revoluciomnibus.com
ERA UMA VEZ UMA CIDADE - DESCONC/SERTO CARIOCA - JOBINIANA BRAZILIAN BEAT 2020,,,,,,, |
Rio de Janeiro Notorious
. Rio de Janeiro Notorious videoclipQuando Hollywood descobriu Rio de Janeiro e Cinecittà a bossa nova no youtubeQuando Hollywood scoprì Rio e Cinecittà la bossa nova in ITALIANO su youtubeQuand Hollywood découvre Rio e Cinecittà la bossa nova en FRANÇAIS dans youtube
Rio de Janeiro Notorious
. Breathtaking ...... ..... ............... o Rio de Janeiro se despede dos anos dourados. i.carnaval de 1962: o Rio de Janeiro começa a conquistar o mundo agora com a bossa nova após o impacto mundial de Orfeu Negro, o filme, e não Hollywood mas Cinecittà se antecipa ao e participa no estouro mandando o comediógrafo Steno, entre mais dois filmes com Totò, à frente de uma equipe de astros de primeiríssima (Sylva Koscina, Milène Demongeot e Walter Chiari, a que se juntam Tônia Carrero e Doris Monteiro) para filmar o Rio de Janeiro, que continua lindo, e a trinca João Gilberto, Tom Jobim e Luís Bonfá, o autor de Manhã de Carnaval e Quebra-Mar, mote de Recado pro Bonfá, de João Gilberto, na praia do Joá com três gatas, em estupendo intermezzo cujas fotos rodaram o mundo, em Copacabana Palace, o filme, que também inclui um número de João Gilberto e os Cariocas. o Rio de Janeiro se despede dos anos dourados |
e passa a ser Notorious por muita violência
.
...... ........
...........
a favela do Vidigal, onde o Papa Karol Woytilla deixou um caxuxo em 1982, quando ela já ocupava toda a encosta da avenida Oscar Niemeyer vista com zoom e blow up
tours pelas favelas
o guitarrista do Living Colour, Vernon Reid, que esteve no Morro do Vidigal durante o Hollywood Rock
agência de Ipanema lança no mercado turístico um programa de visita ao Morro do Vidigal
Debruçada sobre o mar e com uma das vistas mais bonitas do Rio, a comunidade do Vidigal, povoada por 40 000 habitantes
o passeio anunciado como "uma aventura por entre os casebres coloridos, habitados por uma população afável, ao som de música dançante"
inusitado programa, que custa 34 dólares,
James Anhanguera discorre sobre as mudanças do Rio de Janeiro desde as décadas de 1930 e 40, quando Antonio Carlos Jobim era um garoto de Ipanema e Marques Rebelo publicou A estrela sobe e Stefan Zweig Brasil, País do futuro, década de 1950, quando a bossa nova nasce em boates e apartamentos de Copacabana e na Rua Nascimento Silva, 107, casa de Tom Jobim em Ipanema, e Claude Lévi-Strauss publicou Tristes Tropiques e bossa nova fora - e natureza vilipendiada - Carta ao Tom 74 (Toquinho-Vinícius de Moraes) era uma vez uma cidade e o seu cantor. No berço da bossa nova os compositores placidamente ensinavam a Elizete Cardoso as Canções do Amor Demais; no final da vida de Tom Jobim, na da Nascimento Silva e imediações já só dava para entrar fugindo do pivete tentando apanhar o elevador. Tom Jobim foi um garoto de Ipanema no tempo em que o bairro quase não existia e a praia, do Arpoador ao morro Dois Irmãos, na outra ponta, era um areal branco com cheiro intenso de maresia e toda espécie de vida animal e restos dela na areia. Não, não havia jacarés. Jacaré na época era um tipo de onda que havia no Arpoador, onde o garoto de Ipanema surfava. Por coincidência a vida do compositor e regente parece seguir o roteiro da suite de peças para piano Saudades do Brasil, de Darius Milhaud (1920), da Tijuca a Ipanema e ao Sumaré, o morro ao lado do Corcovado, em cujo sopé, sobre o Jardim Botânico, construiu sua casa. Mudou-se de um lado para o outro da Lagoa Rodrigo de Freitas. Desde 1975, quando lançou o LP Urubu, o Jardim Botânico - que hoje sedia o Instituto Tom Jobim e é o cenário do romance Concerto Carioca, de Antonio Callado (1983) - foi sua sala de entrevistas. Carregava a bossa nova nos ombros na boa e dizia adeus a esse Rio de amor que se perdeu. Uma visão onírica, sim, mas que foi parte essencial da vida de seus contemporâneos que viveram na região, a Zona Sul carioca. Desmaia o sol, ilhas do sul em que os pretos continuam na servidão e se sobrepôs a aridez do cimento sem cara e a miséria em tudo em volta e nas areias pardas de sujeira e quase mortas e a água poluída das praias. A evolução do Rio de Janeiro e do Brasil a partir de impressões pessoais de um carioca da classe de 1954 e de obras de Marques Rebelo, Stefan Zweig, Claude Lévi-Strauss e Antonio Callado e da obra de Antonio Carlos Jobim da capo a coda e outros cantautores brasileiros.
a
ESTreLa SoBE
a partir do romance homônimo de Marques Rebelo (1939) também nas webpages
Algo assim como o sentimento exposto por Tom Jobim em Inútil Paisagem.
Rio de Janeiro causa engulhos a Claude Lévi-Strauss no final dos anos 1930, quando ele descreve cenários sombrios do Brasil um país em que a civilização decai antes de atingir o apogeu
Metais e cordas entram de rompante e decrescem rápido para em begê dar vez a um coro que entoa com garbo quando a encosta do morro Cara de Cão descerra o pano em panorâmica para o Corcovado - que ainda nem tinha nome -, morro da Viúva - que ia levar tempo para nascer - e Santa Teresa - que tinha outro nome.
O barquinho vai, a tardinha cai e o Pão de Açúcar enrubesce, corado do dia luminoso e quente. Visto daquele ângulo parece uma Esfinge, uma Gata Negra Bronzeada estendida ao sol.
O espelho d’água tremeluzente, golfinhos e baleias, a boca banguela que seja - ma che bbeeello escancara os braços Amerigo Vespuccio e desata a folgar
It’s delightful, it’s delicious, it’s de-lovely...
braço dado com Cole Porter que vem de carona na expedição do capitão genovês... e a manhã tropical se inicia.
http://revoluciomnibus.com/M%C3%BAsica%20do%20BR%20K%20Abertura.htm
...... num planeta periférico hoje chamado ‘países emergentes’ em que até o exotismo perdeu a graça, é só sinônimo de miséria e escafedeu-se. O Rio da doçura tá um fel .....
Anos 30 para os 40. A cidade, da fisionomia belle époque nos primeiros 20 anos do século XX, começa a tomar ares de moderna metrópole americana, com pouco do que isso poderia ter de bom e muito do que tem de negativo, mormente a mão da especulação imobiliária sobre cada uma delas. Época de Ouro, então, da música brasileira e do Cassino da Urca e suas grandes atrações, como Carmen Miranda, mas também da nascente avalanche centro-americana, através de astros como Pedro Vargas – usted se lembra?
A publicação de A Estrela Sobe coincide com a fase de levantamento de dados de Tristes Tropiques e de levantamentos de dados e redação de Brasil, País do Futuro.
Talvez porque Claude Lévi-Strauss tivesse dado um tempo até justamente o suicídio de Vargas – que também aos seus olhos terá ensombrado as perspectivas do país – para escrever o que afinal é um estudo de antropologia estrutural, certo é que o espírito que emana dos escritos do francês nas suas considerações gerais sobre o Brasil em Tristes Trópicos é totalmente diverso do que flui no roteiro histórico-paisagístico do austríaco, que quando decide aceitar um convite do governo Vargas para visitá-lo era um dos escritores mais famosos do mundo, por romances como Amok e biografias de grandes vultos históricos.
Lévi-Strauss chega a chocar no trecho celebrizado por Caetano Veloso em O Estrangeiro em que compara a visão da entrada da baía de Guanabara – invariavelmente tida como uma das mais belas do mundo -, o Pão de Açúcar, o Corcovado, todos esses pontos tão elogiados, com raízes de dentes quebrados na boca banguela. Choca, mas não sem antes manifestar o seu embaraço por ter de confessar que, apesar da sua tantas vezes célebre beleza, a cidade causa-lhe engulhos.
Após o choque, pouco papo. Seu negócio é ciências humanas e propõe-se fazer apenas um sobrevôo do país e dos seus principais centros civilizacionais antes de mergulhar no cenário em que estuda os remanescentes dos povos indígenas no Paraná e Mato Grosso. Quem sabe também em função dos ecos ouvidos em Paris do tiro atrás dos reposteiros da ala residencial do palácio do governo no Rio de Janeiro, lacônico como deve ser um maître à penser do seu tipo, Lévi-Strauss expõe instantâneos sombrios do país.
