Sebastião - O sumiço do corpo do jovem [24 anos] rei na batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, pela conquista cruzadista de terras aos mouros ímpios, daria início ao culto chamado sebastianismo - crença messiânica cujos reflexos se prolongariam até o trágico episódio de Canudos.

no Brasil como em Portugal duas décadas depois da implantação da República no Brasil sebastianismo passou a ser associado a saudosismo da monarquia

messianismo. S. m. 1. Rel. Na Bíblia, a expectativa do Messias. 2. Crença na intervenção de ocorrências extraordinárias, ou de individualidades providenciais ou carismáticas, para o surgimento de uma era de plena felicidade espiritual e social. 

Religiosidade sertaneja e religiosidade brasileira a partir do fenômeno de Canudos de pontos de vista não-euclidianos

Canudos não-euclidiano

O escritor paulista Ataliba Nogueira contribuiu para uma virada nos estudos sobre o fenômeno de Canudos desde Euclides da Cunha ao divulgar em 1974 os escritos do líder da comunidade no ensaio Antônio Conselheiro e Canudos. Segundo ele  

Os [seus] sermões mostram um líder religioso muito diferente do fanático místico retratado por Euclides: um sertanejo letrado, com posições políticas e religiosas vinculadas a um catolicismo devocional, frequente entre pregadores do Nordeste.[Esse] profetismo com seu ideal de martírio e o de salvação, não continha, ao contrário de Euclides, crenças sebastianistas ou esperanças milenaristas na criação do paraíso na terra.

Os sermões mostram um Discurso organizado e coerente, perfeitamente lógico, uma vez aceitas as premissas religiosas.

           Segundo outro especialista Até bem recentemente as ciências humanas negligenciaram o estudo empírico da religião e, mesmo muito depois de Euclides da Cunha, a manifesta consistência religiosa que caracteriza a defesa de Canudos é reduzida ao estatuto de ignorância e fanatismo. 

O sonho cresce na medida da privação, ponderou esse especialista. E quando aparece Antônio Vicente Maciel, o andarilho cearense, rapidamente forma-se um elo de comunicação e empatia.

Pois é bem de vida nova que se trata. Em torno do "santo homem" articula-se um tipo de parentesco altamente satisfatório, não mais puramente consanguíneo nem familiar, mas decorrente da figura do solitário habitante do santuário que se situa no centro do povoado.

Em seu ímpeto repressor, na verdade, a autoridade eclesiástica aliava-se à aflição dos coroneis do sertão, que se viam ameaçados duplamente no poder econômico e no poder político. Estudiosos contemporâneos, como o brasilianista americano Ralph Della Cava, demonstraram como o Conselheiro, e também o padre Cícero, no Ceará, na mesma época, drenavam a mão-de-obra das fazendas, ao mesmo tempo [em] que retiravam da influência dos chefetes os votos de cabresto que lhe garantiam o controle dos instrumentos do Estado.

              [não é acaso que mitos da estampa de Conselheiro e Cícero sejam também fenômenos contemporâneos]

O foco de Euclides da Cunha foi o O fanatismo, o espírito de seita, a febre que acomete. místicos, visionários e xiitas e por esse prisma há quem pense que a escalada do conflito foi fora do comum mas não a sua natureza. Os detalhes variaram, mas desde os Anabatistas de Münster, em 1534-35, até os adeptos da Seita Davidiana, em Waco, no Texas, em 1993, as comunidades de dissidentes religiosos têm sofrido constantemente esse tipo de repressão violenta. No início de Os Sertões Euclides da Cunha retrata Antônio Conselheiro como um fanático insano e um proponente da promiscuidade, nos moldes de David Koresh de Waco, Texas - escreveu um analista de um ponto de vista anglossaxão. O mesmo ponto de vista de Robert M. Levine, que no entanto faz uma análise consentânea com a perspectiva de Ataliba Nogueira.

Autor de Vale of Tears, tido como o mais abrangente relato histórico sobre Canudos e que foi publicado em 1994 pela Edusp com o título O Sertão Prometido, também autor do video Canudos Revisited, com as imagens da guerra, Levine declarou que EUCLIDES VIA CANUDOS EM PRETO E BRANCO (ou em Branco ou Preto?)  e para ele Antônio Conselheiro não era nem herege nem fanático, embora fosse monarquista. Ao menos até o momento em que foi atacado, ele era apenas um pregador popular que expressava a piedade tradicional e o messianismo de uma região menosprezada pela hierarquia brasileira da Igreja católica. 

Euclides da Cunha, para Levine, foi culpado de injetar "as pessoas comuns menosprezadas do Brasil na consciência nacional como fanáticos meio loucos". Conselheiro apenas fazia sermões como muitos missionários leigos da região. Criou uma cidade austera, mas bem organizada, com comida para todos, onde eles aguardavam o milênio, o fim do mundo. Houve outros locais onde as pessoas se recusaram a pagar impostos e queimaram as leis da República. Isso faz parte do momento político da época.

Vivia-se então - argumenta-se também - um processo de "romanização" dentro da Igreja que não deixava espaço para os inúmeros beatos que infestavam o sertão atraindo multidões de retirantes tangidos pela seca. A hierarquia eclesiástica era intolerante quanto às manifestações da religiosidade popular. Antes do Conselheiro, o Padre Mestre Ibiapina - homem-santo que ainda hoje tem lugar de destaque no imaginário sertanejo - fora alvo de perseguições. A Igreja queria enquadrar todos os padres e todas as seitas no figurino do Vaticano. Nesse quadro, a figura messiânica do Conselheiro era inadmissível.

O trágico destino do arraial, conforme esse prisma, não foi selado pelos militares republicanos - muitos tão fanáticos quanto os conselheiristas -, mas pela visita que fez a Canudos, em 1895, o frei João Evangelista do Monte Marciano, enviado pela Igreja para parlamentar com Antônio Conselheiro. A inabilidade do frade capuchinho foi registrada por Euclides da Cunha em Os Sertões. Monte Marciano acabou escorraçado pelos jagunços. E fez um relatório aos superiores em que retratou Canudos como um reduto de monarquistas radicais. Daí para o delírio de que os canudenses eram financiados por potências estrangeiras foi um passo. 

outro conto

A República era o Anticristo, era a ordem de Satanás. Ousara separar a Igreja do Estado. E, entre outras disposições odiosas, instituíra o casamento civil, roubando da Igreja a exclusividade de celebrar matrimônios. O novo regime também delegara aos municípios a cobrança de impostos. Vendo os matutos inconformados com os impostos anunciados em editais nos povoados, incentiva os de um deles a destruí-los. Isso é desobediência civil. Em consequência, uma tropa policial sai-lhe ao encalço. Depois de um choque violento na localidade de Massetê, que resulta em três mortes de cada lado, a tropa retira-se, mas para o Conselheiro fica o sinal de alerta. Ao cabo de vinte anos de andanças, chegou a hora de mudar de vida...

Quem era, grosso modo (à parte o mito extraordinário e uma das maiores lendas brasileiras em que se transformou E foi transformado), esse cearense que procurava a paz de Deus mas acabou joguete dessa obra do Demo que são as guerras fraticidas?

Essas figuras de guias espirituais surgiam no interior do Nordeste muito em função da ausência de padres, buscou explicar de sua vez Cândido da Costa e Silva, professor de História das Religiões na Universidade Federal da Bahia e autor de Roteiro da Vida e da Morte, um estudo sobre o catolicismo sertanejo.  

- O sertão não tinha padres como as aldeias francesas, que davam assistência permanente às famílias e acompanhavam-nas ao cemitério, inclusive, levando seus mortos. Daí os tiradores de rezas e incelências - eram figuras e fórmulas que supriam a falta de pessoal e de liturgia oficial. A pessoa ascendia à condição de beato ou conselheiro pelo destaque que haviam obtido na sociedade, em virtude de sua liderança. sua capacidade de expressão, piedade e outras qualidades.

