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No placar da redacção do Cinéfilo afixou-se há semanas a prova tipográfica da capa do último número da revista, condenada à morte pela RGT do Século, que toma as rédeas do destino da empresa quando já se fala na possibilidade de fuga em massa dos capitalistas, a borrar-se de medo com o rumo dos acontecimentos e, ameaçados de morte por esquerdistas exaltados, juntam-se a Thomaz e Marcelo no Brasil, para desespero de muitos que dizem: como se não bastassem os nossos ainda nos mandam estes caras (e são só os primeiros...). A última capa do Cinéfilo é uma das piores de uma excelente colecção. Uma caveira em destaque sobre fundo negro e a legenda: Este é o nosso fim. Mais uma desilusão dos novos tempos. Estranho que se mantenha o hino dos heróis do mar e a bandeira da esfera armilar, símbolo da colonização e por tabela colonialista, sinal de que pouca coisa poderá mudar. Revolução?! – e que revolução é esta?! Como ante-estreia de um trabalho com Jimi e Paulo Gil, director do departamento de Artistas & Reportório da Editora Valentim de Carvalho, de lançamento de parte do catálogo da etiqueta Odeon do Brasil com os principais compositores e intérpretes da chamada MPB, com sessões fonográficas para a imprensa, damos no Hot Club uma festa para assinalar o fim de um magazine a todos os títulos de cinema.
Noite de 4 de Julho. Ele há coisas que não lembra ao Baptista – Independence Day. Presente parte da nata do jornalismo, da música, do cinema e do teatro portugueses. Eu e Jimi ‘de galo’, encontramos Diogo acompanhado por Caio Monicelli, que conheci antes do 25 em cena no Teatro Experimental de Cascais com a produção de Ruth Escobar da montagem de Victor Garcia de Cemitério de Automóveis, de Arrabal. O actor brasileiro ‘abusa’, apresentando-se vestido com uma belíssima túnica árabe azul debruada de branco na gola redonda e no peitoril. Chega com Diogo de Marrocos com escala numa prisão de Beja. Foram presos na fronteira de Espanha com uma boa quantidade de haxe tipo AA, que pretendiam vender, porque Caio não consegue trabalho em Portugal – ninguém de resto no teatro, porque as salas ficam vazias, já que O Teatro Está Na Rua – e Diogo já está a ver as coisas muita mal paradas no Século e não quer envolver-se nas tricas políticas da casa, onde sequer têm respeito aos fantasmas de Eça e de Reinaldo Ferreira, o Repórter X. O famoso Mini branco que vi pela primeira vez há ano e meio novinho em folha foi abandonado no Alentejo com o motor danificado por falta d’água no carburador. Caio é intimado a manter-se ao nosso lado junto à aparelhagem de som, de onde noite fora, entre uma e outra ida ao quintal dos fundos para ‘tomar ar’ e muita cerveja, whisky, refrigerante (Caio, que não bebe) e que-joints, botamos breves discursos entre duas faixas de toda a sorte de música popular do Brasil, parte fornecida por Zé Duarte, que volta a dar-me mão preciosa em matéria em que é craque. A adrenalina vai aos píncaros sobretudo para mim. Por volta da meia-noite, o espírito do Monk-mor sempre à roda - paraparapa-param... -, Zé desce a escada sorridente, põe a mão no meu ombro e, a estancar o sorriso, como um profissional, a boca colada à porta do meu ouvido direito, anuncia que vem da Renascença, de gravar mais uma série de Cinco Minutos de Jazz, onde – à revelia do bando dos seis ‘do Mao Tsé-Tung’- acaba de se realizar uma RGT para decidir a sua sorte, e arremata peremptório: - Estás despedido, pá! Podia ter sido no 14 de Julho da mãe de todas as revoluções. O mesmo mote, meses depois. Quem se preocupa em perder (mais) um emprego aos 20 anos? Não estou sozinho. Ao contrário, muito bem acompanhado num ‘despedimento político’ para mim – embora saiba que tudo é político – sem política à mistura. Ética profissional. Jornalismo. Que ou é verdadeiro ou foda-se! De resto a minha festa é um sucesso, o Hot a abarrotar como nas melhores ocasiões apenas para ouvir-se discos, beber, fumar, estar juntos. Fosse gastar dinheiro para fazê-la e não seria o mesmo. Saio às oito da manhã no Saab de Dora, que acabo de conhecer, já em estilo beat, pela estrada fora rumo à praia do Guincho, onde beatificamente durmo a sono solto até que a meio da tarde alguém se lembra de mim e saem-me à procura. Passo dois dias quase sem poder andar, o corpo a não suportar nem a queda d’água da ducha, a morrer de insolação. |
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