revoluciomnibus.com | James Anhanguera | ERa Uma Vez A RevolUÇÃo. ...I I I | MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS | NO SALOON |
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A imersão na noite lisboeta marca o início de uma lenta descida aos infernos, viagem ao fundo de todas as noites, da défonce, de Melville e as baleias brancas, Rimbaud, Baudelaire aos paraísos artificiais, Thomas De Quincey comedor de ópio, Lowry afogando-se debaixo do vulcão, os três tristes tigres havaneses de Cabrera Infante, capas da New Yorker como na catedral de Llosa, mil noites de solidão, coqueluche-erupção, cinemas novos, nouveau roman envelhecendo, Antonioni, Fellini, Godard, Jacques Tati, Murnau, além das músicas, tudo cheirando a novo, embora já ultra decadente e desbocado como os discursos delírios, não faltando também toque de Manuel Bandeira, Raul Bopp e Jorge de Lima de antologia sumária, mais uma pitada de mundo cão ou de Freaks ainda antes de Freak Brothers, que entram em cena logo a seguir. Ah, sim. Passou por Lisboa há anos e frequentou os mesmos círculos – que remédio – Pierre Barrouh, compositor francês do famoso tema de Un Homme, Une Femme, de Lelouch, portanto, não falta sequer um toque de bossa nova aos enlaces delirantes das noites perdidas (?). Como referência artístico-literária a coisa não me é de todo estranha. Há até gente na família que praticou a boemia dourada da Lapa e de Copacabana nos anos de ouro. A coisa, como referência, vem também da voz madura de Maysa, que JCP sempre cita em momentos de delírio etílico, entoando Meu mundo caiu... e, sem se lembrar da letra, trauteando la-ra-raa, la-la-la-ra-ra-raa cada vez mais espaçadamente até abrir um sorriso em O, arredar o cabelo da testa e exclamar: Ó deus, como se fosse um fado e se estivesse em casa típica. O roteiro é mais ou menos o mesmo de Nuno Bragança, que já não frequenta a noite. Quer dizer, aos inferninhos do Intendente vai-se uma vez sem exemplo mas os outros ambientes não são muito menos soturnos. Quase sempre, em noites brancas, faz-se o preâmbulo pelo salão do Príncipe Negro ainda em horas mansas. Ou então vai-se aos gregos, ou seja, à Acrópole, onde sempre se parte uns pratos, o felliniano a mais não poder Texas Bar, onde após abrir-se a porta de vai-e-vem somos efusivamente saudados pelas mulheres da orquestra de um barco suspenso bem ao alto à direita, ou mais raramente ao Jamaica. Wenders evoca bem em preto e branco o cenário lúgubre da fachada do Texas Bar, que em verdade parece o de um western numa cidade da Europa setentrional. Sempre se dá uma passadinha pelo Bolero, ao Martim Moniz, que de Anjo Azul não há nada mais parecido, às vezes JCP já meio caído enganando a bebedeira com a sopa alentejana de rito, e o pianista cego, sobre o pequeno palco, sempre a olhar tudo com um sorriso enquanto executa sucessos dos anos dourados como Laura. Dali – ou de lá do Cais do Sodré – ruma-se ao Gato Preto, onde quando não se recorre à sopa do Bolero faz-se um repasto típico de arroz de coelho com vinho tinto a intervalar, passa-se pelo Dominó, onde se tem o raro deleite de ouvir a grande Carmen Costa, lamentavelmente também espécie de diarista do local, e acaba-se sempre no Cantinho dos Artistas, logo à entrada do Parque Mayer, que mais perto de um táxi-ambulância não há. O porteiro abre a porta e entra de chofre o som do trio da casa nas síncopes enjoativas de this is the way to Amarillo, pum, pum, os acordes de vômito de Yellow River ou o nauseabundo matraquear de Tie a Yellow Ribbon dos indefectíveis Christie. Superado a custo o impacto da entrada, sempre sublinhada com uma careta, vale tudo, até arrancar olhos.
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