revoluciomnibus.com  James Anhanguera ERa Uma Vez A RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  VERÃO DE 72

       O Verão de 72 é um dos mais marcantes do fim do século. Nos EUA, George McGovern (marca registada e morta à nascença) protagoniza eleições presidenciais de tirar o fôlego, como suposto representante de um quase anti-poder, reunindo em torno do seu nome todos os que se opõem à guerra do Vietname e à arrogância ilimitada de Henry Kissinger, o secretário de Estado de Nixon, numa desesperada tentativa de arredar os doutores estranhoamores de Washington, e que acaba por ser vítima da própria falta de punch, como atesta Hunter S. Thompson no Rolling Stone e no livro Fear and Loathing on the Campaign Trail. A campanha eleitoral norte-americana e o alinhamento de Paul Simon, Carole King, Joni Mitchell, Crosby, Stills, Nash & Young e o diabo a quatro com Mc(ops!)Govern é um dos temas recorrentes da estação. Mark Spitz dá um banho de medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Munique, quando o mundo vê pela primeira vez em directo pela televisão um atentado terrorista, fruto do terror palestino e israelita.

       Os meus textos começam a resvalar para o pseudo-marxismo que se intromete entre os fumos da rebeldia. Na minha incipiência de raciocínio a lógica igualitária sobrepõe-se a tudo o que se relaciona à vida, num primarismo de bradar aos céus. Não se produz nada em que não fale do engajamento político de alguns artistas e da falta de engajamento de outros em prosa feita à imagem e semelhança do jornal, politicamente correctíssimo em 1972. Mas até Joni Mitchell entra em clima de autocrítica ao interrogar-se sobre o sentido de ‘cantar para as cortinas’ em quartos de hoteis cinco estrelas e auditórios sofisticados enquanto ali na rua um músico anónimo estava a dar melhor ar da sua graça, iluminando um trecho da caminhada dos passantes com uma performance muito mais justificável, do ponto de vista social, ao tocar real good for free, sem cobrar nada. O personagem homenageado em For Free, de For the Roses, é o clarinetista inglês Lol Coxhill, notabilizado na Europa como membro das trupes de Kevin Ayers e do mago das Tubular Bells, Mike Oldfield, e que nem por isso deixou de criticá-la por não o ter convidado para a gravação.

 

       Logo obtenho o aval dos mais velhos e sou abordado em tom tu cá tu lá que me faz sentir-me um pavão pelo editor de espectáculos a comunicar-me que tem de ir a França por quinze dias para visitar o filho fugido à tropa e pergunta-me se topo editar as páginas na sua ausência. Pergunta-me também se estaria disposto a substituí-lo numa palestra sobre rádio numa sociedade de cultura e recreio do Barreiro, pelo que só me pagariam as passagens.

       A minha primeira descida aos subterrâneos da resistência antifascista tem mais aspectos gogolianos que dostoievskascos. Lá vai Ed, 18 anos, uma noite, de barco, para a mui feia, poluída e fabril edilidade, da estação de autocarro por ruas cercadas por altos muros de unidades febris, um ambiente de neve carbónica que não se sabe se provocado por nevoeiro ou por fumaça industrial, mal descortinando o que lhe está atrás, nem uma habitação, e lá se vê sentado na primeira fila de um salão com quase todas as cadeiras ocupadas por gente com ar humilde, sisuda, de cinzento ou castanho vestida e na grande maioria para lá da meia idade, enquanto José Jorge Letria palestra sobre a chamada nova música portuguesa em notável tom de equilíbrio entre alfinetadas políticas de entrelinhas, humor sardónico e contenção. Acto seguinte, lá está Ed de pé e de frente para a plateia de umas cinquenta pessoas a discursar...

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