O esplendor natural do Rio de Janeiro ter-se-á ofuscado para ele na alvorada da integração da baía de Guanabara à civilização com o episódio – que segundo ele daria um belo filme – em que, do paraíso ecumênico do projeto à partida em Dieppe, a França Antártica de Villegaignon torna-se de imediato cenário de disputas acérrimas entre católicos e calvinistas, a ponto de quase chegarem à antropofagia não-ritual. Sinal forte o bastante para se pensar que cenário por si só – mesmo que o fascinasse - não é NADA. Algo assim como o sentimento exposto por Tom Jobim em Inútil Paisagem.
São Paulo no final da década de 1930 fornece-lhe a imagem-símbolo de resto cada vez mais fundamentada do Brasil: um país em que a civilização decai antes de atingir o apogeu.
Em dois pontos a brevíssima exposição de Lévi-Strauss e a derramada narrativa histórico-paisagística de Zweig são afins.
Quando falam da diferença abissal entre se viver com pouco dinheiro na Europa ou em Nova York e no Rio de Janeiro, segundo raciocínios do tipo: na falta de uma bela bisteca sempre há banana e abacaxi pra chuchu e a preço de banana.
E quando falam das favelas.
Favelas – explicam ou depreende-se – nas colinas ao longo da costa de entrada da baía, como o atual favelão do morro de Tavares Bastos, nas costas do Flamengo, ou já na Gávea, à época amontoados de duas ou três dúzias, se tanto, de casebres de tábuas e zinco, e talvez Estácio, Mangueira e zona do cais do porto.
Claude Lévi-Strauss:
Talvez o urbanismo já tenha resolvido o problema, mas em 1935 no Rio o lugar ocupado por cada um na hierarquia social media-se com o altímetro: quanto mais baixo mais alto estava o domicílio. Os miseráveis viviam pendurados na desolação, nas favelas, onde uma população de negros vestidos com farrapos bem deslavados inventava com o violão essas melodias vivazes que, em época de carnaval, desciam das alturas e invadiam a cidade com eles.
Zweig aproveitou o convite do governo Vargas para conhecer com a esposa mais um possível refúgio de emergência da abilolada Europa dos Ditadores (.Aldous Huxley) e da perseguição aos judeus – o povo do casal austríaco – e acabou por encontrar no que se lhe afigurou uma espécie de paraíso o endereço alternativo à América lá de cima, que já estava sendo superpovoada por artistas e cientistas, judeus e não judeus, foragidos da guerra iminente. E no relato de viagem que escreveu a seguir derrama-se em elogios à Boa Terra (no caso, Bahia e Brasil em geral) enquanto prepara a mudança. Mas o paraíso e de passagem, também, país do futuro não bastou. Em menos de dois anos o casal Zweig suicida-se no seu refúgio paradisíaco em Petrópolis, quando a guerra também já se aproxima dele.
Stefan Zweig sobre o mesmo tema de Lévi-Strauss:
E como esses casebres estão situados no alto dos morros, nos mais inacessíveis recantos, têm a mais bela vista que se pode imaginar, a mesma vista que têm as mais caras vilas de luxo, e é a mesma natureza luxuriante que orna seus lotezinhos com palmeiras, e generosamente lhes dá bananeiras, essa maravilhosa natureza do Rio, etc.
Vélo do Brasil - Le documentaire - Un film de Alexis Monchovet, Raphaël Krafft, Christophe Bouquet
(2014)
Vê-se pelo trecho que, tomada do mesmo ângulo, a perspectiva de Zweig chega a ser oposta à do cáustico mas preciso antropólogo francês.
Ambos estão de acordo sobre a impossibilidade de manutenção desse estado de coisas do ponto de vista urbanístico e social. Uma mudança - pressupõe Lévi-Strauss duas décadas após a chegada ao Brasil - teria sido mais que provável. E todavia não foi, muito pelo contrário...
O entusiasmo inicial de Zweig com o Novo Mundo a sul do Equador, onde não existe pecado (ladainha que também recita no seu livro), é tão grande que o trecho acima insere-se no subtítulo
Algumas coisas
que talvez amanhã tenham desaparecido
A favela romântica da visão de Stefan Zweig é a da imagem que dela se terá por mais duas décadas, passando por Orfeu da Conceição de Tom Jobim e Vinícius de Moraes e o filme Orfeu Novo e pelo samba Barracão, da dupla Luís Antônio-Oldemar Magalhães – um dos pontos altos da histórica gravação ao vivo de Elizeth Cardoso com Jacob do Bandolim e Época de Ouro: barracão de zinco, tradição do meu país... Ainda motivo de orgulho (por quê?).
Virou alvenaria que mal dá para embolsar e caiar.
Visões de longe, como a de Chão de Estrelas de Orestes Barbosa, com a lua a furar o telhado de zinco. Ou até mesmo visões de dentro, como a de Alvorada de Cartola: alvorada lá no morro, que beleza...
Em Sinfonia do Rio de Janeiro, de dois lídimos representantes da fina flor da Zona Sul, Tom Jobim e Billy Blanco, a abordagem da favela já pinta um clima de lamento pela perda de um certo tipo de “tradição” e por no asfalto não se dar o devido valor ao seu melhor produto – O SAMBA, esplendor escondido por trás da pobreza. Em que já se entrevê um não sei quê de acender a vela e o morro não tem vez de Zé Ketti no show Opinião, dez anos depois, tempo em que já se retrata os dramas de 5 X Favela e Sérgio Ricardo canta no fogo de um barracão só se cozinha ilusão, restos que a feira deixou...
Rio, capital federal, apesar de entre as duas maiores guerras da história da humanidade, tempo de muito formalismo mas também de brejeirice e ingenuidade.
O Rio amanheceu cantando
toda cidade amanheceu em flor
os namorados vão pra rua em bando
porque a primavera é a estação do amor...
Algumas coisas
que talvez amanhã tenham desaparecidoNão foi nada disso que Zweig pensou.
Abre-se a cortina do passado e o cenário queimou.
A aquarela é desbotada e coalhada de sangue e a alvorada mal despontou.
Quando Ari Barroso ainda a retocava com berloques & brocados parnasianos o francês já postulava: decaiu antes de se erguer. O mulato inzoneiro esbanguelou-se e entre os escombros da mata brotou um quase continente favelado.
Que desperdício de mata e de gente.Que desperdício de canções.
Descerrando a cortina do passado vê-se a pobreza miserável descambar em miséria endêmica e os sonhos de grandeza atolarem no jabaculê do sacolão do faustão. A matéria-prima hoje é funk, é punk, é lixo, é baixaria.
Não se sabe se funk ou rap é tema de música popular ou só caso de polícia.
O sofisticado edifício harmônico erigido no bas-fond da Copacabana modernista entre Ravel e Thelonious Monk redundou na rude arquitetura de palafita sobre a lama do Miami bass.
O que desapareceu, como diz o título do documentário de Walter Salles Jr. sobre Chico Buarque, foi o Rio da delicadeza. Ou como disse o auto-exilado (por força das circunstâncias do regime do jabá ou jabaculê) Dori Caymmi nos anos 1990 : Fico aqui em Los Angeles sonhando com um Brasil cheiroso que não existe mais.Do lenço no pescoço
e a navalha no bolso
ao capuz e fuzil Uzi
da floresta à favelização
da vagabundagem e do jeitinho
à safadeza
um passo de gigante para
a barbárie medieval
que o Brasil não teve.Desde a guerra de Canudos,
quando os suseranos
fizeram terra queimada
de uma suposta
rebelião de Robin Hoods da fé,
o Brasil parece regredir
ao invés de avançar
para a Renascença.O PÃO QUE O RIO DE JANEIRO AMASSOU DO HORTO À GAVEA E AO HUMAITÁ E DE MILLOR A TOM GLAUBER ROCHA E JARDS MACALÉ
Autor de uma das obras mais sofisticadas do século XX, Mr. Bossa Nova Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, Tom Jobim no Brasil, em frequentes ocasiões não parecia fazer questão do pão que levava para casa quando descia em seu simplório carro utilitário de muitas temporadas para comprar o de resto alimento dos deuses na padaria Século XX, nas esquina da rua Pacheco Leão em frente da sede da TV Globo, onde uma tarde de uns dez anos antes Glauber Rocha alugou e deleitou Jards Macalé com um de seus translúcidos discursos de riverão sussuarana, entre o jocoso e iracundo sobre o poder da Venus Platinada no Brasil q ainda faz correr tanta tinta. Parece q Glauber já tinha visto tudo, contou Macalé em 1985, ano inaugural da dita Nova República quando Ziraldo Alves Pinto, o Ziraldo do Pasquim e do Saci Pererê, geria a que a Folha de São Paulo chamava cultura de broa de milho como diretor da Funarte.