Parte razoável da multidão de pesquisadores que se ocupou do tema durante um século não fugiu ao clichê de chamar o episódio Canudos de um "espelho" do Brasil - ou dos dois Brasis que Euclides da Cunha descobriu.

Que Euclides da Cunha descobriu e melhor que outros Caminhas narrou.

Mario Vargas Llosa lançou em 1981, pela Seix Barral, Barcelona, o seu La guerra del fin del mundo. Disse então ver no episódio de Canudos um caso exemplar de conflito movido pela insensatez das ideias fixas. Uma guerra ideológica que serve de modelo, até hoje, para as explosões de fanatismo que trituram os dias do continente latinoamericano. Llosa viu de um lado um homem em surto místico que transformou seu delírio em combustível para a ação política; de outro a brutalidade estúpida das forças republicanas, que imaginavam caçar fantasmas enquanto enfrentavam homens reais e miseráveis. "Em Canudos vê-se pela primeira vez no continente como a ideologia consegue fragmentar a sociedade", declarou.

Explorando uma perspectiva de resto muito llosiana e muito em voga desde a queda do muro de Berlim escreveu Renato Janine Ribeiro em O Estado de São Paulo (5 de outubro de 1997, nos 100 Anos de Canudos) referindo-se de caras ao Fim da ilusão jacobina que 

Não houve racionalidade no Terror jacobino. Ele resultou dos malefícios que a ideologia em estado puro - a vontade de mudar o mundo com regra e esquadro - acarreta.

Segundo ele, vários grandes temas euclidianos estão perto do ideário positivista e /ou militar: a demarcação das fronteiras, o conhecimento do Brasil profundo, a integração nacional e sobretudo a fusão da ciência e da ordem na ideia de progresso, que constituem o eixo do positivismo como aqui foi apropriado num ideal que mesclava o espírito republicano e a formação militar.

Posto de outra forma,

Euclides da Cunha trouxe para o estudo da gente do sertão da Bahia toda a bagagem intelectual da teoria social positivista europeia do século XIX. Apesar de ele próprio ser um "mestiço", de início encarou a rebelião de Canudos como uma obra atávica de raças "inferiores", o Brasil de mestiços e negros, uma abordagem que faz com que o leitor moderno se sinta constrangido.

Mas no decorrer do livro muda de posição. Com base na força de sua própria observação, começa a ver naqueles sertanejos obstinadamente corajosos "o verdadeiro cerne da nossa nacionalidade, o alicerce da nossa raça", e no coronel Moreira César e nos de sua espécie o dogmatismo cruel de verdadeiro fanático. Deixando de lado sua pomposa prosa latina para se tornar mais conciso e direto, ele se lança numa narrativa absorvente da campanha de Canudos (...) "Transforma-se numa grande exaltação do sertanejo e numa violenta crítica do jacobinismo militar que se transformou numa cruzada de extermínio", disse Roberto Ventura, professor de literatura da Universidade de São Paulo. 

Pinto Ferreira em ensaio publicado na (...) Revista Brasiliense atestou que O primeiro grande escritor marxista do país é Euclides da Cunha (...), [e como tal] retratou com mestria, como marxista que era, o desnível das classes nos sertões e a guerra campesina de Canudos.

O "aplauso" do cronista de Os Sertões ao socialismo científico de Marx, contra o idealismo utópico de Proudhon e do anarco-sindicalismo, é um claro sinal dos  dogmas que o norteiam embora se objete que ele não seguiu as doutrinas filosóficas de forma incondicional. Ao contrário, Explorou sempre os limites de tais teorias

Uma formação e uma seriedade intelectual raras tornam nosso autor capaz de reavaliar suas convicções e o fazem passar, do jacobino padrão, que vê em Canudos "a nossa Vendéia", àquele escritor que revelará não só a extensão do massacre mas sobretudo o descaso que o centro do poder, a capital litorânea, sente pelo enorme sertão.

Walnice Nogueira Galvão também criticou à distância de um século sua "noção de linearidade do progresso": 

Nunca lhe tinha ocorrido que a modernização é causa de dores e perdas para os pobres, aos quais chacina sem piedade quando os encontra em seu caminho - escreveu. Para ele os canudenses deviam ter sido tratados a cartilha e não a bala, concluindo pela ilusão ilustrada de acreditar na educação como panaceia para a iniquidade. Seu grande feito segundo a historiadora foi ter conseguido expressar (e nisso reside para ela o alcance universal do livro) o que a modernização faz aos pobres, atormentando-os de tal maneira até a extinção do seu mundo pelo Apocalipse do progresso sem mais nem quê.

Nota bene: Euclides da Cunha Foi adepto do positivismo do francês Auguste Comte, que defendia a superação da religião pela ciência. Aderiu ao evolucionismo do inglês Herbert Spencer, que trazia a certeza do aprimoramento da sociedade. Mas - para frisar - Explorou sempre os limites de tais teorias

Vinca-se o que ele escreveu para o jornal A Província de São Paulo já ou ainda de Tanquinho - "esse logar maldicto"-, a caminho de Monte Santo e Canudos, a 4 de setembro de 1897

Não me apedrejeis, companheiros de impiedade, poupae-me livres pensadores, iconoclastas ferozes! Violento e inamolgável na lucta franca das ideas, firmemente abroqueado na unica philosophia que merece tal nome, eu não menti às minhas crenças e não trahi a nossa fé, transigindo com a rude sinceridade do filho do sertão. 

E sobre tais paradogmas deixaria impresso Graciliano Ramos em São Bernardo a fala do coronel Paulo Honório sobre as atividades de sua esposa:

 

Sim senhor, comunista! Eu construindo e ela desmanchando.

Materialista. Lembrei-me de ter ouvido Costa Pinto falar em materialismo histórico. Que significava materialismo histórico?

 Comunista, materialista. Bonito casamento. (...) Que haveria nas palestras? Reformas sociais ou coisa pior. Mulher sem religião é capaz de tudo.

 

Até bem recentemente as ciências humanas negligenciaram o estudo empírico da religião e, mesmo muito depois de Euclides da Cunha, a manifesta consistência religiosa que caracteriza a defesa de Canudos é reduzida ao estatuto de ignorância e fanatismo ...

Materialismo histórico, direis. Pois não foi o próprio Friedrich Engels quem escreveu que "A religião tem suas raízes nas concepções limitadas e ignorantes do estado de selvageria"? 

Tal como, pela própria biografia, é descrito como um trágico - sendo até, pela opera magna, o Shakespeare tupiniquim - e é capaz de toda a ironia contida em trechos de seu relato sobre a tragédia de Canudos, pelos olhos de seus grandes apreciadores sente-se a visão de um homem capaz de tudo. De morrer por amor - ou, o que parece mais provável tendo sido como foi, pela honra ferida... - como de renunciar a crenças que se diria, pelo que se percebe nele também, (isso mesmo) atávicas. Como no materialismo histórico ou no tão racionalista quanto positivismo. Mas não no ateísmo, que se revela avassaladoramente - como gostava de escrever - em seu "livro vingador". Onde no entanto transparece em alguns trechos que ele dá umas na ferradura e que e não conseguiu se desvencilhar da Igreja, acabando por aplaudir, através da ação de alguns de seus apóstolos, a religião dos sofistas canonizados dos concílios - como a chama -, ou seja, a religião que deixou de ser religião.

Ora, um ateu - diremos. E desse ponto de vista a Terra em Transe Místico em que se fez o Brasil parece viver todo o ano um carnaval de fé como o inebriante (ops!) carnaval de rua do Rio de Janeiro até os anos 1960. 

Nas igrejas pentecostais brasileiras, em plena expansão, e no movimento militante dos sem-terra não é difícil reconhecer os descendentes de Canudos, sintetizou a influente revista semanal inglesa The Economist em reportagem publicada por ocasião do centenário de Canudos.

