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                                                                                                                                                                                      fotos Júlio Gomes

é um redondo vocábulo milho verde e papaia

                

José Afonso por ele mesmo em entrevista feita a 12 de novembro e publicada na revista Cinéfilo a 22-28 NOVEMBRO 1973

a propósito da publicação do LP Venham mais cinco                 

CRIAÇÃO - Antonio-Pedro Vasconcelos (A.-P.V.) pergunta  a Z.A. (Zeca Afonso)

     

 

FADO DE COIMBRA

                                                  
  

canção engagée

   

 África e Brasil em José Afonso - a propósito da participação de Yorio Gonçalves em Venham mais cinco

em ficha técnica do disco: Composed by (Guitar parts), Guitar Yório Gonçalves e sua participação no

Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro - FIC

     

  
   

José Afonso viveu dos três aos oito anos em Angola e o ano seguinte em Moçambique,

onde foi professor do ensino médio em Lourenço Marques (Maputo) entre 1964 e 1967

     

José Afonso

                                em


José Afonso em Londres

João Saavedra, uma das duas notórias vozes mais encorpadas da secção portuguesa da BBC, recebe no seu apartamento de basement de Chelsea, com jardim condominial nos fundos, o cantor português José Afonso, em Londres para gravar um disco, e convida um pequeno grupo de amigos a que os brazucas se juntam à última hora. Até aqui não tinham sequer ouvido falar do cantor e compositor português e ficam impressionados com a simplicidade do homem, que não parece nem de longe um artista e que ao que lhes dizem até há pouco foi professor de liceu, mais as baladas que ouvem numa fita Ampex que trouxe debaixo do braço, que lhes fazem lembrar Bob Dylan do início da carreira, embora as músicas de um e do outro não tenham nenhum parentesco. Quando Zeca, como é tratado, fala, não para de coçar os braços cobertos pelas mangas da camisa de flanela enxadrezada. Os brasileiros fazem-no lembrar-se de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que conheceu há menos de um ano em Lisboa. Telefona-lhes e sugere-lhes que o acompanhem a Notting Hill Gate. Mais uma cortina que se abre em Londres, esta sobre a trupe de tropicalistas exilados compulsórios ou voluntários, entre músicos, poetas, cineastas e pintores que, entre idas e vindas, frequentam o local.

 Vão de tube pela linha amarela.


RESISTÊNCIA CULTURAL

Num ou noutro exemplo de obra mais bem conseguida o novo cinema português integra, como alguns programas de rádio, um ou outro raríssimo programa de TV, como no caso de António Vitorino de Almeida – um fenómeno de comunicação revelado no Zip -, a ‘nova música portuguesa’ de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira e o Grupo dos Quatro, a Casa da Comédia, os Bonecreiros, a Comuna e uma quantidade razoável de trupes amadoras no teatro, a ponta-de-lança da resistência cultural, o universo semiclandestino das células culturais de resistência à mão-de-ferro.

....

A música popular dá uns vagidos com a chamada nova música portuguesa, quase toda má descendente da nouvelle chanson, com a excepção de um ou dois discos de Adriano Correia de Oliveira, da obra irregular, na periodicidade, de José Afonso e de uma ou outra revelação como a dos angolanos Fausto e Ruy Mingas, dois outros raros mestres de vozes naturais. Que já fazem música angolana, no entanto, pelo idioma.


Milho verde

Num jantar em casa de J.P.R., entre um e outro copo de tintol de Serpa, Guilherme Araújo faz questão de ouvir o último LP de José Afonso.

- Estamos a escolher reportório para o próximo disco da Gal e quem sabe não extraímos alguma coisa daqui.

- Ela vai gravar essa! – decreta enquanto ainda ouve Milho Verde, uma canção tradicional adaptada pelo mestre baladeiro com arranjo de José Mário Branco. A coisa tende a ficar por isso mesmo mas qual não é a surpresa quando meses depois começa-se a divulgar o reportório do disco, cuja campanha promocional acaba por ser facilitada pela proibição da exibição da capa, que mostra ventre e quadris da cantora (des)cobertos por uma tanguinha de índia, India sendo o título do disco. E lá está Milho Verde com arranjo de guitarras e percussão de Gilberto Gil.


Maio de 1973: Zecafonso em Caxias

Ele está livre mas Zecafonso lá fica em Caxias, como depressa se saberá de viva voz da temerária e fiel Zélia, que desdobra-se em visitas às redacções para recolher assinaturas para um pedido de libertação do marido. Diz que de nervoso o homem nem come, está quase afónico, queixa-se de dores nas costas, mal crónico agravado em prisões anteriores e nem agradece a solidariedade que pela primeira vez Ed sente também como obrigação cedida de forma assaz diferente de esmola, a cabeça bem atrás do coração estufado de orgulho por estar entre os melhores – e ora o caraças, com o Bob Dylan português -, mesmo não sendo um deles, sem medir consequências, e se as houver pior para elas.