Nos anos 1990 o pão da Século XX era do nível médio em formato dito francês ou cacete ou cacetinho, tão oco, insosso e farelento como o da maioria das padarias cariocas que levou Millôr Fernandes, também do Pasquim e do Pif-Paf, em seu tijolinho de opiniães na pagina de opinião do Jornal do Brasil nos idos de 1989 a escrever que comemos o pior pão do mundo.
Nesse tempo Tom, para levar para casa um pão minimamente comparável a suas antológicas canções e peças de câmara teria que circundar o Jardim Botânico além do casarão q sedia o seu instituto e ir além, na Gávea, onde a terceira loja do supermercado Zona Sul da história vendia um bastante razoável pão francês, a carcaça ou rosetta brasiliana, ou bisnaguinhas quase à altura das baguettes de Paris, França e Bahia. Tom então já se instalara também em Noviorque com sua música irmã de Gershwin e Cole Porter e ali gravou algumas de suas últimas obras-primas e poderia matar saudades das baguettes de Paris.
E olha que a coisa, com o Zona Sul e só um ou outro exemplo acima da média, como a a padaria da média de leite e do pão com manteiga do café da manhã de Jards Macalé no Humaitá, do outro lado do Jardim Botânico-Parque Laje, além da boca do túnel da Lagoa, já tinha mudado muito. Em matéria de café da manhã Macau dava de uns 2 ou 3 a 0 no de seus mestre em música e muminhas / tramas variadas. Oras, quando Millôr se viu obrigado a escrever que comemos o pior pão do mundo, o Rio de Janeiro da montanha, o sol e o mar já há tempos saíra do Tom, como anotou Macalé em Rio sem Tom que em 1985 não era de todo um fato mas também estava longe de ser apenas uma forte premonição.
Vira e mexe e ao q parece o Rio de Macalé é Humaitá para sempre.
Quando nele quase só se comia o pior pão do mundo, isto é, na alvorada da rdemocratização política e da velozmente execrada Nova República de José Sarney Sir Ney na assertiva de Millôr o Rio de Janeiro começava a tocar o fundo do poço: o prefeito Saturnino Braga declarou a falência da cidade e o ex-exilado da ditadura militar Herbert Betinho de Souza, o irmão do Henfil perpetuado em O bêbado e a equilibrista, a resenha de Bosco e Blanc da ditadura militar, que voltara, liderou um movimento para levantar o moral da massa, Se Liga, Rio, mas a bem da verdade talvez o negócio tenha ficado bem mais preto anos 1990 adentro e afora, com quanta violência, quanta grade sendo erguida em torno de casas e prédios, quanto medo e quanta dor.
Qual era então o Rio de Tom que saiu do cenário lá longe em Nova York away in the distance, foi velado no Jardim Botânico e como quase todos os ícones da cidade enterrado no Cemitério São João Batista, na rua Real Grandeza de Macalé e Waly Sailormoon?
ENTRE A ENCOSTA MERIDIONAL DA FLORESTA DA TIJUCA, OLHANDO O CORCOVADO DE CONTREPLONGÉ e o Triângulo das Bermudas, no fim de linha do Baixo Leblon, depois de uma passada na botica na florista e na banca de jornais e revistas da Farmácia Piauí, panamá às vezes na mão saudando alguém.
No triângulo das Bermudas - Cobal do Leblon - anos 1990
um fim de semana em Copacabana andar pela praia até o Leblon
Rio de Tom / Rio sem Tom
Rio da literatura e das canções e das Notícias do Tiroteio. Até aqui o roteiro: Jardim Botânico, Gávea, Leblon, Humaitá, Botafogo
Até o início dos anos 1970 quando Ana de Laços de Família de Clarice Lispector pega o bonde e ele dá a curva na enseada de Botafogo para entrar na rua São Clemente, bordejando Botafogo de um lado e a montanha do outro sentia-se súbito o frescor da mata ou floresta porque quase não havia prédios no bairro e os aromas selvagens circulavam livremente até a orla. O Samba do Avião do maestro é obra para a eternidade: do alto nada apaga a monumentalidade das montanhas íngremes hoje cercadas de cimento e barracos que as invadiram.Às vezes, quando o rei fez anos, ainda se via Tom debicando um chope no Bar Montenegro, na Rua Montenegro, bar e rua rebatizados Garota de Ipanema e Vinícius de Moraes.
um fim de semana andar pela praia de Copacabana até o Leblon e para programa ser completo dar uma esticada (do Leme) ao Pontal com Tim Maia até a restinga. Da Marambaia.
Qual é o Rio de Tom? É o dos jacarés do Arpoador e em esplendor da Teresa da Praia, seu sucesso seminal pré-bossanovista, como o steak de chorizo na Churrascaria Plataforma ou os barezinhos do Cobal do Leblon, do outro lado da rua, onde nos últimos anos de andanças costumava fazer biquinho num copo de vinho sábado pela manhã tardeira. O Triângulo das Bermudas de que desapareceu para perecer em Nova York, o cenário de Chansong, by all means, by all bins, by all gins, nos contrafortes dos cenários naturais do balneário que decantou como ninguém, patrimonio paisagístico da cidade: Wave, Corcovado, Sinfonia do Rio de Janeiro que a valsa de uma cidade de Ismael Neto não deixa esquecer, sim
Rua Nascimento Silva, 107, Ipanema em que o tijucano de nascença, nascente do lado de lá da floresta, namorava as gatas, as Graças, as garças, e aqui se enuncia a Carta ao Tom 74, que assume relevo central. Pois q se não veja-se: relevo. Que relevo se via e que relevo se vê entre a vista da sacada do apê de Tom onde oram compostas as obras-primas com Vinícius de Moraes e Newton Mendonça, abarcava toda a Lagoa e o Corcovado o Redentor que lindo e no fundo, para poente, o morro Dois Irmãos.
você ensinando pra Elizete as canções de Canção do amor demais
hoje
eu entro fugindo do pivete tentando alcançar o elevador
E hoje do sobrado da casa da rua Nascimento Silva 107 ve-se um imenso bloco de mármore preto.Relevo e violência, não releve revele. Não: revele. Fotografei você na minha Rollei-Flex Revelou-se sua enorme ingratidão - and all I developed is a complex.
O Rio saiu do Tom e o primeiro a reclamar disso foi o próprio quando no Jardim Botânico lançou esse outro antológico Urubu, nosso abutre avvoltoio vulture achando um contrassenso brasileiro estar em risco de extinção seja o Brasil mais 25 anos depois o melhor pasto dele, de detritos da opulência e da miséria e lixões. E ser o Jardim Botânico dá pano para outras mangas. E pupunhas.
Ipanema era só feli...
Lembra que tempo feliz ai que saudade Ipanema era só felicidade era como se o amor doesse em paz
Era mesmo? Há tempo(s) na vida em que é assim mesmo e Vinícius sempre foi um lírico sofredor.
nossa famosa garota nem sabia a que ponto a cidade turvaria esse Rio de amor que se perdeu
E veja quanta dierença quando nas páginas do Pasquim o meierense ipanemense adotivo Millôr Fernandes desata a denunciar a especulação edilícia que em plena ditadura fez da felicidade de chalés, sobrados, casas assim, no areal em que as quatro artérias longitudinais do bairro se transformam numa cordilheira de concreto arrodeado de grades graças a Gomes Almeida e Fernandes que pois Gafisa e quejandos avançaram sobre a Barra. Da Tijuca. A barra da floresta da Tijuca.
Tom se picou do mar para a montanha, i.e., encosta da floresta, para sua casa própria autoconstruída com uma mão de Paulo Jobim, filho músico arquiteto que se formou na arte paterna de construir Arquiteturas de Morar em um Rancho das Nuvens de notas musicais. E eis que certa vez, mais embaixo no bar da Regina, entre várias brahmas da Antártica dá-se de falar nele e em seu amor pela natureza das palavras, dos seres e das coisas e um diz: e vai dizer que pra construir aquela casa ele não desmatou nada também não. Pode-se também dizer que construiu um posto de vigia e proteção da mata. Contradições às pencas e paga-se mico. Por isso.
A especulação edilícia chegou ao requinte de antecipar o por do sol na praia do Leblon para meio-dia, uma da tarde.
A sistemática denúncia por uns vinte anos da especulação imobiliária que escondeu o Corcovado e o céu do Arpoador por Millôr era existencial e política e coincidiu com a construção do metrô que desfigurou o centro da cidade do largo da Carioca e caiu seu Tabuleiro da Baiana enquanto do outro lado desaparecia a Galeria Cruzeiro ao Flamengo, e a Lapa no meio disso, era uma vez a velha Lapa antes de Ari Kaurismaki e o nascimento e propagação pelos morros da Zona Sul onde se instalaram os serviçais da turma de baixo de cima na bananeira sócioeconômica brasileira do poder do Comando Vermelho e depois Falange Vermelha e Terceiro Comando e Amigo dos Amigos e foi o que se viu: o morro invadiu a cidade não com o samba da Sinfonia de Jobim e Billy Blanco mas de AR-15 e Uzi e gorro enfiado na cara para mascarar sua face negra, parda, quase branca, quase preta e que era do asfalto teve de se entrincheirar atrás das grades em galeras de bacanas, quase todos brancos e o Havaí foi-é-aqui-país-continente clandestino favelado, pois que agora já não é normal o que dá de malandro regular profissional. Haiti, não: Havaí.
