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... a discursar é modo de dizer. Balbucio, tremo que nem garrafas vazias em grades num camião de transporte sobre piso de macadame, o nervoso faz com que olhe mas não veja nada nem ninguém à minha frente e, até por inexperiência, as palavras saem aos borbotões, como que accionadas por um automatismo, como se algum palerma mais palerma que eu estivesse a falar por mim. Mandaram-me e fui... Mal sei para quem falo, não estou preparado, embora saiba muito bem do que deveria tratar. Mas em muitos aspectos sou um bobo alegre. Há governo, ditatorial, e eu claro sou contra. A rádio portuguesa, salvo muitíssimo honrosas excepções, é uma merda e lá estou eu a dizê-lo por outras palavras. Quer saber de uma coisa? Acho que a um dado momento passou-me uma nuvem de todo o tamanho pela cabeça e eu vejo-me qual Stevie Wonder a cantar olhando fixamente para um ponto indefinido no alto da parede e a ver o quê?, talvez um turbilhão em negro ou amarelo, vermelho e castanho em círculos, como quando se olha para o sol e se fecha os olhos ou a capa de Songs In the Key of Life, acho que até falto ao respeito à digníssima plateia e que me sai da boca um palavrão do género, já nem sei, dois minutos depois de ter começado a falar vou por ali porque os ‘mais velhos’, que me merecem todo o respeito, assim o fazem, mas não sei de nada. E a plateia, quando a consigo ver ou me apercebo dela, ou cabeceia entre a vigília e o sono, mais pra lá do que pra cá, ou olha de queixo caído e atónita para aquele puto de barba mal crescida e cultivada de cabelos encaracolados até aos ombros a expressar-se em pretoguês num discurso cujo único nexo é o de uma espécie virulenta de protesto contra a rádio alienante que nos é servida, enfim, o que é que se há de dizer, também com tantas limitações, além do mais a censura e este regime, dá-me quase vontade de rir, devo até esboçar um ou outro riso de nervosismo descontrolado, sobretudo quando vejo a malta já para lá da terceira idade da direcção que me recebera e apresentara a alarmar-se e a trocar sinais também cada vez mais nervosos até que três avançam para mim, um a dizer num sussurro raivoso ó homem, o que é que está para aí a dizer, outro a interromper quase num grito dirigido à plateia e a esfregar as mãos que já se faz tarde, e já se deve fazer mesmo, a alocução do nosso convidado estava muito... e interrompe-se, enfim, é hora de nos despedirmos, muito obrigado, dirigindo-se a mim, que do outro ouvido ouço uma reprimenda do caraças do cama..., perdão, membro da direcção que me diz mas você perdeu o controle, não vê que há pides aí entre o pessoal, o que é que pretende que aconteça a si e a nós, que falta de responsabilidade, como quem diz veja lá se não volta a fazer isso, se não quem lhe dá uma tareia somos nós, não sabe o que lhe pode acontecer, e a dar-me muito claramente a entender que ali não volte a pôr os cutos, como de facto nunca mais pus, se me perguntassem que sociedade é aquela e onde fica nem saberia dizer, de resto só volto ao Barreiro para apanhar o comboio da meia-noite para Albufeira ou em transbordos etílicos e quejandos do Algarve ao raiar do sol e uma vez em ácido e, sei lá, se até aqui não tinha ficha na Pide com certeza agora tenho e data de um possível relatório de um esbirro sobre esta noite. |
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