Passa-se o 1º de Maio e mais uns dias e após um mês de prisão é a vez de Zeca agradecer aos que o apoiaram em ronda pelas redacções. Os tiques nervosos acentuados. Mantém-se de pé, como sempre de braços cruzados. Pisca muito os olhos atrás dos óculos grossos enquanto fala em tom quase inaudível e ritmo acelerado, ora e vez passa indicadores e polegares nos lóbulos ou as mãos no cachaço antes de ajeitar os óculos no nariz. À noite vai-se ao cinema. Zeca mora em Setúbal e aproveita as idas a Lisboa para se actualizar com o que se passa. O filme não lhe agrada, pois antes do intervalo sai e não volta. Está no lobby a espreitar o movimento da rua.

- Não estás a gostar do filme? - Bom, o filme não é lá grande coisa, mas não é isso, pá. É que depois de um mês de cela custa-me muito ficar fechado – e comprime os braços contra o tronco. – Sinto-me sufocado em espaços fechados. A prisão aumenta a minha claustrofobia.

Não se pensa sequer em entrevista com José Afonso porque seria proibida. Metade das faixas do seu último LP, Cantigas de Maio, está proibida. Cabelos quase grisalhos com duas grandes entradas frontais, camisa xadrês de flanela e calças de terilene, vive uma espécie de clandestinidade, como se no anonimato. Mas em muitas casas não há reunião em que não se ouça os seus poucos discos e Filhos da Madrugada, do primeiro depois que deixou de cantar fados de Coimbra, espécie de hino da resistência. Deixou de dar aulas de português em liceus, a sua profissão formal, e sobrevive com o dinheiro dos contratos com a etiqueta Orfeu, da Editora Arnaldo Trindade, do Porto - que nem se dá ao trabalho de projectar gastos em campanhas promocionais, inúteis e desnecessárias, porque os textos poderiam até ser apreendidos como material de propaganda clandestina e, na melhor tradição política, a divulgação do seu trabalho é feita boca-a-boca -, de eventuais cachets simbólicos que receberá por uma ou outra das actuações quase clandestinas em sindicatos e colectividades de cultura e recreio e do salário de professora de Zélia.


7 MESES DEPOIS ENTREVISTA A 3/4

Trabalhar assim, em conjunto, sobre temas e artistas de eleição, como numa entrevista a quatro feita em turnos revezados a José Afonso após o concerto de Dizzy Gillespie no Cascais Jazz, é pura diversão, uma noite americana no Outono lisboeta antes da estação que o próprio Cinéfilo augura que não seja o Inverno do nosso descontentamento. Vivam as citações, que é delas que se vive afinal. Um Inverno do regime vivido sob o signo da prospecção de todas as formas possíveis de viver e divulgar a grande arte.


29 de Março de 1974

A 29 de março realiza-se o I Encontro da Música Portuguesa, a primeira grande reunião de proscritos da chamada nova música portuguesa, coroada de ineditismo também pela presença de José Afonso: não há memória de uma actuação do autor de Os Vampiros (eles comem tudo e não deixam nada) numa grande casa de espectáculos, e causa estranheza que não tenha mais uma vez sido proibido de actuar. Sobretudo por isto, por uma vez sem exemplo o Coliseu dos Recreios fica abarrotado de um tipo de público diferente do habitual em espectáculos musicais da casa, em clima de mega-comício político clandestino. No fundo da imensa retrocena do palco italiano, entre artistas, jornalistas, padres à paisana e pides, Edgar Lessa acaba por sentar-se a tamborilar num bongô ao lado do adaptador de Milho Verde, que dispara:

- Ouve cá. Sabes fazer a marcação do arranjo do Gilberto Gil de Milho Verde?

O coração acelera.

- Sei. Deixa cá ver.

Tum-tu-tu-ru-tu-tum – tam, tam Tum-tu-tu-ru-tu-tum – tam, tam - mostra.

- Então, anda comigo quando eu entrar em cena, porque é a primeira música que vou cantar - convida o informalíssimo número um da resistência antifascista portuguesa, seja qual for a importância dos líderes políticos no exílio. Nervosíssimo Ed pisa pela primeira vez a boca de uma grande cena, mas logo se acalma porque está a abarrotar de convidados do bardo, e é como se ali não esteja, atrás deles todos. Concentrado nos tambores para não errar a marcação repetitiva, não vê nem ouve nada.


00:15h. de 25 de Abril de 1974 nos estúdios da Rádio Renascença

Noite de 24 para 25 de Abril, de serviço entre dez da noite e uma da manhã, quando mais uma ‘manha’ dos noticiaristas – ou só de alguns, que entre os que trabalham no RCP e na RR costumam dividir os noticiários em dois blocos, entre a inserção do spot Beba Sagres, a sede que se deseja, um com informações pontuais de factos de política internacional (nacional, porque censuradas, ou apenas de cunho promocional-propagandístico, quase não se dá) e, antes ou depois, assuntos de algum modo associáveis à ordem política e social portuguesa, mesmo que, como em relação ao Caso Watergate, não directamente conotáveis/conectáveis, quase sempre o que a censura deixa passar de acontecimentos noutros países sob ditadura, como Chile, Grécia, Espanha e Brasil - já foi descoberta pelos ‘peritos’ da censura. Descoberto o estratagema, os censores fazem saber ao chefe do Serviço que passarão a embaralhar as notícias. António e Ed decidiram num jantar que se é assim o melhor é dar as mesmas notícias ao longo de todos os períodos em que trabalharem. Por acordo tácito entre a meia dúzia de noticiaristas dos quadros da RR as notícias oficiais e oficiosas da vida política portuguesa – pronunciamentos do primeiro-ministro Marcelo Caetano ou corta-fitas de Thomaz - são dadas apenas no jornal do meio-dia e meia pelo mesmo jornalista, a quem o expediente cai como uma luva pelos seus incontáveis afazeres. O trabalho do turno na RR acaba por tomar-lhe apenas uma hora – porque nada do que veicula importa realmente.