Estamos no início da história, que assim contada cantada vivida de Lima Barreto a Machado de Assis e Callado, de André Filho e Noel Rosa a Tom e até baianos como Waly Sailormoon e Caetano Veloso com primores de clarividência parece sem fim, pois a estória é a da inguinorãça da mão branca pentassecular escravocrata que disseminou e encastelou-se na desigualdade que produziu a indigência geradora de quase todos os males, que na base deles está outrossim a natureza humana e uma dita indig-nação, onde o Rio é = Brasil.
Primavera no Rio Cidade Maravilhosa André FilhoAmor à Natureza
Paulinho da ViolaRelíquia do folclore nacional
Joia rara que apresento
Nesta paisagem em que me vejo
No centro da paixão e do tormento
Sem nenhuma ilusão
Neste cenário de tristeza
Relembro momentos de real bravura
Dos que lutaram com ardor
Em nome do amor à naturezaCinzentas nuvens de fumaça
Umedecendo meus olhos
De aflição e de cansaço
Imensos blocos de concreto
Ocupando todos os espaços
Daquela que já foi a mais bela cidade
Que o mundo inteiro consagrou
Com suas praias tão lindas
Tão cheias de graça, de sonho e de amorFlutua no ar o desprezo
Desconsiderando a razão
Que o homem não sabe se vai encontrar
Um jeito de dar um jeito na situação
Uma semente atirada
Num solo tão fértil não deve morrer
É sempre uma nova esperança
Que a gente alimenta de sobreviver
Samambaias verdes, de todos os matizes dos verdes... Samambaias azuis, de todos os matisses dos blues...
uma cidade dramaticamente implantada no meio de uma floresta tropical que a cada dia lhe tira mais uma, dezenas de árvores e deixa-se de ter mais uma panorâmica da sua natureza exuberante, tapada por um novo prédio de dimensões absurdas e, pior, formas horrendas, porque além do mais os empreiteiros parecem determinados a não fazer nada que preste, em termos arquitetônicos, para já nem falar em paisagismo. Mas em que, por muito que a tenham destruído e a destruam ainda, e tenham acabado com o proverbial bom humor do carioca, de que ele, Tom, era um dos melhores exemplos, a natureza é tão forte que muita coisa permanece igual. Pode-se ainda sentir uma réstia do habitat da primeira manhã do mundo naquele cenário único, muito embora suas praias e florestas estejam de tal modo sujas que é até perigoso tomar banho nelas...
a ver FrancisCARNE VIVA - Paulo Francis São Paulo 2007
11- Guerra chorava o fim do Rio num país escuro, imenso, jeca, alheado a tudo, e que tropeçava em seu destino.
Quem dera que a vida pessoal de Guerra fosse tão simples de entender como a agonia da sociedade brasileira.
40 - Guerra achava até certa graça na farsa populista brasileira, aquela gente toda esquisita, de bigodes, barriguinha, meia soquete, pelos da perna à mostra, que falava em dividir o bolo dos ricos. Uma fantasia (...) Esse populismo generoso, de boca, quando chegava ao poder virava caudilhismo, peronismo, getulismo, esses troços retrógrados. [getulismo, lulismo, esses troços retrógrados]
83 - Este país acabou, todo mundo sabe disso.
76 - Mas a crise humana, do humanismo neste fim de século, não tem precedentes no meu tempo de vida.
95 - antes que esses moleques do governo reduzissem o ensino secundário ao tatibitati de semi-analfabetos.
98 - franceses, de um moo geral, eram racistas e não queriam muita conversa com sul-americanos, ainda que se babassem por filmes sobre a miséria do Tiers Monde. Como as pessoas eram hipócritas.
192 - um Rio gostoso, de nossos tempos, que está sendo tragado pelo miserê.
194 - E continuava naquela boêmia dispersiva, sonhando com a redenção do ser humano, que só aspirava, em geral, a um canto onde dormir, um pouco de sexo, mesmo que de fantasia, um hamburguer, sombra e água fresca. O ser humano não queria ser igual. Queria ser confortável.
baixou o nível da comida (pão e urubu) arquitetura e paisagismo e cultura, baixou o nível do alimento (fertilizante, agrotóxico, linguiça e fritura) regime de penúria em miséria extrema e média multiplicada por 4 no meio século de Tom e urubu sempre em penca por conta dos detritos dos lixões do subdesenvolvimento, que criou mais uma originalidade, a .N E O M E D I E V A L I Z A Ç A O .U R B A N I S T I C A
Rio: amplidão de espaço em muitos trechos abolida pelos prédios de todos os tamanhos e graus de feiúra. Na estreitíssima faixa de areia que a estrada litorânea deixou no Leblom o sol desaparece ao raiar da tarde, oculado pelos prédios de onde o privilégio dos figurões instalados nas coberturas é mais uma das panorâmicas de mar descomunais que o Brasil oferece. Em muitos trechos vê-se, quando se vê, estreitas faixas dos patrimônios naturais, as montanhas com suas formas sugestivas de lombos de gatas e corcovas, gáveas, o que nos pareça, ou de céu.
Imensos blocos de concreto
Ocupando todos os espaços
Cidade-luz, ville-lumière, sim: era uma vez. Algo assim como o sentimento exposto por Tom Jobim em Inútil Paisagem., e já não é de hoje. Crescimento desordenado a toda largura e altura e morros acima e além. E aquém, pois nunca se sabe, nunca se sobe. Claude Lévi-Strauss dando voltas e revoltas no túmulo de muito maior desgosto.
desde a pioneira mirada de convés de Caminha aos relatos do pastor Jean de Léry, enviado por João Calvino à França Antártica a pedido de Nicolas Durand de Villegaignon meio século depois, do frei André Thevet, também concentrado no Rio de Janeiro sob ocupação francesa (Curiosidades da França Antártica) e o de Gabriel Soares de Sousa, que em 1587 publica o primeiro Tratado Descritivo do Brasil na última flor do Lácio, inculta e bela, de Olavo Bilac. Os relatos marcaram época e os estudos do gênero; a Viagem Feita em Terras do Brasil de Jean de Léry foi para Claude Lévi-Strauss uma obra-prima da literatura etnográfica.
Roman Polanski: - Sempre que passeio de barco no Rio de Janeiro penso nos primeiros europeus que chegaram por aqui. Um filme que fizesse neste cenário seria algo talvez em cima do contraste entre duas culturas na época dos conquistadores..
- O Brasil ainda não chegou, você está entendendo? O Brasil está chegando. Está indo. Mas ele ainda não chegou – sinalizou Francisco Weffort em 2014. Ainda não formado E já deformado. E quando chegar vai estar todo dilapidado e depredado. O gigante dorme enquanto é vorazmente dilapidado. O país vira escombros antes de se erguer.
Spike Lee foi um dos protagonistas da grande polêmica em torno da filmagem do videoclipe de They Don?t Care About Us de Michael Jackson, em 1996, no Rio de Janeiro. Uma das cenas do clipe mostra M.J. - Emijota aqui entre nós - num mirante com um dos panoramas mais estonteantes da Terra, no morro Santa Marta, que o povão chama de Dona Marta e até Dona Morta, assim como a favela que ali cresceu, no sopé do Corcovado jobiniano, com vista para a entrada da baía de Guanabara (“como é bonito o Pão de Açúcar visto daquele ângulo”, Caetano Veloso) e o mar das jobinianas-bossanovaianas Copacabana e Ipanema.
Para gravar lá a produção do incendiário tandem Lee-Jackson fez um acordo com Marcinho VP, o chefe do chamado narcotráfico da favela, uma das grandes muvucas que por vários anos se armavam nas entradas das favelas cariocas nos fins de semana, num carnaval quase permanente regado a fumo, bebida e pó. Pó com muito pó de talco ou o que fosse. Emijota na muvuca (do Dona Morta)
A coisa acabou por ser muito mal trabalhada pelas autoridades locais com a mídia e a massa. Disseram que o acordo de estrangeiros com marginais era uma afronta. Pelo tom do secretário da Indústria, do Comércio e Turismo do governo do estado, que dava a entender estar querendo aparecer na cola de uma bela de uma polêmica, parecia até que os gringos poderiam ser expulsos. Imagina: “Rei do pop expulso do Rio de Janeiro”. Péssima publicidade. Ia pegar muito mal. Os gringos negociarem acordo com criminosos expunha a olho nu e logo através de toda a mídia internacional uma prática corrente até entre os poucos prestadores de serviços que por lá circulavam e toda a hipocrisia do relacionamento e do modus operandi das autoridades com o problema do controle das favelas cariocas por notórios narcotraficantes. No caso de Marcinho VP, o episódio foi a escada para a fama nacional e internacional e para o público em geral um prato cheio de piadas por umas duas semanas.
