revoluciomnibus.com James Anhanguera ERa Uma Vez A RevolUÇÃo. ...I I I MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS DE AMARELOS
Em 1973 a economia portuguesa volta a crescer 10%, mas hoje em dia ninguém dá trela a isso. Certo que, aparte as limitações de um mercado pequeno e pobre, vive-se uma euforia derivada da prosperidade das classes médias e alta, multiplicando-se os drugstores e os cinemas de bolso. Lisboa tem três jornais matutinos e quatro vespertinos e o Porto três matutinos que vendem e têm publicidade suficiente para se aguentar, até o República, que quase não tem publicidade, mas recebe umas subvenções da resistência socialista no exílio. O capitalista Jorge de Brito decide investir a sério na Sociedade Nacional de Tipografia, que além de O Século publica três revistas, a que junta uma quarta, Cinéfilo, com uma redacção baseada em parte da nata do novo cinema e da crítica. JCP encontra as fontes de renda fixa de que precisava. Apesar dos drugstores e dos cinemas de bolso viver em Lisboa só é bom para um mancebo como Edgar, que aproveita a pasmaceira para marrar e ver muito cinema histórico nas sessões de meia-noite. Após mais uma delas no Londres, com JCP, ambos rumam para o Gambrinus, onde têm por hábito comer rosbife regado a Four Roses, por auto-sugestão de JCP em reverência a Phillip Marlowe. À entrada dão de caras com um jovem de estatura médio-baixa, porte atlético, magnificamente enquadrado num blazer de veludo azul turquesa com aba de cetim da mesma cor em tom mais claro, camisa e calças brancas, cabelo curto e rosto muita bem escanhoado. - Oh, por aqui?! Estava de saída mas já vou de regresso. -
Diogo, meu amigo. Este é Ed, colega... e amigo!
Não sei o que ele ‘é’. É claro que é um dos ‘nossos’ – é-se do contra, ‘tem-se’ de ser, quem não for está morto e não sabe. Tudo é tão óbvio, apesar de muito escondido por véus e mais véus de proibição. Detalhes como filiação político-partidária (e já os há, os partidos na clandestinidade) não parecem importar muito – mas será que não importam? Último dia útil do mês, encontram-se muitos trabalhadores da SNT a levantar o chequezinho do ordenado no banco de Jorge de Brito à Ave Fontes Pereira de Melo, encontro marcado com JCP, bolsos recheados seguimos para almoço ajantarado no Gambrinus. De táxi damos a volta larga à Rotunda. Na telefonia um sucedâneo do Roberto Carlos messiânico de A Montanha e Jesus Cristo, António Marcos, debita um ei, irmão, vamos seguir com fé tudo o que ensinou o homem de Nazaré. Atiro-lhe à cara: - És amarelo? O outro olha embaraçado, passa os dedos curvos da mão esquerda na mecha frontal de cabelos, ri um riso abobalhado e chuta a meia voz e inclinado como se falasse a uma puta horas mais tarde: - Amarelo?! Nããão!... Que ideia!... Mas que pergunta!... Por que me perguntas isso?!... Mas quem é que te disse que sou amarelo?!... - J.P.R. - Ah sim?! Não, que tontice! Não sou tal coisa. E tu? - Também não. (E sei lá eu o que sou?!).
Passo a madrugada do dia das eleições de Outubro de 1973 num apartamento de rés-do-chão do outro lado da entrada da residência do primeiro-ministro, depois de tomar um Lipo-Perdur e enquanto se fuma uns joints de haxixe, a ouvir a Pastoral e muito Wagner. Por incrível coincidência na tarde de domingo vejo-me de novo face a um filme de Mae West. - Isso no seu bolso é uma arma ou você está entusiasmado por me ver? – pergunta, a dar de ombros e quadris. Não acho graça. Penso na vida nos subterrâneos e tremo de medo e de ressaca. O governo espalhou por toda a cidade cartazes com uma caveira com um símbolo da paz estampado na testa e os dizeres:
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