Quanto [ao resto, naquele estágio e em vista das próprias premissas do Conselheiro, O martírio do homem, ali, é reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a economia geral da Vida...

     Nasce do martírio secular da terra...

             Canudos "Não cogitava de instituições garantidoras de um destino na Terra."

Em que pesem os trabalhos do professor Pinto Ferreira, Otávio Brandão e Edmundo Muniz, não se evidenciava, em Canudos, (...), um regime comunista ou comunista primitivo, totalmente oposto ao de propriedade individual, a partir da definição, ainda não comprovada, que considera ser a propriedade comum estágio universal e imperativo da infância dos povos 

o POLÍGRAFO não permite dizer que Canudos fosse um Estado camponês. (...) Os jagunços errantes ali armavam pela derradeira vez as tendas, na romaria miraculosa para os céus ...

[O] grupo social permanente, embora seus moradores vivessem imbuídos da ideia de uma vida terrena passageira,

Canudos "era a estrada para o céu", "ante-sala do Paraíso", "terra da Promissão".

    Canudos era o Cosmos. (...)

     E este mesmo transitório e breve; um ponto de passagem, uma escala terminal, de onde decampariam sem demora; o último pouso na travessia de um deserto - a Terra. Os jagunços errantes ali armavam pela derradeira vez as tendas, na romaria miraculosa para os céus.

Segundo Walnice Nogueira Galvão Euclides da Cunha tomou ainda emprestada dos canudenses milenaristas e messianistas - a visão escatológica. E mostra como por meio da inversão demoníaca das imagens bíblicas que presidem à crença salvacionista é possível aderir ao ponto de vista deles. Isso se efetiva por meio da mimese do grande sintagma narrativo da Bíblia, por meio do qual é traçado o arco que vai da criação do arraial de Canudos, o Gênesis bíblico, até seu aniquilamento pelo fogo, o Apocalipse, em conjunção com as profecias das sagradas escrituras.

 

1902, 1903... 2010... e 17... :

        Canudos, o alto da Favela, de onde se gerou a seminal, no Rio de Janeiro - os primeiros baianos migrados para a construção civil, o Pedro pedreiro penseiro esperando o trem que-já-vem-que-já-vem-que-já-vem que-já-é o favelão Brasil, país do futebol, do petróleo, da agroindústria, da biodiversidade e do biocombustível.

grandes sertões: cidades, periferias

que se não fossem invadidas pelos retirantes continuariam vivendo de costas para o seu interior e de banda para as praias de suas esplêndidas costas, já muito escafedidas a bem da verdade

     

Já havia exagero há 100 anos e haverá ainda mais hoje em considerar o sertão um mundo à parte do resto do Brasil.

veja 3 de setembro de 1997- Roberto Pompeu de Toledo

Quanto a mais de 100 anos deixemos o testemunho a Euclides da Cunha, que sentiu as distâncias na pele. Quanto a hoje, é exagero mesmo.

Hoje o sertão - o sertão a que Euclides chamava sertões do norte - está lá, aqui, em quase todo lugar no Brasil, que se transformou no último meio século num 

                   grande sertão:favelas

Que no Rio de Janeiro lá começa a ser ocupado pelas forças da lei e da ordem e lá vai sendo urbanizado - vielas ocupadas clandestinamente sendo asfaltadas, uma puxadinha aqui, um embolsamento ali, e incorporando-se ao urbanismo do 

teratardo medievalismo arquitetônico  

que o Brasil não tivera por meio milênio.

Nordestinos continuam peregrinando para as capitais dos estados ou para o sul em busca de melhores condições de vida, engrossando as populações também flageladas das periferias dos maiores centros habitacionais.

Quinta essência do ideário armorial de Ariano Suassuna, os retirantes espalhados pelos quatro cantos construíram o emaranhado de cidades periféricas que reconstituem os burgos num país que tem que passar pela Idade Média que não teve. No Rio de Janeiro, por exemplo, ao contrário da Europa há milênios, muitos dos redutos famélicos estão nos pontos mais elevados, mas é sobretudo nas baixadas periféricas que eles se fixaram aos milhões.

Em épocas de maior crise voltam para o sertão. Há muito tido entre os racistas do sul como a escumalha da civilização brasileira – embora os antropólogos o considerem a síntese da raça gerada pela mistura de três povos – o sertanejo nordestino é também, como se não faltasse mais nada, vítima de preconceito e segregacionismo – também por conta do seu baixíssimo nível de instrução.

Dois dos cinco milhões de famílias brasileiras não proprietárias de terras encontram-se no Nordeste. Centenas de milhar continuam lutando às vezes até a morte pela posse de propriedades improdutivas como no tempo do ativismo das Ligas Camponesas do Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, em Pernambuco, às vésperas do golpe militar de 1964, feito para acabar de vez com todo tipo de sonho.

Foi o que aconteceu em abril de 1996, quando 19 camponeses sem terra foram chacinados num confronto com 150 soldados da Polícia Militar, no Pará.

     Sociólogos fizeram ligação direta num pulo de cem anos da vasta comunidade reunida em três anos ao redor das promessas messiânicas de Antônio Conselheiro com os atuais acampamentos do Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, MST. Um deles escreveu que o movimento gerado pelo Conselheiro era tão religioso quanto o dos sem-terra acampados ao lado das estradas brasileiras, onde sempre se vê uma cruz e se faz orações diárias.

Uma visão propagada até em telenovela em 1997.

Deus e o Diabo.

    Todo arame e porteira merece fogo e fogueira é maldição  

 Dá-me um chão  

 probrema é a cerca.

 

 

Cem anos depois da tragédia Ariano Suassuna dizia que Canudos invadiu as maiores cidades brasileiras.Os sertões do norte se vingaram transmundando-se em grandes sertões: favelas.

Canudos - Palavra de Deus, Sonho da Terra, organizado por Benjamin Abdala Junior e Isabel M. M. Alexandre, São Paulo, Boitempo Editorial e Editora Senac

Esse tem sido e é o binômio em que se enquadram as leituras do fenômeno de Canudos.

Bastide, Roger: No sertão a religião é tão trágica, tão machucada de espinhos, tão torturada quanto a paisagem; religião da cólera divina, num solo em que a seca encena imagens do Juízo Final.  

14 – Nordeste, de Gilberto Freyre: O ambiente viciado pelo sado-masoquismo da civilização escravocrata era favorável à eclosão de santos em que rebentassem reações vicárias à sensualidade bruta do meio e protestos ao abuso do fraco pelo poderoso, da mulher pelo homem, do menino pelo adulto.

A mesma ilação da mesma perspectiva por outras palavras: José Lins do Rego mostrou em seus romances como já no século 20 o chefe e senhor continua a mandar de baraço e cutelo, na família, nos aderentes, nos eleitores. Por isso precisou muitas vezes de uma força acima da lei para impor-se e dominar sem limites.

 

TERRA EM TRANSE sempre.

 

dA SECA

e das dos 

[104] seus maiores, em que os ensinamentos práticos se misturam a extravagantes crendices, tem procurado estudar o mal, para o conhecer, suportar e suplantar.

[105]                  INSULAMENTO NO DESERTO     

RELIGIÃO

O seu primeiro amparo é a fé religiosa. Sobraçando os santos milagreiros, os próprios velhos combalidos e enfermos claudicantes, carregando aos ombros e à cabeça as pedras dos caminhos, mudando os santos de uns para outros lugares. Ecoam largos dias, monótonas, pelos ermos, por onde passam as lentas procissões propiciatórias, as ladainhas tristes. Rebrilham longas noites nas chapadas, pervagantes, as velas dos penitentes... 