Quem quer que do “asfalto ”, nos sopés, queira fazer alguma coisa nas favelas do Rio de Janeiro em 1996 tem que combinar com os “donos” – xerifetes ou baronetes – do lugar. O prefeito da capital do estado, César Maia, admitira semanas antes que a autarquia negociou com o tráfico a construção de um muro no fundo dos jardins da sede da Prefeitura carioca no sopé do Dona Marta. Claro que depois da reação escandalizada que gerou um megaescândalo que fez rolar rios muito maiores de tinta no Brasil e ao redor do mundo – tudo o que uma grande produção mais quer, publicidade -, a começar por uma “séria” ameaça de suspender a operação, a rodagem das cenas no mirante do morro de um dos trechos cariocas do videoclipe acabou por acontecer numa tarde de domingo.
Spike Lee, que do seu lado já era bastante notório pelas suas fitas, tornou-se então mais “um de nós” para a massa brasileira, pela exposição que teve naqueles breves-longos dias de hipócrita tiroteio das ótoridades ao “desaforo” das celebridades globais, que ao quererem exibir-se num dos mais famosos cenários da cidade acabaram por pôr o dedo numa das inúmeras feridas dos seus cânceres metastásicos. Sobretudo porque Emijota, como era do seu estilo e era o mais sensato fazer mesmo, jamais deu as caras durante o processo, Lee acabou por ter ampla exposição em jornais e telejornais e naqueles dez, quinze dias tornou-se parte da galera e do cenário.na ditadura militar 1964-85 o Brasil mudou de face do fazendão subaproveitado (selvagem) para a depredação da orla oceânica com o inchaço urbano. Ficou ainda mais deformado – cheio de favelas -, desmatado e amputado,
os militares só conseguiram mesmo fazer o que os americanos queriam e impor os princípios de ordem que de algum modo tinham conseguido fazer prevalecer desde a implantação da República oligárquica que conseguiu sobrepujar até Gegê com pretensas prerrogativas positivistas quais ordem e progresso e institucionalizando a violência que perpassa toda a história do Brasil pela prepotência e a tortura, quando necessário, imperante até hoje na polícia oficial (Polícia Militar) e clandestina (os antes chamados esquadrões da morte, hoje milícias). O Brasil é terra sem lei e sem ordem como no tempo em que mandava no sertão quem era forte “e até Deus tem de andar armado”, como epistrofou Guimarães Rosa. Em primeira e última análise a lei é a ordem dos coronéis e do cangaço do século XIX ao XXI.
. A violência dos cangaceiros urbanos assume proporções assustadoras e os moradores começam a erguer grades ou a elevar os muros para se proteger em ce(lu)las condominiais ou familiares. No Rio de Janeiro a Falange Vermelha dá lugar ao Comando Vermelho – nada a ver e tudo a ver com política. E o chamado narcotráfico toma de assalto a cidade e o país. O Brasil africaniza-se, o que até poderia ser uma boa em termos de encarnação de parte de sua identidade. Mas africaniza-se só no pior sentido. A questão social torna-se definitivamente caso de polícia, como a visualiara o presidente Washington Luís há oitenta anos, no perigeu da república do café com leite.
O prefeito do Rio de Janeiro diz que há seis meses elabora com arquitetos, urbanistas e economistas um plano para tratar a questão das favelas, que custará R$ 5 bilhões até 2016. Abril de 2010 – 212 pessoas morrem e 150 desaparecem num deslizamento de terras no morro do Bumba após alto índice de precipitação de chuvas, em mais um caso de incúria e pecado venal. O Morro do Bumba foi ocupado depois que um depósito clandestino de lixo que ali funcionou de 1970 a 1986 foi desativado. Um lixão selvagem, como tantos que existem no Brasil. O lixo orgânico, em decomposição, produz gás metano, um gás explosivo. Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, 2010: - Eu sabia do lixão, mas não sabia do risco – disse o prefeito Jorge Roberto Silveira, que governou o município de 1989 a 1997. A ocupação era de todo modo reconhecida oficialmente como logradouro, pois tinha água encanada e energia elétrica.
- Sucessivos governos no Brasil fecham os olhos a ocupações ilegais de encostas. Em parte para disfarçar a sua incompetência, por não investir seriamente e com continuidade numa política de habitação e transporte para famílias de baixa renda, em parte porque favelados com água e luz sempre foram sinônimo de votos. Existe mapeamento de áreas de risco, há verba federal disponível, não faltam técnicos e cientistas capazes de assessorar o governo na remoção, mas essa palavra ainda é um tabu – sentenciou a revista Época na ocasião. Claro como água. A revista informou também que não houve seca mas entre 2010 e 2012 a Bahia foi contemplada com 64% da verba federal destinada à prevenção de desastres. O ministério responsável era chefiado pelo baiano Geddel Vieira Lima, que deixou a pasta controlada pelo PMDB para concorrer ao governo do seu estado. Das verbas destinadas pelo Orçamento de 2009 e efetivamente gastas, 90% foram para prefeituras baianas. Geddel negou a preferência e afirmou que a Bahia apresentou mais e melhores projetos. Ainda assim em Salvador, por exemplo, dezenas de pessoas morrem quase todos os anos em deslizamentos de terras em ocupações.
O Maranhão de José Sarney em 2000 é o mesmo de Maranhão 66, documentário da posse do governador nomeado pela ditadura militar enquanto a câmera na mão de Glauber Rocha passeia pelos escombros do centro histórico de São Luís e o estado deplorável das habitações invadidas por populares. Glauber fez o documentário em troca de financiamento de Terra em Transe, o seu longametragem de 1967.
a grande maioria dos jovens negros, mestiços (ou pardos, como se chamam) e de muitos brancos pobres cuja educação é uma das causas das dores de cabeça do país, porque suas bases deploráveis prejudicam a produtividade. A maioria dos pais, da massa ignara, por falta de ilustração (juízo) ou porque assoberbados pela guerra da sobrevivência, não sabem ou não podem educar os filhos e o ensino público não os atrai, antes os repele, com toda a sorte de problemas estruturais dos estabelecimentos em si, do corpo docente e da qualidade do ensino, empurrando os mais desafoitos ou aventureiros para engrossar – por falta do que fazer, pois não estudam nem trabalham – o exército da delinquência juvenil e as estatísticas da violência urbana, suburbana e rural.
O espaço público é em geral uma choldra ou joça e a maioria dos habitantes dos aglomerados urbanos tem uma existência mais aparentada à animalidade do analista de João Ubaldo Ribeiro, indigente, dependente e eternamente carente de desvelos, ou seja, da satisfação dos direitos básicos em restituição aos impostos (a história da Nova República pós-ditadura é a do aumento da taxa de cobrança direta ou indireta de 24 para 38%).
Tristes Trópicos, o tópico ideográfico de Lévi-Strauss, traz a abrir uma análise comparativa das metrópoles indianas com as maiores cidades brasileiras. Tarun Dutt, o economista indiano que ajudou a reeguer Calcutá, a grande complicação urbana do Terceiro Mundo, com a quinta população citadina do planeta, um em cada três habitantes a morar num ambiente de densidade e sujeira que raras favelas brasileiras conhecem, disse que provavelmente o Brasil urbanizou-se demais e muito depressa.
Na India, segundo ele, os governos investiram no campo, fazendo reforma agrária e distribuição de terras, construindo mercados rurais e redes de transporte e assim estancou-se o êxodo rural. O dominador não tinha domus no espaço rural brasileiro e não o desenvolveu. Muito ao contrário ou o oposto do norteamericano, em que famílias, comunidades inteiras transferiram-se para lá para sempre, conquistando, ocupando e chamando de seu tudo aquilo e desenvolvendo-o à sua boa e velha maneira. O espaço urbano sem projeto além do fazendão infla sem o mínimo ordenamento e menos ainda planejamento com levas de migrantes enxotados dos campos – e sobretudo do Nordeste, o único povoado há mais tempo, desde o início da colonização, porque década após década a urbanização faz-se na cola de invasões ocupações e “puxadinhos” esticados e erguidos por severinos da morte e vida severina ou pedros transformados em pedreiros, porque fazer massa é fácil. Primeiro de tábua (tauba, por quem são) e zinco e depois de tijolo e telhado de telha de amianto. O esgoto clandestino ligado a matas e rios que desaguam como línguas negras nas praias também cada vez mais poluídas.... a minha pátria é desolação De caminhos; a minha pátria é terra sedenta E praia branca.
