Vez ou outra fico a assistir à emissão da secção portuguesa da BBC, pouso estratégico para um ou outro telefonema – inclusive ligações a cobrar para o Brasil. A emissão consiste num pivot a ler o noticiário entre apontamentos pré-gravados, que apresenta num estúdio minúsculo mas hiper-moderno. A pontualidade com que a emissão de um país sai e a de outro entra no ar a cada meia hora é a própria expressão da exactidão do Big Ben e dos comboios ingleses.

       A BBC é referência obrigatória em Portugal e no Brasil para se saber do que é proibido ou ter uma leitura além das escassas notícias da política nos dois países. Na Segunda Guerra o BBC World Service foi instalado sob forte protecção antiaérea em Andelham House, uma casa isolada perto de Cambridge. Dali Fernando Pessa alimentou os portugueses de esperanças de que o mundo não iria ficar com os da banda voou. Tom austero, preciso, polido e tanto quanto possível neutro, porque after all we’re british.

       João Saavedra, uma das duas notórias vozes mais encorpadas da secção portuguesa, recebe no seu apartamento de basement de Chelsea, com jardim condominial nos fundos, o cantor português José Afonso, em Londres para gravar um disco, e convida um pequeno grupo de amigos a que nos agregamos à última hora. Até aqui não tínhamos sequer ouvido falar do cantor e compositor português e ficamos impressionados com a simplicidade do homem, que não parece nem de longe um artista, e que ao que nos dizem é ainda também professor de liceu, mais as baladas que ouvimos numa fita Ampex que trouxe debaixo do braço, que nos fazem lembrar Bob Dylan do início da carreira, embora as músicas de um e do outro não tenham nenhum parentesco. Quando Zeca, como é tratado, fala, não pára de coçar os braços cobertos pelas mangas da camisa de flanela enxadrezada. Os brasileiros fazem-no lembrar Caetano Veloso e Gilberto Gil, que conheceu há menos de um ano em Lisboa.