[114]                     AS MISSÕES ATUAIS  

O PREGADOR

     Infelizmente, o apóstolo não teve continuadores. Salvo raríssimas exceções o missionário moderno é um agente prejudicialíssimo no agravar todos os desequilíbrios do estado emocional dos tabareus. (...) a sua ação (...) destrói, apaga e perverte o que incutiram de bom naqueles espíritos ingênuos os ensinamentos dos primeiros evangelizadores (...) não aconselha e consola, aterra e amaldiçoa; não ora, esbraveja. (...) uma emboscada armada à credulidade incondicional dos que o escutam. (...) não alevanta a imagem arrebatadora dos céus; descreve o inferno truculento e flanívulo, numa algaravia de frases rebarbativas a que completam gestos de maluco e esgares de truão.

     É ridículo e medonho. Tem o privilégio estranho das bufonerias melodramáticas. As parvoíces saem-lhe da boca trágicas.

     Não traça ante os matutos simples a feição honesta e superior da vida - não a conhece; mas brama em todos os tons contra o pecado; esboça grosseiros quadros de torturas; e espalha sobre o auditório fulminado avalanches de penitências, extravagando largo tempo, em palavrear interminável, fungando as pitadas habituais e engendrando catástrofes, abrindo alternativamente a caixa de rapé e a boceta de Pandora...

O PREGADOR

     E alucina o sertanejo crédulo; alucina-o, deprime-o, perverte-o.

                            OS "SERENOS"  

Deus o dissera - em mau português, em mau italiano, em mau latim - estava farto dos desmandos da Terra.  

de  A SOCIOLOGIA D'OS SERTÕES Adelino Brandão Artium Rio de Janeiro 1996

Esses trechos d'O Homem d'Os Sertões parecem ter sido escritos na primeira década do século XXI. Euclides da Cunha, materialista e por supuesto ateu, é frio... e impiedoso, salvo de fato no ponto em que parece  aplaudir, através da ação de alguns de seus apóstolos, a religião dos sofistas canonizados dos concílios - como a chama -, ou seja, a religião que deixou de ser religião.

A análise do ex-repórter de guerra parece correta no ponto em que associa primarismo de visão a apego incondicional e irrestrito ao transcendente proposto por um "monoteísmo [afinal] incompreendido" estacionado num "catolicismo ibérico" de um período em que Portugal vivia uma fase de "cachexia nacional", conforme expressão de Oliveira Martins citada em Os Sertões

 

uma viagem pel'Os Sertões de Euclides da Cunha desperta a reflexão sobre a religiosidade sertaneja dos "sertões do norte" e a religiosidade brasileira em que o Santo Guerreiro está em guerra permanente com o Dragão da Maldade num grande circo ou teratendão

 

(re)união direta do povo com o seu Deus. Profunda experiência religiosa

 

o "beija das imagens"

         AURA DE LOUCURA: O MISTICISMO BÁRBARO

Apertando ao peito as imagens babujadas de saliva, mulheres alucinadas tombavam escabujando nas contorções violentas da histeria, crianças assustadiças desandavam em choro; e, invadido pela mesma aura de loucura, o grupo varonil de lutadores, dentre o estrépito, e os tinidos, e o estardalhaço das armas entrebatidas, vibrava o mesmo ictus assombroso, em que explodia, desapoderadamente, o misticismo bárbaro.

Estas páginas de Os Sertões, talvez as mais forte em nossa literatura no que tange à psicologia coletiva, retrata, com precisão impressionante, o fenômeno hoje batizado (...) como "multidão expressiva", definida como forma de comportamento coletivo dirigido para um objetivo interno, isto é, para dentro do grupo, ao contrário do fenômeno de "multidão ativa". (...) quando a atividade da multidão expressiva se volta para ela mesma, produz a liberação de tensões acumuladas, incertezas e frustrações, que a converte num "fim em si", em lugar de meio, para alcançar algum objetivo externo.

multidão expressiva (...) aglomeração humana ou grupo em que o comportamento parece ocupar-se das imagens e normas próprias dos participantes. Depois da evasão de sentimentos, a multidão expressiva se dispersa e seus componentes voltam a assumir seus papeis individuais.

(...) o comportamento citado se associa ao sobrenatural, porque sua possessão emotiva é tão completa que os participantes supõem a intervenção de uma forma superior a eles. Os membros da massa expressiva apresentam uma sensação de segurança baseada no fato de que todos fazem a mesma coisa ao mesmo tempo. Em casos extremos, o comportamento expressivo é tão distinto do normal que se o indivíduo o realizasse em outras circunstâncias passaria por louco.

                                                                           Herbert Blummer, Collective Behavior

Os móveis desta massa podem ser o amor a uma pessoa ou objeto simbólico (...) e chegam em alguns casos às raias da adoração.

A multidão ativa é rígida e absolutista no seu modo de pensar, compondo-se de elementos convencidos de que têm razão e que agem de acordo com suas mais "santas" intenções. Por isto, o grupo oposto estará sempre errado e equivocado. É impossível argumentar sobre os motivos  e crenças destas massas e quem se atreva a fazê-lo é considerado um traidor. Toda dúvida que pudesse existir no espírito de tal massa sobre as excelências ou justiça de sua causa fica descartado de pronto, diante do entusiasmo cego que arrasta a todos (...) 

[eles] tomam muito a sério tanto a eles mesmos quanto a missão a que se dedicam, privando-se de todo senso de humor, convertendo-se em fanáticos inflexíveis e furibundos, absolutamente convencidos de que a razão está a seu lado e que qualquer tolerância de sua parte será digna de censura. Semelhante absolutismo os impede de analisar os próprios atos com perspectiva ou de assumir o papel dos oponentes (dos demais) m relação a eles mesmos. Os símbolos se convertem em fins em si, fins que devem ser defendidos sem hesitações nem condescendência.

                                           Francis E. Merrill, Introducción a la Sociologia, Madri, 1967

O AntiCristo nasceu - Para o Brasil governar - Mas ahi está o Conselheiro - Para delle nos livrar. - ABC de Canudos.

da mesma maneira que o indivíduo paranoico sofre de delírios de grandeza ou mania de perseguição, também as massas ficam obsedadas com sua própria importância ou o temor de serem perseguidas.

Sem dó nem piedade. Sem paz, porque não se pode dar trégua para O Inimigo, que não dá trégua, ele está sempre aí à espreita esperando a hora de dar o bote. Partindo para a ignorância, o preconceito, a discriminação e intolerância. Vivência sem harmonia porque O Inimigo não descansa e há sempre que salvar um vizinho porque sem Ele não tem salvação. A fé em Deus só faz sentido com a exclusão Do dos demais, do Do vizinho, pois que ele é Único. E quantas vezes não se ouve até entre fieis da mesma igreja: o meu Deus não é o seu. 

Fogueiras e comércio

da fé ou estelionato

política religião negócios há 2 000 anos

 

Religião - conceito abstrato que remete exclusivamente ao abstracionismo tudo somado incompreendido.

a cristã  - ou as cristãs? - que deveria(m) ter como te(ê)m, para quem sabe ler, todos os ensinamentos sobre questões de ordem prática na sociedade humana (até porque boa parte dela adotou os seus preceitos) escrito há 2000 e alguns trocados de anos, e cujas ideias contêm parte da essência - e a quintessência - dos ensinamentos sobre a vida prática e que são inesequíveis, a não ser (ou) quando são (como acabam por ser) manipulados pelo Diabo.

Como a questão do (con)tributo à comunidade religiosa debaixo de um mesmo teto porque Cristo disse "tem que ter uma Igreja", e do teu nome se edificará a minha Igreja. 

De pedra.

Que nos sertões onde existe é onipresente apesar do clero omisso.

"Clero" verdadeiramente ativo, hoje? Os pastores das igrejas cristãs implantadas à força de militância braba por missionários norte-americanos desde o século XIX - e contra os quais lutava também um certo Conselheiro - e uns e outros das pentecostais, e pior, 

ou melhor, ou pior, neopentecostais.

Qual a qualidade da sua pregação?

A mesma que Euclides criticava. 

E a qualidade do efeito disso na comunidade.

