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A multidão, que conviveu o dia todo tu cá tu lá com o golpe em curso, pensa que agora é tudo cá c’a malta e quer seguir os soldados também na tomada da Bastilha, ops!, do quartel da GNR, arrancar Thomaz e Caetano da prisão e justiçá-los a quente, como mereceriam, pelas atrocidades que promoveram ou de que foram cúmplices, quantas eleições fraudadas, quantos presos políticos mortos ou aleijados na tortura, quantos soldados mortos, 50 mil amputados, porque cá tivemos também um, dois, três Vietnames. O povo vibra, urra, quer a festa total, quando uma G-3 dispara em rajada contra o quartel. Quer, enfim, a revolução. A sua revolução. O advogado de presos políticos, no caso, nada faz de original. Subir uma guarita, empunhar o megafone e discursar, agachado, cai não cai, à populaça, ainda vá. Mas não aponta com o braço para a frente, ou seja, para trás dele, para onde ela deveria avançar em caso de tomada da Bastilha, o quartel, como quer, e por isso impulsionara Salgueiro Maia a destroçá-lo com rajadas e sobre as ruínas ocupá-lo. Fazer terra arrasada do QG da GNR e abrir um vácuo até ao Castelo de São Jorge. A anarquia, sim... Não seria esse o inexorável passo a seguir? Não tenho instrumentos e sequer é hora para teorias. Tudo o que me acontece, desde que comecei a trabalhar em rádio e a publicar em jornais, isto aqui e agora, é só isso: happening, uma sequência de happenings, impulso primal da vida. O advogado de presos políticos Francisco Sousa Tavares imita Camille Desmoulins fazendo o contrário de Desmoulins, a tentar evitar que a população se precipite para a Bastilha. Uma ducha d’água fria cai sobre o meu entusiasmo ao aperceber-me de que, apesar de muita gente ainda se sobrepor à sua voz amplificada aos gritos de desce daí, carago! quem é que te encomendou o sermão?!, o eficaz orador do Tribunal da Boa Hora leva a sua de vencida. Tenho só 20 anos, é um tremendo bringdown, sinto intensa frustração de jeune gen enragé que quer é ver o bota-abaixo e o resto que se exploda, vê-se depois, uma desilusão bestial, no mau sentido, ao ver que ele não se concretiza. Já a turba serenara quando, quase noite, abre-se o portão do quartel e sai um chaimite levando escondidos os hierarcas derrubados para o quartel da Pontinha. Volto à rádio com a cabeça nas nuvens. Não tarda nada e chega Adelino a oferecer ‘érremes’ do fabuloso happening do dia e uma entrevista com Salgueiro Maia, mas qual o quê, estamos proibidos de dar qualquer coisa. |
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