revoluciomnibus.com  James   Anhanguera ERa   Uma   Vez   A   RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  CENSURA

Um colega colecciona telexes proibidos, que cola uns aos outros, enrola e pendura por uma guita ao tecto da sala da sua casa até um grande cesto.

Em Portugal espera-se que os linguados com as provas tipográficas ou de offset voltem da censura para proceder aos eventuais cortes ou adaptações ou simplesmente os deitar fora. Ninguém é parvo para se pôr a escrever panfletos na redacção, sob pena de ser despedido por improdutividade. Aprende-se depressa até onde se pode ir, embora os departamentos da censura, exercida por militares ou esbirros da polícia política aposentados, sejam imprevisíveis, e daí frequentes conversas ao telefone em que se ouve, em tom de ironia: Mas, coronel... A grande maioria se autocensura e os mais ‘tendenciosos’ lá deitam uns apartes para deixar alguma coisa subentendida.

       As cenas mais hilariantes dão-se quase sempre quando o República deve publicar Feira de Vaidades. Talvez conscientes da arma que têm em mãos porque a coluna ocupa mais de meia página três do pequeno diário oposicionista os censores fazem trinta por uma linha antes de aprová-la com cortes ou proibi-la na íntegra, para desespero de Raul Rego.

       A ligação directa do jornal à censura é feita através do telefone a manivela afixado ao lado da entrada do gabinete do director a uma altura que, para chegar o mais perto possível do bocal, ele tem de pôr-se em pontas de pés ou urrar de onde fica a sua boca, também pelos ataques de nervos que lhe provocam as ‘implicâncias’ dos homens da tesoura, ou lápis azul.

       - É hoje que lhe dá o badagaio - diz alguém sempre que a sua cabeça, pequena e meio careca, enrubesce e as veias inflamam-se à beira da apoplexia.

- Ma... mas o se... o senhor... o senhor não... não... não pode fazer isso! O senhor não tem esse direito! Eu estou aqui que perco o comboio para o Porto e o senhor a pedir-me que espere mais um pouco? O quê? Para consultar um superior?! Mas quem está acima do senhor, o senhor secretário de Estado?! O primeiro-ministro?! Não! Não tenho só de ficar à espera e acatar, eu tenho a responsabilidade de pôr o jornal no comboio daqui a uma hora e... o quê?! Pois o senhor quer saber o que mais? Quer saber? Ora, vá para a puta que o pariu!!! A puta que o pariu, ouviu o senhor?! Ora! – e bate o auscultador no gancho e, a seguir, a porta do seu gabinete com fúria de capitão Haddock e figurinha e jeito de professor Girassol.

25 antes durante depois

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