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Suspenso mas não inactivo Edgar Lessa passa a acompanhar de perto o dia-a-dia da redacção do Cinéfilo. A esta altura, como quase todos os locais de trabalho em Portugal, em especial os órgãos de informação, a Sociedade Nacional de Tipografia vive em grande ebulição. Controlada pela grande maioria dos tipógrafos, militantes do PC, a comissão de trabalhadores quer orientar a política editorial das publicações da casa e passa a manter sob alça de mira o semanário dos ‘pequeno-burgueses’ do cinema, que talvez só por má distribuição - e por boicote neste processo, porque cobre com total imparcialidade nomeadamente as vicissitudes da administração do primeiro gestor designado pelo MFA para a RTP, general Galvão de Melo, que reza pela cartilha de Spínola e Jaime Neves - vende apenas quatro mil exemplares. Ao contrário do que acontecia na pequena RR, onde o seu único presumível representante – o chefe dos Serviços de Noticiários, que até aqui ninguém desconfia ser ‘da cor’, porque omite-se de dizer o nome nos momentos decisivos -, redactores e tipógrafos da imensa (para os padrões portugueses) SNT dão a entender querer anular todo o empecilho às manobras revisionistas de Cunhal e companhia bela, que já deu de sobejo a entender compactuar na medida do impossível com as demais forças políticas que disputam o poder para dar o bote quando se proporcionar. Os eisensteins da revolução portuguesa, A.-P.V. e Fernando Lopes, passam noites insones a tentar convencer as dezenas de camaradas da RGT do Século de que a luta de uns é a de todos: liberdade de expressão e prosperidade colectiva. Ou será que não é? – perguntam a rir numa tarde em relato da última noitada. Eisensteins mas nem tanto. Qualquer reunião vira happening político a relembrar a famosa foto de Lenine em São Petersburgo. Além das RGTs e de terem de fechar a revista os dois realizadores participam com entusiasmo nos plenários de definição dos rumos do cinema português. Numa delas surge a inconfundível figura do primeiro militante internacionalista na festa da Revolução dos Cravos. Glauber Rocha toma a palavra e no estilo histriónico com que conquistou a nouvelle vague do cinema europeu bota discurso e o dedo em riste: - Gente, então vocês querem fazer o cinema português, um cinema novo, revolucionário, não é isso? Então... O novo cinema português está nas ruas, agora, enquanto vocês estão aqui discutindo se devem ou não pôr em prática as teorias de montagem do Dziga Vertov ou do Eisenstein ou a estética de Renoir! O cinema português, camaradas directores, fotógrafos, operadores de som e montadores, está na rua, prontinho para ser filmado. Está sendo feito pelo povo. E o que o povo está fazendo agora, enquanto vocês discutem teoria, é a própria revolução que vocês DEVEM filmar! Qual é a função do cineasta? Filmar... Tem algum filme para fazer disso aqui? Não tem... Então, é simples: é só ir lá pra fora filmar. Vamos pra rua filmar, gente, e não ficar aqui só de blá-blá-blá! Uma das primeiras capas do Cinéfilo pós-25 é dedicada a Glauber. Nela, o autor de Deus e o Diabo na Terra do Sol volta a dar brado ao defender o general Ernesto Geisel e a sua proposta de uma abertura lenta, gradual e segura do regime político brasileiro. Vai mais longe e diz que na actual conjuntura política do Brasil, em que a classe dirigente ou é burra ou de direita, os únicos agentes capazes de promover a revolução são os militares. Seu colega de ânimo e de ânima tropicalista Darcy Ribeiro, que sonha com a criação de um socialismo moreno no seu país, explica que, exilado no Peru, convidou Glauber para visitá-lo e o realizador baiano tomou-se de entusiasmos pelo regime recém-implantado pelo general golpista ‘de esquerda’ Juan Velasco Alvarado. Glauber deve ter antevisto no 25 de Abril a confirmação das suas teorias. Mas nomeadamente para a chefia do Cinéfilo, que como antes do 25 prossegue firme no propósito de não impor qualquer tipo de censura interna, ele está mas é chaladito. |
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