Ed escreve o seu primeiro e único noticiário porque após três meses de preparativos finalmente começa a funcionar o serviço oficial de censura interna, que neste período inaugural de cortafitas cabe ao próprio chefe dos esbirros, que o endossa já ‘embaralhado’ para ler às onze horas, meia-noite e uma da manhã. Sem mais o que fazer, entretanto, até porque a cena passa-se não ao lado do seu gabinete mas em plena parte da sala reservada aos noticiaristas, põe-se a acompanhar uma arenga do censor, muito altivo e cheio da garra de quem começa trabalho novo, ao director comercial da emissora, Albérico Fernandes, que exerce também as funções de conselheiro informal dos profissionais, jornalistas e produtores e realizadores de programas da casa ou independentes, sobre esses assuntos, ou seja, é o censor interno informal. Nota que, contra o que é hábito, desde o início da emissão, à meia-noite, o programa Limite, cujos produtores e realizadores, entre os quais Leite Vasconcelos – também da equipa de noticiaristas – e Carlos Albuquerque, oriundos de Moçambique, são muito criticados pelos poucos radialistas do contra por se terem prestado a substituir um programa proibido e pelo conteúdo anódino das suas emissões, que vão ao ar há dois anos, está a passar apenas as melhores faixas da chamada ‘nova música portuguesa’ e quando lá para a meia-noite e um quarto entra o tema da Gare d’Austerlitz de José Mário Branco, o censor, qual João Metralha, está a disparar uma saraivada de balas sobre os princípios que irão nortear o seu trabalho e o método a adoptar, face a um – só a modos de dizer – interlocutor impossibilitado de emitir sequer um balbucio, estático, de braços cruzados, até que entram os passos no saibro do pátio do Château de Herrouville, em França, incluídos pelo mesmo José Mário Branco no início da versão de José Afonso de Grândola, Vila Morena. - Isto, aqui, por exemplo; há que saber o que querem dizer com isto... Ainda está ele a esboçar um sorriso entre o embaraçado e o cúmplice quando Leite Vasconcelos deixa Ed a modos que atónito ao pôr-se a declamar num estilo de jogos florais ou tom de tertúlia das antigas bem diferente do que lhe é habitual, que é o mais coloquial possível, a primeira quadra da canção tradicional alentejana.


Vejam bem

Ed senta-se no colchonete ao lado da aparelhagem enquanto circula mais uma cónica de haxe e Ziggy Stardust, de David Bowie, está no ar. A faixa acaba e Caio agacha-se para mudar o disco. Pausa na dança e na agitação. Caio pisca-lhe o olho com ar de sacana enquanto extrai da capa o primeiro disco de Zeca Afonso. Ed sente um bringdown do caraças e deve reflectir isso no olhar. Não, tá só a reinar, não será capaz de fazer isso. Ouve-se Dio e Joan a discutir na cozinha. Entra no ar o primeiro disco de Zeca. Quem sabe Caio em onda de despedida da terrinha.

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem...

- QUE CORTEEE!... Ó Caio.. – protesta João Fonseca com ar de profundo sofrimento, a expressá-lo todo, o corte. – Ó Caio, mas o que é que estás praí a fazer?! Ó pá, José Afonso?!!! Tira lá isso, pá! O gordíssimo dono da festa apoia-se numa perna para se pôr de pé e engata discurso:

- Então, vocês querem fazer a revolução, não é mesmo? Pois então, pá, a hora é essa! E o que é que existe de melhor em matéria de música portuguesa? De onde é que vocês vão partir para fazer música moderna? Daqui – e aponta com a mão aberta para cima em leque, a desmunhecar, o ponto de partida do raciocínio, que sobretudo a alguém em ácido não deverá parecer nada lógico -, de José Afonso... Querem partir daonde? De David BOWieee, do pop de alta tecnologia?! Como?! Vocês nem têm aparelhagem para isso!!!... Então, vamos curtir José Afonso. É legal, bicho... Deixa rolar. Sintam, sintam... de onde vocês têm de partir...

E por mais um minuto fica assente que é hora de José Afonso e pronto. Até que a faixa acaba e o próprio Fonseca apressa-se a se agachar e a pôr Frank Zappa. Overnite Sensation.

eBook em PDF AQUI


  22-28 NOVEMBRO 1973



























     6-12 ABRIL 1974










4-11 MAIO 1974




























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as ditas
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