40 anos da tragédia do Sarriá

                     do histórico scudetto da Roma de Falcão

        e do nascimento do futebol-indústria na Itália

                                                 

     5 de julho de 1982 – 14 de maio de 1983   

   1982-85 · 2022- 2025

                        Falcão 
                          Zico Sócrates
                               Cerezo Júnior Dirceu
                                          Edinho  Batista  Pedrinho
                                                   Juary Elói Luvanor
                                                                                            

                   James Anhanguera

  A triste

  e bela

  saga dos

  brasilianos

                          da tragédia do Sarriá às arenas italianas

                            Leia o livro e assista o jogo 40 anos depois

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  A triste

  e bela

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O oitavo rei de Roma

O Doutor Diretas 

Rebuliço na corte do rei Arthur  

Rei morto... fim da Monarquia


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  A triste

  e bela

  saga dos

  brasilianos

        da tragédia do Sarriá às arenas italianas

O oitavo rei de Roma

     primeiro capítulo - quarta parte 

A misteriosa intimidade do divo

 

     Non sequitur. Lobo talvez solitário, solteirão, Falcão mantém sua vida privada sob o máximo sigilo, apesar do enorme sucesso que faz. É nota mil em discrição e manobras dissuasivas, chega a ser enervante em entrevistas, porque quando face a uma pergunta inconveniente, quando pode, é pródigo em evasivas que dão a entender não estar nem aí pra nada, ou não estar com nada, o que não é verdade. Sua vida pessoal é um mistério, o que o mantém tão distante quanto possível da fofoca jornalística, mas dá aso a muita especulação. Sobressai a imagem de bom mocinho, de cocco di mamma, e a pergunta mais comum a quem chega do Brasil é: ma lui è froscio? - ele é bicha? Não se o vê dar dribles sem necessidade nem a bacioccare donne nas páginas do semanário de fofocas “Novella 2000”.

      Os mexericos sobre Falcão dão ar de comédia pastelão ao reinado do divo, que Nelson Motta, que chegou para assistir ao show de João Gilberto no verão de 83, também não resistiu ao encanto e decidiu ficar longa temporada em Roma, espelha num folhetim bem humorado, uma aventura de Dom Pepe nos descaminhos da vida noturna italiana na pista da verdadeira identidade sexual do mito, que publica na revista Placar, de São Paulo.

       Dirá o irmão Pedro, futuro administrador dos seus negócios:

      - Desde criança ele sempre teve duas paixões: o futebol e a elegância. Ele não aceitava os brinquedos comuns, como carrinhos ou soldadinhos. Queria bolas ou roupas. Talvez seja por essa mania de andar sempre alinhado que muita gente põe em dúvida sua masculinidade.

       A imprensa especula quanto pode: quem é - se realmente existe - a mulher na vida de Falcão? Os mistérios que rondam sua vida sexual servem para descomprimir as tensas discussões sobre futebol desde que o jogador chegou a Roma, há três anos. Tece-se tudo quanto é conjetura. Sobretudo quando uma revista sensacionalista publica fotos de uma mulher loura que seria o amor secreto do Divino ou oitavo rei. O semanário popular Domenica del Corriere promete revelar o que desde logo passa a ser um dos dois casos do ano do scudetto da Roma, o da donna bionda. A mulher, casada e mãe de um menino de dois anos, teria abandonado o domicílio conjugal para morar com os pais. O marido, um médico romano, moveu ação contra ela por crime de adultério. A revista publica uma foto em que se vê os protagonistas da fofoca juntos mas nada revela sobre uma sua eventual ligação afetiva. Mais um blefe de imprensa marrom ou realidade?

      O suposto romance poderia ser motivo forte para Falcão continuar morando em Roma, quiçá casar-se e adquirir a nacionalidade italiana. O presidente do clube, engenheiro mecânico Dino Viola, fabricante de componentes eletrônicos de armas, rejubila perante a hipótese de o jogador catarinense envergar a camisa do seu time por toda a vida ou de dar-lhe a possibilidade de contratar mais um estrangeiro. Cumprido o primeiro, de dois anos, Falcão assina um contrato por um ano com o então recém-eleito senador da República pelo partido da Democracia Cristã, com quem no entanto quase rompeu relações. Quer ter espaço para ponderar sobre ofertas de trabalho que lhe são feitas do Brasil e de outros clubes italianos. Dois anos depois, volta a fofoca: o filho da dama loura não é do ex-marido e sim de Falcão. E o caso vai para tribunal.