O dízimo é a instituição básica do apostolado moderno. Sem ele não há missões e sem missões não há evangelização. Que não olha a meios. E não respeita ninguém, em nome de sua "salvação".

Dá-se de volta porque não nos pertence...

- Ora, como não nos pertence. 

Como não nos pertence?

- Sim, eu peço a ele e ele me dá, foi ele que me deu e eu estou apenas devolvendo parte do que ele me deu.

E o que teria Deus a ver com isso.

O PREGADOR

Se discorda de um ou outro ou então de muitos preceitos e práticas adotadas pela sua Igreja, que como uma instituição que se preze na roda viva dos acontecimentos e da evolução dos tempos consciente ou inconscientemente atropela princípios e vai de abrir quermesse para aumentar os proventos, que os tempos estão duros, e só não vende álcool e cigarro porque isso seria ir muito além da conta em matéria de violação de tabus e/ou permissividade, consciente ou inconscientemente - fruto também do baixo nível cultural da massa, sem excluir pastores & diáconos - admite orgias elétricas e ritmos com altíssimo teor de sensualidade, como o xote... no tal do coral com acompanhamento gospel, que nem sabem o que significa, o que quer dizer, e que cantam cânticos mal traduzidos e ungidos de cancioneiros importados há século e meio da terra dos pioneiros puritanos anglo-saxões. Puritanismo, sim, mas vamo lá, a gente aqui tá mais pra preto mesmo, não tem jeito. Se não rebola embola, não embola, embala os ombros. Dá de ombros e segue em frente que aqui do lado abriu  mais uma igreja. Pois se discorda... ou se zanga por causa de discrepâncias em balanços muito crente funda sua própria igreja pois para ascender aos céus é preciso pertencer a uma igreja, nem que seja a própria, o ego inflado, pois é por ele que elas se distinguem - que não lhe falta magnetismo, carisma, o dom de iludir... E o godspell, ó, ficou lá nas origens e nego nem sabe o que isso vem a querer dizer.

Por outro lado Aldous Huxley, que em Filosofia Perene, A Eminência Parda e Os Demônios de Loudon estudou a fundo o negócio e concluiu que religião é para quem nunca teve uma experiência espiritual.

Relação direta, íntima, pessoal - como a das igrejas cristãs "independentes". 

Entre Mim e o Senhor (Brahman / Brâmane - o Terreno Sagrado ou Terreno do Sagrado ou o Todo) não há intermediação porque eu sou parte Dele. Do Todo. De Tudo.

Em seu desvio ideativo vibrou sempre, a bem dizer, exclusiva, a nota étnica - isso e aquilo - para o entendimento do fenômeno Canudos seria necessário um olhar isento, nem cristão nem ateu-materialista à la ideólogos marxistas de antes da queda do Muro.

Entre mim e eu mesmo. Self. Myself.

O Conselheiro não tinha - porque não quis ou porque não tinha condições de sequer sonhar com - um projeto de poder. Cícero já estava encastelado em Joazeiro e uma mão leva a outra o milagre da beata foi o trampolim para o seu.

charada moralista 

princípios cheios de vazio

hipocrisia e preconceitos mortais.

tudo é questão de ter ou não Deus em sua vida. Em que Deus é um conceito vazio. Um tampão. Um emplastro. Mais um produto pronto a servir para quem precisa como de pão para a boca de um pouco de LUZ em sua vida.

- E sem Deus, como é? 

- Aí, vai querer o quê?!

Assim era e é o povo do sertão.

São Bernardo, Graciliano Ramos, coronel Paulo Honório aos 18 anos

 

e estive de molho, pubo, três anos, nove meses e quinze dias na cadeia, onde aprendi leitura com o Joaquim sapateiro, que tinha uma bíblia miúda, dos protestantes.

O país em transição de uma sociedade arcaica e rural para uma sociedade moderna e de massas dá no mesmo, porque com bíblia ou sem ela o povo lá vai aprendendo a ler - mas, e o analfabetismo funcional, em que ficamos?

     Comunista, materialista. Bonito casamento. (...) Que haveria nas palestras? Reformas osiciais ou coisa pior. Mulher sem religião é capaz de tudo.

      São Bernardo - Graciliano Ramos

Sebastianismo: mitos medievais recorrentes no Nordeste. No Brasil. Ou o messianismo político. Econômico. Social.

Até muito de recente totalmente Isolada do litoral e de suas influências, aferrada às tradições mais remotas, a religiosidade sertaneja teria estacionado, segundo estudiosos, num estágio de vivência primordial, ligada à tradição bíblica e a um beatismo extremado, gerando um messianismo endêmico que sempre fez perambular pelos sertões hordas de propagandistas da fé. E que não raro leva ao fanatismo. Algo a não estranhar se já em 1989, com o país à beira do caos econômico com uma inflação de 50% ao mês, um grande empresário garantia que somente uma guerra santa liderada por um herói com determinação resgatará a nação de todos os males. Investia na eleição à presidência de Fernando Collor de Melo. 

Viu-se nos anos 1980 como crises econômicas e políticas intensificam a religiosidade, a busca de identidade pessoal em meio ao caos, de saída do anonimato nem que seja no templo ou na comunidade eclesial em tempos de celebridades de 15-minutos-de-fama; sem acesso a serviços de saúde, a benção da cura; assim experimenta-se uma qualquer forma de um suposto contato com o sagrado.

Messianismo político e o mais na morte de Tancredo Neves a 21 de abril como Tiradentes o mártir da pátria. O que foi aquilo. Fenômeno político? Religioso?

 Tancredo padroeiro. O pedagogo Paulo Freire entedia o messianismo mais como fenômeno político que religioso.

Num país que sempre alimentou uma visão beata dos ciclos econômicos – doença e morte de Tancredo foram tratadas como um transe de santidade. Getúlio Vargas foi pro céu como um santo popular e agora nos aprestamos a Eleger um semideus capaz de resolver todos os problemas do país e nos levar de volta ao paraíso perdido, aos anos dourados JK, aos de Getúlio, o pai dos pobres. Leonel Brizola tenta manipular dois dos mais comuns mitos da política: o do salvador e o do complô. Trata-se de um messianismo que pode ter raízes em sua formação protestante mas certamente também se alimenta na tradição caudilhesca e positivista gaúcha, encarnada por figuras como Júlio de Castilhos e Getúlio. Positivismo e sebastianismo de mãos dadas?! Lula representa o imaginário da Revolução Redentora da Classe Operária. O Santo Guerreiro contra o Dragão dos Marajás - escreveram em resumo Muniz Sodré e Francisco Antônio Dória em paper publicado a 9 de abril de 1989 no caderno Ideias do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro.  

ABC da Greve: caráter messiânico de Lula em ascensão

ABC da Greve – Leon Hirzsman – Lúcia Nagib in Folha de São Paulo 1991: hoje é cristalina a confusão ideológica que animava essas massas (Estádio Euclides, S. Bernardo do Campo, 1979, no auge da greve dos metalúrgicos do ABC e do processo que levou à fundação do Partido dos Trabalhadores) e o caráter mais messiânico que político de Lula em ascensão – o que fica patente na faixa em que o retrato do líder sindical aparece ao lado de J. Cristo.

Luís Buñuel definiu o fanatismo como um lugar ‘onde cada um se agarra com força e intransigência à sua parcela de verdade, prestes a matar ou morrer por ela’. E matando e morrendo por ela, como se vê. A religiosidade extrema dos tempos continua intacta, alimentada pela miséria (ou miserabilismo psicoelementar) e pela desesperança. Vê-se Canudos pelo canudo de seu aspecto trágico e como metáfora do país, da luta política dos anos 1960, do tráfico dos morros, da miséria. "Somos ecos imprecisos do que for preciso". Doces Bárbaros. 1976. 

