1^{973 dá nos nervos do regime porque até os subterrâneos estão mais agitados. Católicos ditos progressistas reunidos em Janeiro na Capela do Rato arriscam-se a assinar um manifesto contra a guerra colonial e é grande a mobilização em torno das candidaturas da CDE para fazer algum ‘ruído’ na engrenagem propagandística do regime até as eleições-farsa de Outubro. A Pide teme uma investida em grande dos activistas e simpatizantes no 1o de Maio e faz uma varredura entre intelectuais e escribas, como J.P.R., que é intimado a comparecer às instalações da António Maria Cardoso.}

       ^{- Já pus até a mulha de sobreaviso para preparar o enxovalito caso vá de lá para Caxias ou o rai-que-os-parta – conta antes do primeiro tête-à-tête com a opressão.}

       ^{É uma quarta-feira de embate decisivo do Benfica na Taça dos Campeões Europeus. Pede dispensa dos jornais e vai ao Chiado sob o peso de quem sobe o Gólgota.}

^{- Ainda por cima o inspector pôs-me a secar horas no corredor do gabinete para pôr-me o moral debaixo da sola, eu ali cada vez mais à rasquinha, carago, que de galego só tenho um pouco de sangue, e à medida que passava o tempo cada vez mais tremeliques, ora o tanas, e a perguntar-me: será que esses gajos serão capazes de dar-me uma carga de porrada e mandar-me pra choldra? E o que é que eu fiz pra isso, porra? O inspector sai e entra, entra e sai do gabinete e nada. Quando sai mais uma vez eram quase sete horas e vem dizer-me que eu não devia preocupar-me mas tinha de me levar para Caxias porque lá íamos ficar ‘mais à vontadita’, olh’ó pintas, mais à vontade ficava ele, porque eu quase me borrei nas calças de iaúfa, porque a impressão que me dava de repente era a de que já não ia voltar para as minhas filhinhas. Tou quilhado – disse de mim para mim, crente que com sorte ficaria num apartamento com vista para o Tejo. Descemos, entramos num Opel preto, eu, ele e o chófer, e eu só pra ver se conseguia tirar nabos da pucarinha ainda lhe mando com um senhor inspector, será que lá chegados eu não poderia fazer uma chamadita para a minha mulher a dizer que está tudo bem, para ela não ficar ainda mais em apuros, coitada, ela sofre do coração e pode dar-lhe o badagaio se eu me atraso mais. O senhor acha que a gente se despacha ainda antes do segundo tempo do jogo? Sabe como é, eu até que sou da Académica mas o Benfica sempre é o Benfica, e cá pra mim: ai sim que vais ver o Benfica!... Tou masé frito, pá... Nada disso! – retruca-me ele. Fique tranquilo que é rapidinho. Eu também não queria perder o jogo nem por nada, mas o que é que se há de fazer? Lá chegados puseram-me numa sala tipo cela pequena com duas cadeiras e uma mesa e o tipo põe-se-me a perguntar sobre o que eu pensava disto, o que achava daquilo, se tinha contacto com algum grupo político oposicionista, e eu nervoso como o raio mas a querer dar ares de tou-me nas tintas ainda sorria ao gajo e mandava-lhe umas abébias, tipo qual o quê, tenho a minha tarimba que me ocupa de manhã à noite, fora alguma costura em casa para fora, mais três filhas e uma cadela, e ele a puxar daqui e dali a ver se me pegava nalguma esparrela e, ó, quando eu menos esperava, olha pra cebola, diz com escárnio que já são oito e meia e quê, ainda perdemos mais é o jogo todo, o amigo quer uma boleia? E não é que o sacana deixa-me à porta de casa, eu ainda sem saber se ria ou se chorava por não ter ido para a enxovia, por conta disso dei-lhe forte numa pomada que tinha lá em casa e apanhei uma tosga que foi um ver se te avias e só me recompus depois de acordar, tomar um banho, olhar-me no espelho e ver que foi só um bruto de um pesadelo acordado, hijos de puta! Tou livre, é o que importa. Vamos mas é comemorar lá embaixo com umas taças de verdol e esquece!}