Não é mais, Vinícius de Moraes.
enquanto a massa de desvalidos quintuplica o Brasil cresce aos trancos e barrancos e de emenda em arremedo, de que São Paulo é a síntese: onde já nos anos 1930 Claude Lévi-Strauss descortinou um mundo que mal se ergue e já é ruína e a paisagem urbana de algum modo harmônica que conheceu começa a transformar-se num petalabirinto de concreto, asfalto e favelas com um ou outro oásis pelo meio. Sobretudo a partir de 1970, toda cidade brasileira transformou-se nisso, não sendo as outras no entanto nenhuma São Paulo. A censura impediu que corressem rios de tinta sobre o tema mas subentendidos da questão originaram até título de telenovela (O Espigão, 1972, Selva de Pedra, 1974, Janete Clair). A especulação imobiliária nos anos do boom da ditadura foi de tal ordem que a faixa de areia da praia do Leblon, no Rio de Janeiro, deixou de ser banhada pelo sol à tarde, porque entre o meio-dia e a uma ele se põe atrás dos prédios construídos em sua orla. Também no Rio, o plano urbanístico da Barra da Tijuca, feito por Lúcio Costa, foi desvirtuado ao começar a sair do papel. Houve quem à época (nas entrelinhas) bradasse ao escândalo. Como Millôr Fernandes, no Pasquim, um jornal de circulação reduzida entre uma pequeníssima fatia da população e, com o fim da censura, em 1985, no Jornal do Brasil do Rio de Janeiro.
- Se Salvador fosse conservada seria tão sofisticada como Portugal. O brasileiro não tem tanta tradição de cuidar das coisas como o europeu – reclamava a cantora Gal Costa em 2012, quando voltou a morar em São Paulo, onde iniciou a carreira nos anos 1960 com os amigos Caetano Veloso e Gilberto Gil. Pior: dizia não ter nenhuma saudade da Bahia porque a via muito mal cuidada. - Os governantes não estão cuidando dela como deveriam – proclamou com a veemência de uma baiana da própria Soterópolis. Um ano e meio depois Caetano Veloso tomou a palavra para lançar depoimento outrotanto autorizado porque oriundo de Santo Amaro da Purificação, no chamado Recôncavo Baiano, no entorno da Bahia de Todos os Santos, donde a soterópolis.
Salvador tem papel relevante no cenário mundial porque no século XVII era o maior centro habitacional a sul do Equador e pela sua toponímia e porque foi ali que tudo começou, enquanto qualquer outra cidade do Novo Mundo seguiu os padrões do urbanismo pós-renascentista de retas e perpendiculares, é ainda uma réplica gêmea de Lisboa e Porto, com seus labirintos. Colinas acima e abaixo casarões desabam ou são derrubados pouco antes de cair, apesar de seu centro histórico ser Patrimônio da Humanidade da Unesco. Descreveu Caetano: - Uma imagem tomada por Orson Welles no filme que ele começou a fazer sobre jangadeiros cearenses que desceram de jangada de Fortaleza até o Rio (1941) mostra Salvador como uma obra-prima urbanística. Nada menos.
Assim era também o Rio de Janeiro década e meia depois, embora o seu centro histórico já tivesse alguns espigões feios e desproporcionados. Descrição detalhada de suas belezas nesse particular encontram-se no livro de Stefan Zweig que, como lembra Caetano, escreveu que “o Brasil tem as cidades mais bonitas do mundo”.
- (H)oje nós podemos dizer que as cidades brasileiras estão entre as mais feias do mundo – contrapõe o autor de dezenas de canções sobre algumas – quase se diria – antigas joias litorâneas brasileiras.
- Se tivesse havido consciência do valor estético (da estrutura urbanística e arquitetônica de Salvador) e tivéssemos podido planejar a modernização mantendo-a (o que não é nada impossível; as cidades europeias são ao mesmo tempo mil vezes mais modernas e mil vezes mais preservadas do que as nossas), teríamos hoje uma joia do Atlântico Sul, em lugar do caos que vemos – atesta.
Ao reclamar da queda de um terço da ocupação hoteleira no século XXI os operadores turísticos pedem às autoridades que promovam campanhas para atrair turistas à cidade, com potencial para ser uma Cartagena de las Indias (Colômbia) em escala desproporcional, porque seu litoral e as imediações, como cantou o seu maior cantor, “tem encantos que nenhuma outra tem”. Certo que, entre as ruínas, ainda se erguem tesouros de estarrecer Umberto Eco entre outros grandes cantores. E o seu mar, visto de longe, é belo como nas canções de Caymmi. Visto de longe... Salvador é aqui tomado como exemplo – e um dos mais deploráveis, talvez. A descrição de Caetano, para o caso, é irretocável, faltando apenas acrescentar que o que estão fazendo na expansão modernizadora da antiga “terra da felicidade” é do mesmo modo de bradar aos céus. Pior é que não é menos verdadeiro e extensível a todo o mapa do Brasil o que o “diseur” de A-ma-ra-li-na escreveu adiante: - (O) olhar realista para a feiura visual e social produz ceticismo.
Feiura visual e social. No Brasil de norte a sul: O amontoado caótico, colinas acima e abaixo, em Salvador da Bahia, é uma perspectiva de décadas da expressão do descuido com a condição humana no ergue e bota abaixo anotado em São Paulo a partir da década de 1930 por Lévi-Strauss, de que Caetano Veloso faz ligação direta com “a força da grana que ergue e destrói coisas belas” num antiprojeto em que gente e natureza são tratados como ou viram lixo. O centro bastante limpo com uma gestão normal, o resto um furdunço, monturos de entulhos, moscas, cheiro acre de urina e lixo orgânico em decomposição entre dezenas de queimadas de plásticos e pneus, como a aglomeração nas colinas até as campinas e além, até o Recôncavo Baiano de Robinson Crusoé e além, e o mau cheiro onde as brisas e ventos de leste purificadores da cidade rodeada pela imensa baía e o alto mar não chegam e não varrem saudavelmente o bedum.
Outra preciosa joia arquitetônica lusa – que como algumas centenas de sítios são testemunhos vivos (embora na grande maioria decadentes) de acervo português no Brasil como se pedaços de Portugal nele tivessem sido enxertados - , o centro histórico de São Luís do Maranhão, réplica de bairros lisboetas dos séculos XVII e XVIII, encontra-se em estado lastimável de não conservação, que leva o transeunte a deplorar: - Que tristeza!
O amontoado caótico, colinas acima e abaixo, ganha ecos retumbantes de Blade Runner, um mundo onde nenhum sentido escapa de um lado aos encantos lusoafrocubajamaicanos e do outro ao ribombar de tonitruantes caixas amplificadoras de som instaladas em capôs ou nas malas de carros utilitários muitas vezes de menor valor que as caixas a irradiar em 80 decibéis ou mais, infringindo os limites da lei – mais uma lei “que não funciona” -, quais trios elétricos do famoso carnaval baiano com efeito chocante em tímpanos e peitos, dia e noite, sete dias por semana, os indefectíveis sons da Era Lula e da nova classe C, em gêneros tão híbridos quanto indecifráveis e de mau gosto (para quem tem bom gosto) do arrocha (primo distante do bolero) e do pagode baiano, muito diferente do samba de pagode carioca, às vezes tão híbrido e lotado de sons sampleados que fazem até lembrar a fase jazz-rock de Frank Zappa, qual Jazz from Hell, com linguajar para lá de chulo, muito grosso (passe a expressão...). Dezenas de milhares de trios elétricos zoam intermitentes com sons de tal quilate ou de “hinos” do repertório da chamada música gospel à mistura com anúncios de lojas e cultos numa “igreja” do bairro.
Cola aqui à perfeição o que escreveu Waly Salomão, baiano de um dos interiores profundos e de vastas conexões com a cultura global:
Paupéria: uma região de parcas pecúnias de Pindorama, isto é, a terra das jussaras, das íris, das pupunhas, dos licores e dos babaçus. Paupéria: miserabilismo terceiro-mundista. Pindaíba. (O Terceiro Mundo, essa cilada conceitual.) Paupéria: inversão cinza e sistemática do baudelairiano convite à viagem: onde tudo não é senão desordem, feiúra, pobreza, inquietação e antivolúpia: tristeresina total.