Três instantâneos:

                    Os Fuzis longa-metragem de Ruy Guerra filmado em Milagres, na antiga região diamantífera da Bahia: resignação do povo cujo único ofício é rezar e segue uma espécie de Antônio Conselheiro ou Padre Cícero local; 

                    Corisco X Antônio das Mortes ou vice-versa – sem-terra desesperamento e beato louco – quem é Deus e quem é o Diabo – Lampião, Antônio Conselheiro... entrevê a Igreja Universal do Reino de Deus, qualquer coisa, no sertão, entre carregar pedras na cabeça e dar tudo o que tem para a I U R D e depois não se arrepender de ter dado e ficado depenado, mas por não ter recebido... a Graça.

Música... Literatura... Cangaço...

* A triste e triste história de Antônio Conselheiro e Joana Imaginária *

Penitência, miséria urbana e misticismo trágico continuam comendo solto nas periferias. 

Terceiro instantâneo, Jenipapo, de Monique Gardenberg, que lamuria-se do catolicismo pesado da infância na Bahia.

Longe do centro do poder temporal e da repressão católica, por exemplo, o pentecostalismo, mais afeito também à pregação evangélica, encontrou pasto fértil em terreno em que o verde ressurge como por milagre logo após um aguaceiro, como registrou Euclides da Cunha. 

A religiosidade sertaneja é vinculada a uma vivência religiosa primordial, ligada à tradição bíblica, feita de forma imediata, sem mediações - mas não é Definido o que seja religião sertaneja e catolicismo brasileiro ou cristianismo brasileiro.

Soldados e combatentes do arraial de Canudos são idênticos na origem regional, na fala, muitas vezes no vestuário. Sua religiosidade era a mesma. Criados ouvindo lendas sobre milagres do Conselheiro, soldados do Norte tinham as mesmas crendices dos jagunços. E se abatiam só de sentir de longe a fé que movia aqueles renegados, fé cega, faca amolada, crentes que como previra seu Santo Antônio A Besta chegara para lhes dar a vida eterna, trucidando-os.

Para o autor de Sertão das Memórias narrativas bíblicas são a melhor chave para entender a vida do sertão, o fenômeno do líder messiânico Antônio Conselheiro e a matriz mística de esquerda do Nordeste das Ligas Camponesas.

Em lançando à terra, dá - o espiritismo, fenômeno que só assumiu proporções de massa no Brasil. Zé Arigó (1921-1971 – Congonhas do Campo, Minas Gerais), medium, nem o primeiro grau completo e falava alemão, não sabia nem rudimentos de primeiros socorros e fazia cirurgias completas, como extirpar tumores, sem anestesia ou assepsia, através do Dr. Fritz, médico alemão morto na I Guerra que, para os espíritas, usa o seu corpo para se materializar e curar pessoas. Realiza milhares de curas. Duas vezes preso sob acusação de exercício ilegal da medicina foi solto por JK, médico que teve filha curada por Arigó. JK era crente muito fervoroso. Em princípios espirituais e/ou religiosos como em metas econômicas ou as que fosse. E foi um dos múltiplos polos concomitantes de grandes revelações de riquezas insuspeitáveis - bossa nova, cinema novo, artes móveis do escambau. Um milagre em si mesmo, visto à distância de meio século em que o Brasil chegou a mal se reconhecer.

Arigó curandeiro; Chico Xavier medium

Livros espíritas vendem tanto ou mais que Paulo Coelho, outro fenômeno. E Chico Xavier, 400 títulos psicografados escritos ‘de olhos fechados’ – Foram os espíritos, dizia. Vendeu mais de 20 milhões de exemplares e doou todos os diretos a instituições de caridade. Morreu em 2003 aos 92 anos de idade, sempre em Minas Gerais, entre Pedro Leopoldo e Uberaba.

Catolicismo  umbanda umbanda espiritismo - que outro espaço geográfico produziria um tal amálgama?

Se deu para quase morrer de susto pouco mais passava da Descoberta do Brasil, o catolicismo popular de raiz pentecostal grassou nos sertões de lés a lés da América de cá,como dizem eles. E o protestantismo com fortes marcas de seus propagadores mas sem a Graça dos negros do Sul do algodão veio a reboque. No Nordeste, claro, misturado ao atavismo popular em que Euclides da Cunha se doutorou. Eis ali então um pasto fértil sobretudo para ramo neopentecostal. Em guerra aberta com espiritismo umbanda...  

O crescente fenômeno pentecostal e carismático, em tempos de indignação política e ética, provocou uma reação espontânea de seguidores remotos do Padre Ibiapina de que também falou Euclides com a Teologia da Libertação em que padres desbatinados pareciam o Che frente a pobreza nas florestas da América Latrina.

Que para os da nova Contra-Reforma carismáticos, na cola dos pentecostais e neoquejandos começa na emoção pelos pobres para levá-los à própria emoção – uma religiosidade voltada para a emoção de pertencer ao Espírito Santo – as múltiplas manifestações dos muitos dons distribuídos a todos os ‘crentes’.

Ao contrário do que acontece nas igrejas históricas, ‘não é a tradição que os reúne, é a vontade de proclamar suas emoções’.

A relação entre os pobres e o Espírito Santo expressa bem essa relação de poderosa unidade com o transcendente na imanência do dia-a-dia dos menos favorecidos, o ‘falar línguas, o canto, a palavra livre, a ‘cura divina’, a ‘libertação’ pela expulsão de demônios, a oferta liberal – todo o ritual dos vários cultos diários em templos sempre repletos expressam as muitas formas de uma  emoção que ultrapassa o espaço religioso e penetra a realidade cotidiana.

EXORC ISMUS

E aí o pentecostalismo tradicional protestante quadruplicou entre 1960-1985 predominantemente entre população mais pobre, não fogo de palha mas insurreição permanente. Não do ponto de vista revolucionário, trotskista, mas em termos de tornar aceitável o inaceitável: a resignação. Uma linha permanente que Canudos - por uma série de conjunções - quebra. De espanto.

O pentecostalismo chega ao Brasil 1910 ou 1911 pela boca dos missionários desde os tempos de pregadores de feira como Conselheiro e nos anos 1930 ainda não era motivo de preocupação das igrejas protestantes (luteranos, batistas, presbiterianos, metodistas, entre os que mais). Em poucas décadas ultrapassa-as, introduz componentes perdidos em outras expressões religiosas – certa intimidade com o transcendente ou sinais de novas formas de solidariedade entre pobres e marginalizados.

Fé, pobreza e religião deram pano para manga e colete no III Mundo.

IURD? Igreja Universal do Reino de Deus. E o que é isso?! – milagres, dízimo, exorcismos, conflitos com a Igreja católica, a penetração no espaço público (participação politica e império da mídia). 

Exorcismo E escândalos sem fim.  

Disse um delegado de polícia sobre Edir Macedo em 1989:

Ele tem uma personalidade psicopática, sociopática, amoral, própria dos estelionatários.

O primeiro inquérito policial contra o dono da Universal foi instaurado em 1988, quando ele já possuía um império espalhado em três continentes construído em doze anos. Em 1976, aos 32 anos, o ex-devoto do catolicismo e da umbanda funda a IURD em Del Castilho, coração da Zona Norte do Rio de Janeiro. 

Mórmons e batistas do Sul querem estabelecer uma teocracia nos EUA e se possível em toda a Terra – recriar com Deus, de parceria, um reino dos céus na Terra, expressão mais extremada do chauvinismo religioso, que até por isso mesmo tem o Islã como O Inimigo. O Brasil bem que tem cacife para um dia assumir a vanguarda dessa guerra santa. 

O misticismo no Nordeste, como ensinou Euclides da Cunha, é outra herança indelével dos colonizadores – amor ao Cristo crucificado e agonizante, submissão, sofrimento, 

dos colonizadores – amor ao Cristo crucificado e agonizante, submissão, sofrimento, negação do prazer, promessa do paraíso a desterrados, párias, nega a desterrados, párias,

 desterrados, párias, negação da sociedade vigente sem rebeldia. Construção da utopia interior. Sem interior. Sem interior. Brahman (Brâmane) não mora aqui. O misticismo no Nordeste viveu mais um (o quarto) século como o descreveu Euclides da Cunha e lá sete milhões de pessoas dobraram o milênio sem luz. Sem Luz.

