Deleuze-Guattari é divorciado e tem um filho de quatro anos que só vê aos domingos, quando o leva ao Jardim Zoológico, onde é comum encontrar-se colegas e amigos divorcés mais os filhos de que vivem separados, quadro de dar dó, como é o seu.

            Não morreu nem carrega nenhum sinal visível de ferimento mas é exemplo vivo, passe o pleonasmo, da pertinência da famosa frase de Raul Solnado de que a guerra pode não matar mas desmoraliza muito.

- Vi coisas do arco-da-velha, pá. À chegada ao mato a primeira coisa que avistei foi o galpão dos caixões. Da minha companhia, de 120 homens, morreram uns trinta.

            Um caso entre muitos em que é nítida a impressão de que o termo stress pós-traumático de guerra é curto para definir os efeitos de mais de um ano de missão numa das regiões mais flageladas da guerra colonial.

            - Há anos que não tenho um sonho normal. Os pesadelos e as imagens da guerra são terríveis. Escuto os gritos dos feridos em combate, os meus companheiros morrem ao meu lado e não os posso ajudar. Muitas vezes acordo e ando aos saltos pela casa para esquivar-me de uma granada de mão que me atiraram às pernas. É uma sensação horrível... sei lá... de sufoco, angústia, uma coisa indescritível – conta num quase sussurro, devagar, como se cada palavra o fizesse sofrer ainda mais, as mãos a alisar as pernas ou a segurar nervosamente o copo, a largá-lo sobre a mesinha da sala, a agarrá-lo de novo, sem beber.

            - Tomo uns comprimidos antidepressivos mas acho que já não fazem efeito. Não suporto ruídos nem tenho televisão, as conversas em voz alta, os barulhos em ambientes fechados fazem-me (sorri) urrar. Minha ex-mulher ficou paranoica, saiu daqui... arrasada. Por causa dos meus nervos, da minha intolerância. Às vezes penso em dar um tiro nos cornos e acabar com tudo de vez. A única coisa que me detém é a imagem do meu filho a chorar junto do meu caixão. Não tenho o direito de marcar toda a sua vida com as minhas atitudes. Mas não sei se vou aguentar muito mais tempo.