F A V E L I Z A Ç Ã O E N E O M E D I E V A L I Z A Ç Â O U R B A N I S T I C A - A M E R I C A D O S U L Nessa linha de raciocínio sobre urbanismo e paisagismo incluem-se todas as cidades brasileiras – Petrópolis, Rio de Janeiro, São Paulo já no tempo (e pela visão) de Claude Lévi-Strauss (que mal se ergue e já é ruína) ou Manaus, que em 1852 tinha quatro mil habitantes, 40 anos depois vive a época de ouro do ciclo da borracha e um crescimento explosivo, em que nasce a primeira capital da floresta tropical, com um desenvolvimento urbanístico e arquitetônico em que grana não é problema e com o fim do ciclo da borracha nunca mais se recuperou. Passou a viver de remendos arquitetônicos e urbanísticos, porque na cidade não existiam mais arquitetos e o que ela tinha em quantidade era pedreiros e mestres de obra portugueses a repetir o que tinham visto fazer em sua terra de origem, adaptando riscos e traças a um possível gosto local. Nascia assim antes do tempo e fora do espaço a casa portuguesa com certeza do final do século XX em Portugal, as chamadas casas tipo maison construídas pelos emigrantes que mantiveram os dois pés na terrinha enquanto amealhavam no estrangeiro para o patrimônio da aposentadoria. Uma passagem de Luiz de Miranda Corrêa em Manaus – Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro (1969) é a súmula do desconcerto paisagístico do Brasil no século XX: - A modernização das fachadas ou habitações de 1900 se constitui em capítulo de mau gosto e de vandalismo. A desfiguração de sobradões lusobrasileiros, em que belíssimos azulejos franceses, ingleses, belgas ou portugueses foram muitas vezes substituídos por ladrilhos de banheiro ou de cozinha gerando fachadas de um mau gosto insuportável. Casarões desabam em ruínas às dezenas em Salvador, que dificilmente poderá sustentar-se como ícone de um paradisíaco carnaval tropical da capa de Spyro Gyra (Carnaval, 1980), como variante do Rio de Janeiro quando a cidade maravilhosa cansou.De outro lado, grande parte da construção brasileira tem sido feita por pedreiros e mestres de obra que todo mundo é, pode ser, porque basta saber fazer massa e "bater a laje". Lápide do urbanismo civilizado de há cem anos, totalmente inspirado em Paris e em arquitetura de morar – e no próprio modo de vestir da época – doentiamente por demasiadamente inspirada, como notou o parisiense de nascença e cultura Lúcio Costa. Manaus, como fixada por Miranda Corrêa, teve então a sorte de seus governantes se preocuparem em construir praças e jardins humanizando traças, as vezes eminentemente europeias, que se chocavam com a realidade tropical. Como fontes, coretos, estátuas, luminárias e outros enfeites da Europa, copiava os parques de Paris e Londres, que cumpriram honrosamente sua missão de refrigerar a cidade tropical, com vegetação frondosa. O Rio de Janeiro tirou uma casca de Haussmann e da Opera (Theatro Municipal), criou a praça Paris ao lado do Passeio Público e arvorou-se a cidade-luz da América do Sul mas em pouco tempo tornouse em mais um pasto da especulação imobiliária de vista curta a erguer barreiras à circulação do ar e profundidade do campo de visão. Cinzentas nuvens de fumaça umedecendo meus olhos, imensos blocos de concreto ocupando todos os espaços, lamenta Paulinho da Viola em 1975 (Amor à Natureza). O Rio Notorious de Ginger e Fred a Hitchcock ficou por isso mesmo. Sintomático que o movimento de restauração haussmanniano para desfavelizar o centro da cidade de Pereira Passos, o Bota-Abaixo, provocou a explosão da favelização da cidade que é uma das características mais marcantes da evolução urbanística do Brasil e, já agora, da América do Sul.
O caos urbano, suburbano, rural e ambiental (porque quantos Portugais de Amazônia são desmatados e queimados no Brasil a cada ano) é reflexo de uma aberração de séculos acentuada pela ditadura militar e pelos sucedâneos, porque o Brasil, se não perdeu ainda, pode perder todos os crânios que ainda tenha por falta de campo para desenvolver conhecimentos ou habilidades. E quando os desenvolvem, como no pioneiro programa de combustíveis alternativos ao petróleo, são subestimados, menosprezados. Os movimentos de avanço da construção civil em anos em que a economia cresce, por conta da especulação, da corrupção e do pouco caso das autoridades, são de retrocesso, pela feiura, falta de funcionalidade e adaptação aos tempos hodiernos de arquitetura ecoambiental e às próprias condições climáticas de cada região (algo que a arquitetura ao metro quadrado brasileira teima em desconsiderar). Caso em que é até de desejar que a perspectiva lévi-straussiana continue atual e que da ruína da maior parte do que se faz há mais de meio século no país nasça algo mais belo e racional.
Corrrupção, tortura e caos existencial desenfreados, sob o manto da alegria e fé no porvir, não são fenômenos exclusivos do Brasil. Mas ele é um dos maiores exemplos da propagação da civilização ocidental e está mais perto do centro que a Índia, por exemplo, o que torna a coisa mais visível, chocante, para boa parte do mundo.
A Idade Média brasileira é o que ele herdou do mandonismo e servidão e os traços caracteriais do Nordeste, onde o Brasil começou e onde prevalece a mentalidade de estrutura neofeudal e o obscurantismo da crença no transcendente milenarista sebastianista dominante entre os eleitores e seguidores de coronéis políticos e líderes religiosos que são a encarnação do Pai na Terra. Da literatura de cordel ao Antônio Conselheiro, líder de Canudos, Padre Cícero “padroeiro do sertão” e a Lula, o último messias dos pobres.
Anotou Antônio Callado em 1976 em Reflexos do Baile, romance:
- Oriundas da Guerra de Canudos, as favelas do Rio, atavicamente a Serviço, ainda, do Conselheiro, são os torreões de massapé e as muralhas de adobe da Troglodítia, são a quinta-coluna, o câncer ósseo em nosso esqueleto implantado, são a imagem de barro que é preciso destruir.
Delenda, por exemplo, Rocinha. Não se delendou. E ela, um dos primeiros, será apenas mais um dos mil maiores aglomerados espontâneos da região metropolitana do Rio de Janeiro. Fora Salvador da Bahia, as vilas só começam a florescer no século XVII. Mas o traçado medieval de escadarias e emaranhado de becos e vielas acabou por se impor no último século e sobretudo nos últimos cinquenta anos. Zweig descreve com encanto bucólico as primeiras aglomerações encarrapitadas nos morros da Zona Sul do Rio de Janeiro nos anos 1930, como a Rocinha, que hoje tem mais de 50 mil habitantes e foi uma das pioneiras entre as mais de mil agora existentes na região metropolitana da cidade. É já uma favela-bairro. Um dia será “urbanizada”, como as 200 favelas de São Paulo, segundo um plano em andamento, até 2050. Até o fim do século o Brasil, que não teve um urbanismo medievalesco, terá os seus milhares de bairros – e centenas de municípios – medievais... dos séculos XX-XXI.
Cidades há, como o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, que já tinham se expandido e as favelas ficaram mais ou menos separadas, mesmo que cada vez mais visíveis nos penhascos cariocas e esparramando-se de tal modo que acabam por se confundir com o mundo do asfalto. Mas no que também essas cidades foram se expandindo fizeram brotar, paralelas com os bairros dos brancos e pardos mais claros, as favelas dos pardos mais escuros e negros de todos os tons. Em muitas cidades, por falta de planejamento arquitetônico e urbanístico, os próprios bairros crescem espontaneamente para os lados e para o alto, sem supervisão pública, confundindo-se com favelas que brotam onde haja espaço livre para se ocupar, muitas vezes em locais de risco. O que não raro provoca grandes tragédias.
Ninguém se preocupa em gastar dinheiro com acabamento externo, só com o interior e muitas vezes nem isso, porque não tem mesmo o que investir. E o que também faz com que as cidades brasileiras hoje estejam entre as mais feias do mundo são os remendões de tijolo e cimento entre os espigões dos “bacanas”, ou pouco mais ou menos. Ou ao lado ou nos fundos de condomínios que por sua vez, paralelos aos shoppings, são quase os únicos espaços para transeuntes com o mínimo de segurança, as cidadelas modernas das cidades dominadas pela violência, em um ambiente VERDADEIRAMENTE DANTESCO.
- As maiores cidades brasileiras são grandes feridas sem cura provável a médio ou longo prazo. Em todas elas instalou-se o caos, uma desordem que nem de longe é semente que venha a produzir um bom fruto. Segurança pública, saneamento básico, saúde, trânsito, tudo é uma imensa sucata. Temo que os próximos quarenta anos apenas agravem a atual situação. – José Wilker, ator.Violência polícia VIOLÊNCIA NO PARAÍSO VIOLÊNCIA NO PARAÍSO VIOLÊNCIA NO PARAÍSO VIOLÊNCIA NO PARAÍSO Notícias do Tiroteio The ShootDown News
Ao transferir-se para as “comunidades” (eufemismo para favelas, que parece mais chocante), o Estado transfere também a sua escória, autoridades em geral i.e. políticos (salvo exceções) e membros de milícias, de grupos do chamado narcotráfico ou facções criminosas, que se reúnem em conluio (pago, porque aqui ninguém trabalha de graça) e eis o ovo da serpente que se revela. O mal impera sobre o bem e o projeto logo vai a pique. Porque não é do interesse de ninguém, nem mesmo em princípio dos moradores que ao mudar o estado das coisas vão ter de pagar taxa disso e daquilo mais conta de água, luz e o escambau, de que usufruem grátis ou 0800 via gato, ligações clandestinas, inclusive wi-fi gatonet. Milicianos são na maioria agentes de segurança pública, não importa o que, soldado ou cabo ou sargento da PM, marinheiro, basta que seja de alguma força da autoridade.