Sarabanda: Santo Ofício e xamanismo

Litoral do Brasil no século XVI

Visitações do inquisidor de quando em vez para recolher confissões passíveis de punição no tribunal do Santo Ofício: judaísmo, sodomia, bestialidade, canibalismo, blasfêmia, bigamia e heresia. Os acusados eram mandados para Lisboa. D. João III instituiu a Inquisição portuguesa em 1536.

1591. Uma curiosa heresia, a da ‘Santidade’, praticada por mamelucos e índios no sertão. A seita tinha um ‘papa’ índio que nomeava ‘santos’ e ‘bispos’ entre seguidores que adoravam uma imagem de pedra. O fazendeiro que abrigou os hereges não foi condenado. - Confissões da Bahia, Ronaldo Vainfas

E contra um catolicismo relaxado, o missionarismo militante – pela Bíblia, sem intermediários, vinga em terra em que o verde brota de onde menos se espera. Por milagre da natureza? De quem?

Disse o vaqueiro Manuelzão, amigo e personagem de Guimaraes Rosa: a gente tem fé porque nos ensinaram que Deus existe – e só se Deus não existisse é que tudo seria permitido...

A sedução das seitas evangélicas e sua proliferação em pasto tão fértil de inguinorãça dê por onde der explica-se pela forte atração pela catarse das assembléias e liturgias coletivas e/ou eletrônicas, pelas supostas curas em massa, pela possibilidade de experimentar inebriantes sensações de ÊXTASE E GOZO que pareciam reservados apenas aos GRANDES MÍSTICOS como Santa Teresa D’Avila, São João da Cruz e outros de que nêgo nem ouviu falar.

Igrejas cristãs tradicionais estão há muito sem potencial de SEDUÇÃO ou de transporte do DESEJO que habita o ser humano e que busca expressar-se na experiência religiosa em forma de ÊXTASE, LOUVOR, CÂNTICO, FESTA, CELEBRAÇÃO

de  A SOCIOLOGIA D'OS SERTÕES Adelino Brandão Artium Rio de Janeiro 1996

de Os Sertões

O vaqueiro (...) criou-se em uma intermitência, raro perturbada, de horas felizes e horas crueis, de abastanças e misérias - e tendo sobre a cabeça, como ameaça perene, o sol, arrastando de envolta no volver das estações, períodos sucessivos de devastações e desgraças.

(...)

[climatologia & ]

Além disto, Buckle admitia que a energia e regularidade no desempenho do trabalho dependiam, exclusivamente, da influência do clima. Em regiões de calor intenso, o homem se mostraria indisposto e parcialmente incapaz para o trabalho.

Ao analisar em Os Sertões o papel do meio físico da Amazônia sobre os naturais ou habitantes da Região Norte, o autor registra que:

(...) A seleção natural, em tal meio, opera-se à custa de compromissos graves com as funções centrais do cérebro, numa progressão inversa prejudicialíssima entre o desenvolvimento intelectual e o físico, firmando inexoravelmente a vitória das expansões instintivas e visando o ideal de uma adaptação que tem, como consequências únicas, a máxima energia orgânica, a mínima fortaleza moral. A aclimação traduz uma evolução regressiva. O tipo desaparece num esvaecimento contínuo, que se lhe transmite à descendência até à extinção total.

Na região nordestina, (...)

Perfeita tradução moral dos agentes físicos da sua terra, o sertanejo do norte teve uma árdua aprendizagem de reveses. Afez-se, cede, a encontrá-los, de chofre, e a reagir de pronto.

(...)

Buckle (...) Nas terras meridionais o trabalho regular seria impedido pelo calor. O sociólogo britânico chega ao exagero ao negar as possibilidades de desenvolvimento para o Brasil, sobre o qual se estende por seis longas páginas, com interesse incomum.

Euclides da Cunha (...) admite (...) que o problema de Canudos poderia ser resolvido se uma estradxa houvesse sido construída, ligando o litoral ao interior, o que interferiria na natureza nordestina.

(...)

posteriormente, em À Margem da História (um clima caluniado), apos ter viajado pela Amazônia (Relatório do Rio Purus), retifica-a, mostrando o "milagre" da civilização em Manaus e Belém, concluindo que tudo se reduz a uma questão de política social e controle do meio físico: saneamento, estradas, retificação de rios, profilaxia, escolas, proteção ao trabalhador dos seringais.

No que se refere aos Aspectos Gerais da Natureza, observa Buckle: 

(...) Em face dos fenômenos naturais, tudo aquilo que inspirasse terror, que fosse vago, incontrolável, de grande maravilha, tenderia a levar a imaginação para o caminho da imaginação inflamada, com prejuízo dos processos intelectuais.

(...)

(...) Buckle argumenta neste sentido (quando a Natureza exibisse, continuadamente, o seu poder, o homem se sentiria inferior, assumindo, então, uma atitude de desamparo, cessando de indagar e pensar), lembrando que todas as religiões antigas surgiram nas zonas tropicais ou sub-tropicais, pois nestas regiões, sendo a natureza hostil ao homem, ocorrem terremotos, tempestades, tufões, pestes. No caso do nordeste brasileiro, a seca.

Em consequência, a imaginação assume formas exageradas, a capacidade de julgamento é desequilibrada, paralisado o pensamento. A mente se vê, continudamente, lançada em estados frenéticos. Seria o caso do messianismo jagunço?

 Seria o caso do messianismo jagunço?

(...)

Euclides parece assumir ponto de vista idêntico ao descrever e explicar a psicologia do sertanejo retratando-lhe os costumes religiosos tradicionais:

O homem dos sertões - pelo que esboçamos -, mais do que qualquer um outro, está em função imediata da terra. É uma variável dependente no jogar dos elementos. Da consciência da fraqueza para os debelar resulta, mais forte, este apelar constante para o maravilhoso, esta condição inferior de pupilo estúpido da divindade. Em paragens mais remansadas, a necessidade de uma tutela sobrenatural não seria tão imperiosa. Ali, porém, as tendências naturais como que se acolchetam às vicissitudes externas e deste entrelaçamento resulta, copiando o contraste que observamos entre a exaltação impulsiva e a apatia enervadora da atividade, a indiferença fatalista pelo futuro e a exaltação religiosa. (...)

     Por isto, como um palimpsesto, a consciência imperfeita dos matutos revela nas quadras agitadas, rompendo dentre os ideais belíssimos do catolicismo incompreendido, todos os estigmas de estádio inferior.

EUCLIDES EM OS SERTÕES E DOMINGO SARMIENTO EM FACUNDO

Da mesma forma, em toda a primeira parte de seu livro, Euclides desnuda a Terra ignota, o sertão baiano: os sertões do nordeste, o deserto de Canudos, caatinga, rios que não são rios, salvo em certas épocas do ano, ao chover, flora, fauna, clima, rochas, o fenômeno das secas com os "ciclos regulares", previsíveis pela sabedoria popular, tradicional e anônima da gente sertaneja, serras e montes em oposição ao mar, ao Atlântico, ao litoral, com sua "civilização de empréstimo" e "mestiços neurastênicos", divergentes dos habitantes da região do rio São Francisco, "a raça forte e antiga" do interior semi-árido, em torno do Vaza-Barris.

Verdadeiro ensaio de Geografia Física., humana e regional, tratado de Geografia Comparada

(...)

o que há a combater e a debelar nos sertões do Norte - é o deserto

ali, o martírio do homem - reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a economia geral da Vida - Nasce do martírio secular da Terra...

