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Como recurso à falta de condições de explorar conscientemente, como se diz, a realidade portuguesa, busca-se quando possível nas rádios –, melhor dizendo, nas duas únicas estações de rádio em que, por distracção/concessão dos proprietários (que não se ‘distraem’ muito - nem o RCP dá mais espaço à malta do contra, porque já os topa de ginjeira) – se pode explorar certos aspectos do quotidiano nos mais ínfimos detalhes para nas entrelinhas – quanto mais não seja através de um lirismo sempre ‘realista’ - dar a perceber um ou outro aspecto dramático, patético ou absurdo da realidade sob este regime irreal. Algo que, nos melhores momentos, como se viu aqui e acolá no Zip-Zip, na RTP, escapa como que por milagre do maniqueísmo moscovita, aproximando-se mais por afinidade que conhecimento de facto dos ‘jovens resistentes’ que os fazem do humanismo neo-realista italiano e do cinema-verité. No cinema um dos pontos máximos é o pioneiro Aniki Bobó, de Manoel de Oliveira - cujo aparente primarismo e ingenuidade permite a sua exibição regular nas tardes de domingo pela RTP –, ou Belarmino, de Fernando Lopes, documentário da vida de um ex-boxeador em que se destaca Toni Taborda, hoje dono da tasca Toni dos Bifes, um dos redutos do fado vadio do Bairro Alto. Num ou noutro exemplo de obra mais bem conseguida o novo cinema português integra, como alguns programas de rádio, um ou outro raríssimo programa de TV, como no caso de António Vitorino de Almeida – um fenómeno de comunicação revelado no Zip -, a ‘nova música portuguesa’ de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira e o Grupo dos Quatro, a Casa da Comédia, os Bonecreiros, a Comuna e uma quantidade razoável de trupes amadoras no teatro, a ponta-de-lança da resistência cultural, o universo semiclandestino das células culturais de resistência à mão-de-ferro. Há dinheiro como o camando, mas como é natural não em certos círculos, sobretudo onde se assume uma atitude de condenação ao mau uso que dele é feito. A guerra subtrai um terço do PIB mas a economia cresce muito. Champallimaud, um capitalista à antiga portuguesa, da casta dos beneficiados pela pax ou bellus salazarista, com interesses em vários sectores de actividade, é o sexto homem mais rico do mundo. Portugal é também à sua maneira e dimensão uma terra de oportunidades, mas só para aves de rapina. As de arribação têm de emigrar em massa mais a famosa mala de cartão, muitas a dar o salto, conhecendo também a clandestinidade entre as fronteiras de Espanha e França ao fazer-se ao próspero mar europeu, numa grande e triste vaga de dimensão épica, e é dessa massa ignara que vem grande parte dos carcanhóis que dão alguma saúde financeira cá à malta, que os lucros do petróleo e dos diamantes angolanos são sugados pelas multinacionais e pela guerra. O drama do ‘salto’ é devidamente explorado numa peça de teleteatro hipocritamente repisada a cada ano como mau exemplo pela RTP, sendo só para alguns o único retrato de um drama pessoal, familiar e social, porque quase não há casa em que não se sinta de perto o seu impacto. |
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