         Antes da Copa da Espanha, segundo Domenica numa manobra para desviar a atenção da opinião pública do caso secreto com a mulher loura, foram publicadas fotos do jogador jantando com a atriz sueca Ursula Andress num restaurante romano. Somos apenas bons amigos, rematou o visado.

         Anos após o seu regresso ao Brasil, a pornodiva Moana Pozzi, monumento loiro de olhos verdes e 1,78m, contra os seus 1,83 m e 71 kg, publicou uma autobiografia em que lhe deu  a nota mais baixa entre todos os homens com quem, como soe dizer-se, foi para a cama.

        - Numa noite de 1982 meu agente Ciarlatini me levou a uma festa num restaurante de Trastevere e me apresentou a Falcão. Começamos a falar, nasceu alguma simpatia entre nós e no fim da noite trocamos os nossos números de telefone. Dias depois ele me convidou para almoçar na sua casa. Decidi aceitar, sabendo o que teria de acontecer. Sempre tive queda por esportistas porque de hábito sabem fazer amor e têm uma mentalidade limpa e infantil. Mas de Paulo Roberto esperava algo mais - sapecou a pornodiva no único relato sobre a vida sexual do ídolo nos cinco anos em que atuou na Roma, e a que acrescentou numa entrevista:

        - Falcão é muito doce, é simpático, tem um corpo muito bonito, mas sexualmente é apressadinho...

       Falcão é o primeiro fenômeno de mídia romano desde Anna Magnani e Alberto Sordi. Após o scudetto 82-83, partilhar nem que seja um pouco da intimidade do ídolo máximo da cidade - e um dos maiores mitos da Itália nos anos 80 - é um privilégio de cortesão. Um pôster da Roma campeã autografado pelo divo dá direito a consumo grátis no bar da esquina até mudança de esquina. E ninguém está realmente interessado em saber o que o ídolo faz ou deixa de fazer fora das quatro linhas: o que se exige dele é que se comporte como lhe compete em campo a cada domingo e ele não nega fogo, incendiando as galerias. De duas em duas semanas, o estádio regurgitante, aurirrubro e verde-amarelo, canta sobre a melodia de Jinglebells: Roma-ê, Roma-ê, Roma, Roma-ê ... antes de gritar FARCAO!!! e entoar a marcha triunfal da Aida.

   

                                Roma S.p.A.   

 

       - A Roma é um bom time, mas pode melhorar. Nesta temporada joga bastante melhor, está mais experiente e mais bem posicionada em campo - analisa a sua maior atração. E a opinião geral é a de que a esquadra está pronta para a conquista do scudetto.

       A Associazione Sportiva Roma S.p.A. é uma empresa que se dedica fundamentalmente a fazer jogar uma equipe de futebol e sua formação júnior, a chamada primavera. Os seus celeiros de jogadores são clubes-satélites da cidade, pelo que não se preocupa sequer com sua formação. Presidida desde 1979 pelo toscano Dino Viola, que comprou 52% das ações do clube-empresa, esteve décadas a fio no meio da tabela do campeonato até ser vice-campeã italiana em 1981, sob a direção técnica de Nils Liedholm e a batuta de Falcão. E desde o final de 82 lidera sozinha um dos campeonatos mais difíceis do mundo.

       Os grandes times de futebol estão nos maiores centros industriais do norte, Milão e Turim, que albergam quatro entre os maiores fenômenos do fut mundial nas últimas quatro décadas, Torino, Inter, Milan e Juventus, rainha e jóia da coroa dos Agnelli. Roma é fundamentalmente uma cidade de turismo e serviços (sobretudo burocracia estatal) na fronteira com o grande e belo território pantanoso das máfias napolitana, calabresa, pugliesa e siciliana, a sul, que quase não passou pela era industrial. A única vitória recente da cidade no campeonato pertence à Lazio de Giorgio Chinaglia, hoje estrela-empresário do Cosmos de Nova York. A A.S. Roma é fruto da fusão de três clubes do então nascente fut romano, Alba, Roman Club e Fortitudo. Fatura em média 400 mil dólares por partida, metade deles gastos em despesas de organização e impostos. Se o espetáculo é bom as pessoas vão ao estádio mas como no teatro ou no cinema para se ter bons espetáculos é preciso ter grandes artistas e que se lhes pague salários à altura, pondera o seu administrador, avvocato Lino Raule. Para aumentar as receitas a sociedade pretende transformar o centro de treinamento de Trigoria, que se estende por uma pradaria nos arredores da capital, num clube de tênis e natação, com seis quadras e quatro piscinas. Adquiriu recentemente o exclusivo da exploração da sua imagem de marca - a loba mitológica - no comércio de equipamento esportivo. 

