revoluciomnibus.com  James   Anhanguera ERa   Uma   Vez  A   RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  DÉCADENCE

Cabarés e nostalgia, até porque a faceta ainda sorridente do mundo ocidental empalidece, com o prenúncio da primeira grande crise económica do pós-guerra, vive-se como se o mundo fosse acabar ao amanhecer, à saída do cabaré. Como na Berlim de Goodbye Berlin, de Christopher Isherwood, base de Cabaret, e Before the Flood, de Otto Friedrich, parece viver-se o final dos tempos em que todos os valores são postos a nu pela intelligensia e pelas aberrações dos donos do poder, na iminência do extermínio atómico, só faltando ver quem irá apertar o botão primeiro. Reestreia Gone With the Wind restaurado, roda-se uma versão água-com-açúcar de O Grande Gatsby, revê-se o tempo da brilhantina e dos soquetes em American Graffiti, estreia o não menos lamechas Summer of ‘42, Marlene Dietrich volta à baila, That’s Entertainment, Play it Again Sam, Woody Allen ressuscita o mito de Casablanca As Time Goes By, Cabaret de Bob Fosse vai mais longe aos tempos da ascensão do nazismo, com Liza Minelli revelando-se clone ampliado (em tamanho) da mãe, reacendem-se os grandes mitos de George Stevens (Giant, A Place in the Sun), Vincente Minelli (Um Americano em Paris, Some Came Running), Richard Brooks (Gata em Telhado de Zinco Quente, Sweet Bird of Youth) , Elia Kazan (Esplendor na Relva, On The Waterfront, The Arrangement), Nick Ray (Rebel Without a Cause/Fúria de Viver, Johnny Guitar).

       A fúria das novidades avassaladoras dos anos 60 varreu o passado do mapa. Nunca se curtiu tanto o presente com os olhos no futuro, tentando-se alhear do que ele pode ter em reserva de terror. Até os americanos riem das trapalhadas do Nixon-dos-truques no Vietname através de uma paródia em pleno campo de guerra na Coreia em M*A*S*H* de Robert Altman. Mal começam os anos 70 e é como se o fim do sonho, da era da prosperidade e das grandes ilusões, obrigasse a um flashback aos anos anteriores ao baby boom até a ‘era de ouro’ do beat e do rock’n’roll.

       Vive-se entre a nostalgia e a decadência dos valores hipócritas que resistiram às grandes guerras. Parece que a sua era acabou mas ainda se acredita em revoluções. Tempo de revisões. Recebo uma série de discos de revival, com músicas até aqui alojadas no meu subconsciente desde a mais tenra idade - The Platters, Chuck Berry, Bo Diddley.

       Décadence, oui, mas avec muita élegance.

       No rock decadência e ambiguidade são um achado de última hora. Com muito make up, roupas superfantasiosas e caras de mau os Brian e Bryan Eno e Ferry e Phil Manzanera, na Roxy Music, David Bowie, Nico, Lou Reed, Marc Bolan/T. Rex e Alice Cooper mostram que o estilo ainda pode reservar algumas surpresas, ainda que ele mesmo decadente nos anos que quase tudo leva a crer de pré-apocalipse. E ainda assim o género continua a alargar horizontes em termos musicais e comportamentais, pois se os roqueiros da segunda geração eram tidos como efeminados apenas por usar cabelos compridos, roupas mais ou menos espampanantes e a voz em falsete, estes passam ostensivamente ao deboche.

     Também para Hunter S. Thompson o sonho alucinado dos anos 60 acabou, e o que resta ao jornalista free-lancer extraviado naqueles tempos quando se arvora ao Fear and Loathing in Las Vegas, com que me defronto entre o maravilhamento, o estupor e nenhum embaraço, é o confronto em tom histriónico de deboche (acentuado pelas ilustrações de Ralph Steadman) com a autoridade hipócrita e corrupta. 

 

       Do sul, apesar do arbítrio, chegam mensagens totalmente opostas, com a energia solar da chamada MPB, explosiva mistura de ritmos e estilos que faz Ed e Jimi concentrarem-se quase que exclusivamente nas novidades em música do Brasil, juntamente com novos termos de gíria. Depois do estouro de Construção, que se seguiu a um breve período de entressafra, a energia que parece esvair-se no rock, apesar de uma ou outra explosão crepuscular, há de sobra na geleia geral brasileira, que pelas notícias que lhes chegam à Europa transborda para a poesia e o teatro, apesar da censura política e de costumes.

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