A Falange Vermelha nasceu no Presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, cenário de Memórias do Cárcere, em que Graciliano Ramos descreve sua experiência como preso político da ditadura de Getúlio Vargas. Presos da ditadura militar são enviados quarenta anos depois para o mesmo presídio e, como o escritor, postos em convívio com delinquentes comuns. Entre eles está José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, que espalhará muito terror nas cadeias e o seu poder sobre uma das cerca de 500 favelas existentes no Rio de Janeiro nos anos 1980. Membros de grupos de guerrilha ensinam-lhe tácticas de organização e luta política. Da sua Falange Vermelha, como de um PCB, nascerá a dissidência Comando Vermelho e desta o Terceiro Comando. Tudo sobre uma estrutura organizativa do tipo célula política clandestina.
... narcotráfico
O regime policialesco, que faz com que os cidadãos convivam com todo tipo de arma por onde quer que trafeguem, agrava um contexto de corrupção disseminada na polícia e a violência nas ruas. Em outubro de 2009 é lançada uma operação para pacificar 49 favelas através da instalação de Unidades de Polícia Pacificadora da Polícia Militar, uma contradição em termos.
Em 15 de março de 2010 o jogador de futebol Wagner Love, atacante do Flamengo, repete as aventuras de Adriano Imperador, o seu antecessor na vaga, e vai a uma festa na Rocinha escoltado por traficantes com fuzil. Seis dias depois o governo do estado implanta uma UPP no morro do Livramento, no centro da cidade do Rio, onde as favelas começaram a brotar entre os séculos XIX e XX. Cai a seguir o Borel, quando as autoridades repetem a promessa de que a UPP que ali será instalada irá ser o posto avançado de uma ação tendente a levar às favelas serviços de que não desfrutam e que esse será o elo de ligação entre o poder constituído e a população nas 26 favelas ocupadas em 2010, equivalentes a apenas 1% do total de favelas da região metropolitana, segundo Fernando Gabeira, fundador do Partido Verde, em campanha eleitoral para a Prefeitura carioca.
8 de Novembro de 2010 – Operação da Polícia Militar na Vila do Cruzeiro e 800 soldados do Exército cercam o Complexo (de favelas) do Alemão, de que aquela favela faz parte. A ação é antecipada em relação aos planos do governo, que decide responder a reações dos traficantes ao avanço das UPPs. A escolaridade média no morro do Alemão é de cinco anos e os rendimentos dos trabalhadores que ali residem equivalem a menos de um terço do rendimento médio na cidade. 26 de novembro – Guerra Urbana no Rio de Janeiro: Favela Vila do Cruzeiro bairro da Penha, Complexo do Alemão – 43 mortos em cinco dias, 98 autocarros incendiados até aqui a mando de traficantes do Alemão que receberam abrigo na Rocinha e em São Gonçalo, região metropolitana da capital do estado. A “facção do narcotráfio” em ascensão atualmente é a Amigos dos Amigos. O Globo 27 de novembro 2010 - manchete a toda a largura da primeira página: A guerra do Rio
A guerra do Rio Intenso tiroteio entre Exército e tráfico abre Batalha do Alemão O governo anuncia entretanto que até 2020 todas as favelas serão urbanizadas, integrando-se à cidade.O “tráfico” é o móbil de toda a ação. Um milhão de jovens pardos e negros crescendo espontâneos do nada e sem nada que fazer além de vadiar e fumar um baseado, unzinho, porque a escola não os quer e os enjeita, os pais nem ligam, porque não sabem o que é e para que serve a educação, quando dizem que vão arrumar emprego e, claro, não arrumam porque com boom ou sem boom a economia não ajuda a quem não tem “boa formação”. O “tráfico” é o móbil e ao crescer esses jovens desenvolvem a natural rebeldia juvenil aliada ao instinto selvagem de zona de fronteira e o clima vira de faroeste ou bangue-bangue. Mata-se ou foge-se de susto de bala ou vício como elemento natural na luta pela sobrevivência. Isto passa-se em centenas de concentrações urbanas superpovoadas. Em Salvador, por exemplo, as zonas conflagradas estendem-se por dois terços da região metropolitana, onde os moradores convivem dia a dia com tiroteios e exibições de belos colts de todos os modelos e feitios. Isto em meio a balas perdidas, que vitimam o bebê ou o mais velho que saiu à rua para ver pensando ouvir bomba de São João. Não poupa nem a faixa litorânea onde se concentra a população branca, porque se na frente está Amaralina logo atrás está Nordeste de Amaralina - um favelão. Por nada. Brincadeira de caubói e índio em meio à anarquia à vera.
- Aqui no Rio me esperavam surpresas incríveis. A primeira delas foi ver a beleza da raça brasileira em Ipanema. É a raça dos que comeram. Depois fui ver Caxias, fui ver Madureira; já é outra raça, a dos que não comeram. A figura dos que não comeram, do povão, de um lado, e a beleza de Ipanema formam um contraste. A beleza de Ipanema está muito mais bela e as subtribos de Caxias, do Méier, estão mais terríveis ainda. – Darcy Ribeiro, 1977
O Brasil está paralisado diante da questão social e está se tornando uma nação de castelos armados. No Rio de Janeiro os edifícios da Zona Sul são cercados de grades e guardas particulares. É uma mistura de apartheid social e medo. O país precisa pensar em fortalecer o espírito de comunidade e não em levantar arranha-céus protegidos por cães e guardas. Não se busca alternativas para a vida que os brasileiros estão vivendo no momento. A frase do presidente (Henrique Cardoso, n.d.a.), de que não há alternativas, deveria ser tomada como um desafio pela intelectualidade brasileira. Eles deveriam pensar em projetos que tornassem possível melhorar a justiça social. O sistema político no Brasil é uma máquina de distribuir dinheiro para cima, para as classes média e alta. A elite americana tem mais sentimento de culpa. É um traço do protestantismo. O rico brasileiro não tem sentimento de culpa. O americano rico fica envergonhado por ter muito dinheiro. O protestante, como dizia Calvino, nunca sabe se será salvo ou não. O católico, cuja moral está mais presente na cultura brasileira, sabe que será salvo a cada domingo. – Thomas Skidmore, brasilianista, em entrevista a Veja 19 de abril de 2000 AMARCORD GLAUBER ROCHA ANOS 1960 e 1970
Abril de 1889, um ano depois da decretação da libertação dos escravos pela Lei Áurea, uma Comissão de Escravos Libertos escreve ao abolicionista Rui Barbosa: “Comissionados pelos nossos companheiros libertos de várias fazendas (...) do município de Vassouras para obtermos do governo imperial educação e instrução para os nossos filhos (...)” - pedindo ajuda para conseguir cumprimento da Lei do Ventre Livre de 1871, que estabelecia que os filhos dos escravos nasceriam livres e seriam educados. Não foi cumprida a parte da educação. “Nossos filhos foram imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guialos pela instrução.”
veja agora on-line aqui
Rio de Janeiro - Brasil
revoluciomnibus.com eBookstore
acesse a integra e trechos de livros de james anhanguera DAQUI
MAPA DA MINA MAPPA DELLA MINIERA
revoluciomnibus.com - ciberzine & narrativas ©james anhanguera 2008-2023
créditos autorais: Era Uma Vez a Revolução, fotos de James Anhanguera; bairro La Victoria, Santiago do Chile, 1993 ... A triste e bela saga dos brasilianos, Falcão/Barilla: FotoReporters 81(Guerin Sportivo, Bolonha, 1982); Zico: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior e seleção brasileira de 1982: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Edinho: Briguglio, Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Antognoni: FotoReporters 81, Guerin Sportivo, Bolonha, 1981; Cinque Terre: encosta Liguria, Mariana Sales; Alemão, Rio: Getty Images/Época, São Paulo; É por tudo: Fábio Motta/Estadão Conteúdo;; Bendine/Petrobras: Wilson Dias/ABR; Val Machiori: Rafael Martins Impeachmment Já: J. Duran Machfee/Estadão Conteúdo; Dilma Rousseff: Evaristo Sá/AFP; Dilma Rousseff: Beto Barata/Folha Press; Desperado: Eugene Oshiko/AP; Xi Jinping/Kirchner: Juan Mabromata/AFP; Pipa no Dona Morta: Pedro Kirikos; Lula da Silva: Ricardo Stuckert/Inst. Lula; Globo Economia/Alemão, Rio: Tapumes no Congresso: Joel Rodrigues/Folha Press
CONTATO E-mAIL
educação diversão desenvolvimento humano
facebook.com/ james anhanguera twitter.com/revoluciomnibus instagram.com/revoluciomnibus -youtube.com/revoluciomnibus
TM
Carolina Pires da Silva ou Lina da Selva e James Anhanguera
TM