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Acontecimentos imprevistos, inéditos, cada golpe é um golpe, e normalmente os putschen militares acontecem para impor, não derrubar ditaduras. Gestos inéditos desde a mãe de todas as revoluções, 1789, 1830, 1848, o dagerrótipo, o cinema, o automóvel, a rádio, a TV, a Bomba H, o Sputnik, a máquina de escrever Underwood, a máquina de barbear eléctrica, a guitarra eléctrica, os sit-in contra o Establishment e a guerra do Vietname, 1968. Gestos inéditos. Que se comete ou se vê em primeira mão absoluta. As calças e camisas justas ao corpo, floridas. Gravatas-babetes de nós enormes, floridas ou com padrões psicadélicos multicoloridos. Calças de boca-de-sino, a retomar uma tradição de marinheiros e fadistas. Os três acordes básicos dos blues amplificados e sustentados por baixo e bateria. O pedal wah-wah. Os sons de Hendrix. Sons de comoção, em que todo o corpo é tomado de um frémito como de um choque de prazer, um orgasmo bem conseguido ou dar a primeira passa num joint de haxixe fresco ou sentir o ácido a subir devagarinho e apossar-se do cérebro, todo ele, cosmos interno, conhecido ou indesvendável. Só desvelado talvez através de uma meditação de ioga. Pássaros de Fogo, Sagrações da Primavera, gimnopedias astrais.
Não é o meu primeiro golpe. 1o de Abril, dia da mentira, dizem alguns milicos que agiam com boas intenções, acabar com a baderna do governo João Goulart, com raízes mais profundas, mas segundo alguns porque, pressionado por todos os flancos, o presidente não era firme nos propósitos e não tinha pulso forte, um indeciso... Ou pela equação mais simples: para Washington, tempo de “pôr ordem” no quintal latino-americano. Tinha eu dez anos, recomendação de que a população não saísse de casa também houve, não houve aulas, fiquei frente à TV na hora dos desenhos animados a ver parte dos acontecimentos em directo, porque os estúdios de uma emissora ficavam quase em frente ao Forte de Copacabana, onde estavam as tropas cujo comando mantinha-se leal ao governo constitucional, para mim nada daquilo tinha grande significado, mas de qualquer modo o clima era outro, da agitação quase permanente do governo que se diria de centro-esquerda, compelido a implementar um programa de ‘reformas de base’, para uma outra fase, que o clima no ar e as caras velhas dos altos oficiais sublevados já faziam pressentir opressora. Aqui não. Os sinais são de sentido oposto. Os comandantes operacionais, como Salgueiro Maia no Carmo, são jovens, e tudo neles leva a sentir serem gente como nós, decidida a pôr fim à opressão. Seja como for, orientados por quem? Sob que orientação? As pessoas nas ruas temerariamente a acompanhar lado a lado com os soldados a evolução dos acontecimentos, a vibrar pelo sucesso da inssurreição e já a festejar a queda do regime que as manteve enjauladas toda a vida. |
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