revoluciomnibus.com  James Anhanguera ERa Uma Vez A RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  REPÚBLICA

  Hora da sopinha, almoço frugal do velho militante republicano e jornalista a serviço do pequeno-grande baluarte da oposição à ditadura, o jornal República, o único puro e – na medida do possível – duro, que lá resiste muito mal impresso no chumbo, com uns dez mil exemplares de vendas quando a maré vai pelo melhor e que sobrevive de fundos angariados por Mário Soares do exílio em Paris, onde hora e vez vai alguém levar e receber informações sobre o rumo das coisas e indicações.

       Eu e um ex-colega da RU decidimos procurar trabalho como críticos de música ligeira nas publicações possíveis, e lá subimos as velhas escadas da Rua da Misericórdia.

       A Raul Rego só faltam a viseira e as mangas de alpaca para ser um jornalista à maneira dos antigos filmes B americanos, mas para tanto à redacção não falta nada. Aliás, estatura, modos, calvície e óculos – é Peter Sellers em Dr. Strangelove sem tirar nem pôr, só que Rego mais maltratado pelos anos de militância e algumas prisões. Enquanto come a sopa, após desculpar-se por fazê-lo, mas é assim que tem de ser, ainda tem de pôr o jornal na rua e no comboio da uma e meia para o Porto, que lê cedo no dia seguinte o da véspera, ouve a dupla e marca encontro para dois dias depois, quando qual Edward G. Robinson, embora muito magro e envelhecido, recebe-nos já sentado no seu pequeno gabinete – o único da minúscula redacção – face ao seu prato de sopa subido da tasca do Manel, onde o pessoal costuma ir almoçar belas pratadas de comida alentejana de primeira, a dizer tudo bem, podem escrever para cá quanto quiserem mas não temos dinheiro para nada e a única coisa que vos posso oferecer é uma ajuda de custo para o transporte e o pagamento de eventual despesa com alguma reportagem, mas nada de exageros.

       De reportagem, a bem dizer, só fazemos uma, na Praça de Touros de Alcochete, onde num sábado se realiza como que um fantomático festival de rock só com bandas portuguesas, entre as quais os inevitáveis Chinchilas de Filipe Mendes, tido unanimemente como o melhor guitarrista destas plagas. Na redacção escreve-se à mão em linguados de 12x30cm porque só três ou quatro redactores mais velhos ou conceituados têm direito a máquina de escrever ou a trazem de casa. A disputa do espaço de mesas em que chegam a alojar-se dois redactores é a parte visível de uma luta em surdina pelas vagas de estagiário.

       A redacção tem uma linha directa com a censura através de um telefone de manivela pendurado na parede que só é accionado por Raul Rego e pelo chefe de redacção, tudo a cair aos pedaços, porta de vai-e-vem para a oficina de composição de onde se vê, através do buraco deixado por uma tábua corrida do chão que falta, a tipografia embaixo. Aparentemente desenquadrado do contexto, entra às segundas-feiras Artur Portela Filho, jovem publicitário muito janota que assina a coluna Feira de Vaidades, causa dos maiores atritos do director com a censura.

25 antes durante depois .............

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