revoluciomnibus.com  James Anhanguera ERa Uma Vez A RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  SILÊNCIO

Como Mia Farrow em Broadway Danny Rose, só que ciceroneado pelo capeta de Asas do Desejo, faço o meu ingresso no écran ao outro lado da vida para conhecer uma das faces mais duras, cruas e reais da existência, a da minoria dos banidos e proscritos, mesmo que por artes mágicas do intelecto bem ou mal consigam exercer alguma actividade regular remunerada durante o dia, que quase sempre sem outra opção singraram a via do desregramento dos sentidos, buscando no álcool e na noite a luz que lhes é negada por convenções ou espartilhos, amenizar o desatino, desatinar. Jornalismo e boémia são ainda nesta pré-história da pseudo-academização da profissão elementos indissociáveis, quase que como se certos homens que de dia supostamente dão conta às massas anónimas de como é a vida e como vai o mundo convencional, nos seus aspectos quase sempre mais ridículos ou bárbaros, sendo os que mais vendem, tivessem de pagar o altíssimo preço de, por ossos do ofício e limitações políticas, aceitar o silêncio do indizível. Chiiiiu... pode-se ouvir o silêncio... – seria um bordão de JCP, qual um Van Morrison ainda insuspeitável: Can you feel the silence? And it’s always been NIGHT...It’s always been night quando, longe dos cabarés e do bulício, serena e revela a sua faceta de pescador de palavras, imagens, sensações imemoriais na calada da noite ou da tarde de ressaca das noites brancas, quer dizer, muito escuras. Quando os homens montam quebra-cabeças de palavras e imagens que vão mostrar certos aspectos da existência que, por limitações várias, como diria Chico Buarque, ‘não saem no jornal’. Pela sua própria formação e por tratarem precisamente disso, da procura da luz, beleza na penumbra ou esclarecimento no terreno do imperscrutável, os repórteres de cultura e espectáculos, como JCP e eu, sentem-se uns privilegiados, porque não tratam de forma vil, hipócrita, da matéria viva e (auto)censurada, ao contrário, revelando o que é possível de sinais luminosos no mundo ensombrado, a natureza caótica de seres e coisas na arte do improviso, a razão de ser do pecado, a desburocratização e descompartimentação dos seres no terreno movediço dos sentimentos e emoções, numa palavra, a arte, embora também de forma circunstancial, superficial, banal.

Quase uma década nos separa em idade como dois rios de fontes absolutamente diferentes – JCP formado no movimento grevista estudantil de 1962 e quase, quase da geração de poetas daquela era, a do embrião das revoltas do final do decénio, eu nas brasas do rock. Mas não há entre nós azeite indissolúvel. No fundo é a mesma guerra, luta, busca de beleza, lirismo e paz. É um novo e importante campo de pesquisas entre os muitos – livros, discos, filmes, teatro pouco, sendo uma das artes mais perseguidas pela ditadura e não intercambiável entre fronteiras em tempos muito anteriores ao videocassete e ao DVD – de quem se lança à aventura na estrada do auto-aprendizado que me predispus a percorrer ao fazer-me a Londres, ou seja, ao desconhecido.

           A minha escrita incipiente levou não raro um editor sem peias a amassar alguns manuscritos e deitá-los ao cesto do lixo enquanto bradava: por que não voltas para a escola?!

           Para não me melindrar e ser melindrado não ouso perguntar se aquela Rosa Luxemburgo de quem nos livros à venda não há – porque não convém – maiores referências não seria por acaso um homem, se Lenine era Ulianov tudo é possível – e nem a/o sei viva/o ou morta/o.

           Mas não estou aqui por acaso. A minha imaturidade é compensada precisamente por trabalhar sobre matéria obscura por aqui, muito longe do eixo Londres-N.Y.-S.F.-L.A., em que é talvez mais evidente a tentativa de consolidação de uma cultura sem preconceitos, tabus ou convenções, a chamada contracultura, terreno de que, através de uma pesquisa constante, operada em casa como num laboratório, com muito afinco e sem dores de cabeça, até porque quase não bebo e não trago o fumo dos poucos cigarros que fumo só por fumar, sou um verdadeiro especialista. Ainda sem vícios, entendidos como dependência de qualquer produto para a concretização de um objectivo, como ‘esquecer’ algum problema ou aumentar a percepção sensorial para aspectos da realidade. Essa atinge-me de chofre – e maravilha-me – mesmo careta. A catadupa de informações que recebo de fontes cada vez mais diversas é em si mesma avassaladora.

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