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O que não falta, como já lhe disse, é poesia, por quem somos e ainda porque, mesmo quando ‘de intervenção’, subsiste pelo poder da metáfora, mas a ficção portuguesa praticamente feneceu, além de um ou outro exemplo menor de sucedâneo do neo-realismo e da produção autóctone e independentista do angolano Luandino Vieira e do cabo-verdiano Manuel Ferreira, o teatro está reduzido ao sempre espectacular mas ultra-conformado e passadista fenómeno da revista do Parque Mayer, aos vaudevilles de Vasco Morgado e a um gueto de microcompanhias que a custo encenam Strindberg, Dürrematt ou Ionesco (de Brecht quase nem se fala), o cinema subsidiado de qualidade é pouco ou nenhum, não fosse a vitalidade apesar de tudo demonstrada por Manoel de Oliveira quando o rei faz anos e a força quase telúrica de uma ou outra produção do chamado novo cinema. Vive-se de convívios liceais e saraus de sociedades culturais e recreativas ou de futebol, touradas e marchas populares, sangue e touros, putas e vinho verde. A música popular dá uns vagidos com a chamada nova música portuguesa, quase toda má descendente da nouvelle chanson, com a excepção de um ou dois discos de Adriano Correia de Oliveira, da obra irregular, na periodicidade, de José Afonso e de uma ou outra revelação como a dos angolanos Fausto e Ruy Mingas, dois outros raros mestres de vozes naturais. Que já fazem música angolana, no entanto, pelo idioma. Neste contexto, numa espécie de liturgia de corpos ausentes, tornou-se acontecimento de monta o lançamento do primeiro LP de José Mário Branco e do single de estreia de Sérgio Godinho, exilados em França e no Canadá, numa noite de Novembro de 1971, no Cinema Roma, em discos tecnicamente impecáveis se comparados às produções portuguesas e de espantar até porque neles – Romance de um Dia na Estrada e Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades – ninguém copia ninguém e nada é tão limitado como os trovadores domésticos. O de Godinho surpreende também porque o tema é baseado num riff tipo rock pesado, embora acústico, e pela temática, além da voz natural do cantor – o primeiro português a não empostá-la desde Zeca e os pseudo-rockers José Cid e Carlos Mendes. Mudam-se os Tempos: mexer com Camões é quase como bulir com Pessoa, um tabu, por causa da carga simbólica de referências e identificações forçadas pelo salazarismo, que dele se apropriou – primeira vez no campo da oposição, como que a dizer que o vate inconteste e incontestado também poderá ter sido a seu tempo um contestador. Os baladeiros portugueses seguem a linha neo-fadista de Adriano Correia de Oliveira, de voz empostada, quase todos no entanto (com a excepção de Manuel Freire a cantar António Gedeão, um dos maiores êxitos dos últimos anos por aqui) não lhe chegando aos calcanhares. O rock português ficou-se por uma só miragem dos tardos anos 60, na famosa neo-madrigalista Lenda de El-Rei D. Sebastião, do Quarteto 1111 – até hoje a coqueluche dos convívios liceais – e uma simples promessa, I’m Missing You, dos Sheiks, em que se revelaram Fernando Tordo, Carlos Mendes e Paulo de Carvalho. |
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