Sendo assim, corrigida a terra, ter-se-á reduzido o gravame climático, salvo o homem pela subjugação do deserto , tornado fértil pela vitória sobre as secas. Neste caso, desaparecerão as causas que contribuem para a formação dos processos conflitivos que levaram ao fenômeno de Canudos, com a pobreza, ignorância, isolamento e desorganização sociais, beatos e cangaceiros, superstições e fanatismos, messianismo e sofrimentos às mãos dos espoliadores, crimes políticos, atraso, destruição...

(...)

 

sua meta é explicar tudo tim-tim por tim-tim, em termos positivos, isto é, científicos e racionais

Depois de séculos observando as condições do clima os sertanejos concluíram que se a chuva cair até 19 de março (Dia de São José) haverá água suficiente para suas plantações.

Gilberto Gil - Procissão

Meu divino São José

Aqui estou em vossos pés

Dai-nos chuva com abundância

Meu Jesus de Nazaré...

 

Olha lá vai passando a procissão

Se arrastando que nem cobra pelo chão

As pessoas que nela vão passando

Acreditam nas coisas lá do céu

As mulheres cantando tiram versos

Os homens escutando tiram o chapéu

Eles vivem penando aqui na Terra

Esperando o que Jesus prometeu

 

E Jesus prometeu vida melhor

Pra quem vive nesse mundo sem amor

Só depois de entregar o corpo ao chão

Só depois de morrer neste sertão

Eu também tô do lado de Jesus

Só que acho que ele se esqueceu

De dizer que na Terra a gente tem

De arranjar um jeitinho pra viver

 

Muita gente se arvora a ser Deus

E promete tanta coisa pro sertão

Que vai dar um vestido pra Maria

E promete um roçado pro João

Entra ano, sai ano, e nada vem

Meu sertão continua ao deus-dará

Mas se existe Jesus no firmamento

Cá na Terra isto tem que se acabar.

 

1989: um dos 18 irmãos de Lula, Luís Inácio da Silva, o pastor Beto, por parte do pai, em Itanhaém, São Paulo, lidera a Igreja do Evangelho Quadrangular - pentecostal.

Seitas e milenarismo - uma explicação para atração do público de mais baixa renda: seitas falam em período de paz após desastres do Apocalipse para atrair pessoas que têm como fantasia uma vida melhor. É a realização da fantasia de uma era sem dor, carência, e onde todos os que se salvarem serão iguais  

Mas nunca aqui

Em 1990 já havia 500 seitas em Belo Horizonte – mas 2010 afora em qualquer cidade brotam muito mais igrejas que padarias em cada esquina. A proporção chega a ser de uma dezena de igrejas para uma padaria. E o pão de Deuses é revelado muitas vezes na mesma esquina onde antes saía o do português, que nunca foi dos deuses.

Seitas: de autênticos trusts a microsseitas.

1989: Igreja do Deus Vivo fundada por um casal. Casal se separa e ela funda a Do Deus Vivo Primitiva. 

Do Deus de Israel...  

MAFIA EVANGÉLICA

Uma rua em São Paulo foi apelidada ‘da máfia evangélica’ por líderes evangélicos tradicionais. ... acaba por fundar sua própria igreja pois para ascender aos céus é preciso pertencer a uma igreja, nem que seja a própria, o ego inflado, pois é por ele que elas se distinguem - que não lhe falta magnetismo, carisma, o dom de iludir...

Em certas regiões urbanas chega-se a contar quatro "igrejas" (muitas ex-padarias ou ex-cineteatros) por quadra ou quarteirão. Na proporção de uma igreja católica a cada dúzia de igrejinhas ditas evangélicas.

Há quem chegue a se apresentar como o próprio Messias: Vocês adoram cópias de madeira e de papel quando na verdade eu estou aqui em pessoa.

Censos e religiões evangélicas - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: em 1980 eram seguidas por 8 milhões ou 6% da população. Em  1950 eram 1,7 milhão ou 3% da população.

Calcula-se em 30 milhões (mas não se sabe ao certo de com certeza) o número de adeptos de igrejas evangélicas, entre protestantes ditas "históricas", pentecostais e neo-pentecostais, no Brasil.

A propagação em ritmo acelerado, como cogumelos, dessas igrejas - que parecem agregar muito mais que isso - produziu fenômeno análogo ao do ensino superior em geral, que olhando só ao organograma curricular a ser cumprido para a concessão do canudo, indispensável para qualquer um obter uma "colocação" na vida, criou também na área da teologia um fantástico parque industrial de diplomas que se tornaram conditio sine qua non para qualquer pé-de-chinelo ou bicho careta se arvorar a pastor de coisa alguma, pois que o mais das vezes mal tem condições de interpretar a palavra literal - em linguagem rebuscada, como é a das traduções da Bíblia que servem de modelo às edições recentes - quanto mais tomar o Verbo e tentar dele extrair o ensinamento para uma eventual missão transcendental, como deveria ser a da difusão do Espírito da coisa. Que de qualquer modo é informado de conceitos e preconceitos que estão na base de muitos males da sociedade humana de Oeste a Leste até onde o monoteísmo judaico-cristão que se poderia também dizer incompreensível se propagou.

ou melhor, ou pior, neopentecostais.

Qual a qualidade da sua pregação?

A mesma que Euclides criticava. 

     É ridículo e medonho. Tem o privilégio estranho das bufonerias melodramáticas. As parvoíces saem-lhe da boca trágicas.

     Não traça ante os matutos simples a feição honesta e superior da vida - não a conhece; mas brama em todos os tons contra o pecado; esboça grosseiros quadros de torturas; e espalha sobre o auditório fulminado avalanches de penitências, extravagando largo tempo, em palavrear interminável, fungando as pitadas habituais e engendrando catástrofes, abrindo alternativamente a caixa de rapé e a boceta de Pandora...

O PREGADOR

     E alucina o sertanejo crédulo; alucina-o, deprime-o, perverte-o.

O verbo vazio - porque longe de ser minimamente assimilado pela mole humana iletrada - torna-se uma plataforma dogmática de uma ideologia de tabus cujos parâmetros éticos não implicam em nenhuma transformação dos seres mas quando muito os ajudam a orientar-se no sentido do enquadramento sócioeconômico E político do vale-tudo vivendis. 

Se discorda de um ou outro ou então de muitos preceitos e práticas adotadas pela sua Igreja, que como uma instituição que se preze na roda viva dos acontecimentos e da evolução dos tempos consciente ou inconscientemente atropela princípios e vai de abrir quermesse para aumentar os proventos, que os tempos estão duros, e só não vende álcool e cigarro porque isso seria ir muito além da conta em matéria de violação de tabus e/ou permissividade, consciente ou inconscientemente - fruto também do baixo nível cultural da massa, sem excluir pastores & diáconos - admite orgias elétricas e ritmos com altíssimo teor de sensualidade, como o xote... no tal do coral com acompanhamento gospel, que nem sabem o que significa, o que quer dizer, e que cantam cânticos mal traduzidos e ungidos de cancioneiros importados há século e meio da terra dos pioneiros puritanos anglo-saxões. Puritanismo, sim, mas vamo lá, a gente aqui tá mais pra preto mesmo, não tem jeito. Se não rebola embola, não embola, embala os ombros. Dá de ombros e segue em frente que aqui do lado abriu  mais uma igreja. Pois se discorda... ou se zanga por causa de discrepâncias em balanços muito crente funda sua própria igreja pois para ascender aos céus é preciso pertencer a uma igreja, nem que seja a própria, o ego inflado, pois é por ele que elas se distinguem - que não lhe falta magnetismo, carisma, o dom de iludir... E o godspell, ó, ficou lá nas origens e nego nem sabe o que isso vem a querer dizer.

Templos de Guerra, sem Paz, Luz, Contemplação.

Em que se aceita tudo sem se interrogar porque não se tem a mínima ideia de como fazê-lo e gospel é gospel (música nefanda) e nem se imagina que gospel é godspell

o que UM deus soletrou

Trovejante

 

 

                                       

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