revoluciomnibus.com  James   Anhanguera ERa Uma Vez A RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  JOSÉ AFONSO

       Ele está livre mas Zecafonso lá fica em Caxias, como depressa se saberá de viva voz da temerária e fiel Zélia, que desdobra-se em visitas às redacções para recolher assinaturas para um pedido de libertação do marido. Diz que de nervoso o homem nem come, está quase afónico, queixa-se de dores nas costas, mal crónico agravado em prisões anteriores e nem agradece a solidariedade que pela primeira vez sinto como obrigação cedida de forma assaz diferente de esmola, a cabeça bem atrás do coração estufado de orgulho por estar entre os melhores – e ora o caraças, com o Bob Dylan português -, mesmo não sendo um deles, sem medir consequências, e se as houver pior para elas.

       Passa-se o 1º de Maio e mais uns dias e após um mês de prisão é a vez de Zeca agradecer aos que o apoiaram em ronda pelas redacções. Os tique nervosos acentuados. Mantém-se de pé, como sempre de braços cruzados. Pisca muito os olhos atrás dos óculos grossos enquanto fala em tom quase inaudível e ritmo acelerado, ora e vez passa indicadores e polegares nos lóbulos ou as mãos no cachaço antes de ajeitar os óculos no nariz. À noite vai-se ao cinema. Zeca mora em Setúbal e aproveita as idas a Lisboa para se actualizar com o que se passa. O filme não lhe agrada, pois antes do intervalo sai e não volta. Está no lobby a espreitar o movimento da rua.

       - Não estás a gostar do filme?

       - Bom, o filme não é lá grande coisa, mas não é isso, pá. É que depois de um mês de cela custa-me muito ficar fechado – e comprime os braços contra o tronco. – Sinto-me sufocado em espaços fechados. A prisão aumenta a minha claustrofobia.

 

       Não se pensa sequer em entrevista com José Afonso porque seria proibida. Metade das faixas do seu último LP, Cantigas de Maio, está proibida. Cabelos quase grisalhos com duas grandes entradas frontais, camisa xadrês de flanela e calças de terilene, vive uma espécie de clandestinidade, como se no anonimato. Mas em muitas casas não há reunião que não inclua a audição dos seus poucos discos e de Filhos da Madrugada, do primeiro depois que deixou de cantar fados de Coimbra, espécie de hino da resistência. Deixou de dar aulas de português em liceus, a sua profissão formal, e sobrevive com o dinheiro dos contratos com a etiqueta Orfeu, da Editora Arnaldo Trindade, do Porto - que nem se dá ao trabalho de projectar gastos em campanhas promocionais, inúteis e desnecessárias, porque os textos poderiam até ser apreendidos como material de propaganda clandestina e, na melhor tradição política, a divulgação do seu trabalho é feita boca-a-boca -, de eventuais cachets simbólicos que receberá por uma ou outra das actuações quase clandestinas em sindicatos e colectividades de cultura e recreio e do salário de professora de Zélia.

 

        O fim da ditadura projecta-se em conversa numa tarde na redacção. Dez anos parece um prazo suficientemente longo, até por ser o de limite para o passamento de Marcelo. A esperança parece eterna a cada dia sob ditadura. Aqui, ninguém sabe como é viver em democracia. As únicas testemunhas são uns pouquíssimos velhos ‘republicanos’, quase imberbes ainda quando do advento da dita, dura. ‘Republicanos’... e por acaso estamos numa monarquia?! Sim. Que não diz o nome – plebeia da mais baixa ralé, que não tem sequer como se gabar do sangue azul.

       À mercê do destino? Nada depende de nós? Da vontade própria?

       Alberto Seixas Santos fez há anos Brandos Costumes, cristalizando a imagem idiomática do país.

25 antes durante depois

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