       Roma 1982-83

A Roma dispõe de um dos melhores meio-campistas do mundo, de três jogadores da seleção italiana (Vierchowod, Conti e Carlo Ancelotti) e do artilheiro dos dois últimos campeonatos italianos (Roberto Pruzzo), além da estrela cadente austríaca Prohaska. O melhor setor da turma é a defesa, com Tancredi, Nela, Maldera, Righetti e Vierchowod, um ostrogodo revelado em Como, comprado à Fiorentina e que será também campeão com a Sampdoria ao lado de Toninho Cerezo. O meio-campo tem de novo Carlo Ancelotti, recuperado de uma grave contusão no campeonato passado que o impediu de ir à Espanha com a azzurra. Na frente, embora artilheiro, Pruzzo ainda não se adaptou muito bem ao estilo de jogo de Liedholm, em que o ataque não é apenas uma sucessão de ações destinadas a servir um goleador, mas dá conta do recado. 

O Ostrogodo luta no céu com Bobby Gol Bettega no Juve 2-1 Roma

             Bruno Conti e Aldo Maldera   

                           Odoacre Chierico                                    Carlo Ancelotti    

        

                                                              Sebastianino Nela galopa pela direita no Juve 2-1 Roma de 17 outubro 82

                

Roberto Falcão, Roberto Pruzzo e Bruno Conti em ação no Roma 3-1 Fiorentina de 5 dezembro 82

    - Outro problema da Roma é a dificuldade de adaptação dos jogadores à marcação à zona - diagnostica o seu regista. - É natural que jogadores que se habituaram toda a vida a perseguir implacavelmente um adversário e à luta corpo a corpo demorem um pouco a se habituar ao esquema.
        Interpõe-se Liedholm:
       - A zona é boa para os romanos, para os preguiçosos que sabem usar a cabeça. Mas se aparecerem muitos imitadores estaremos arruinados. Terei de voltar a jogar com marcação individual e só Falcão e poucos outros poderiam adaptar-se. Só Falcão pode tudo, pode ser usado de qualquer maneira.

        A Roma joga no sistema de zona pura, emenda Falcão. Um tipo de futebol revolucionário na pátria adotiva do catenaccio que os italianos chamam de brasiliano e que até aqui não fez escola na Itália, onde as equipes não sabem impor o seu jogo, esperando recuadas que o adversário avance para tentar o contra-ataque, de acordo com o nosso privilegiado analista, que aproveita o sucesso para lançar-se na carreira de escritor com Il manuale del calcio

                  Il manuale del calcio

 

        O livro foge à receita habitual de publicações de ou sobre jogadores, normalmente centradas nos astros - e esse é o único reparo a ele feito pela crítica especializada. Falcão apenas posa como modelo para as fotos ilustrativas das lições, onde se vê a importância que o jogador atribui aos treinos desde os anos de formação no Inter de Porto Alegre. Com uma breve história do futebol desde os gregos, romanos e bretões, passando pelo calcio fiorentino que está na sua origem, aulas de preparação atlética e um prontuário de dieta alimentar, contém tudo o que se poderia exigir de um manual.

        - Os dotes naturais são a base para se jogar futebol, mas paixão e prática por si só não bastam para colmatar eventuais lacunas: é preciso preparação teórica. O livro destina-se também àqueles que supõem entender de futebol e conhecer todas as suas manhas, que não praticando futebol o seguem como espectadores no estádio ou na televisão e comentam, algumas vezes de forma violenta, as suas ações - avisam os seus autores, Falcão e o jornalista Franco Cerretti. Em sua primeira entrevista formal a Anhanguera, no seu apartamento na Balduina, o craque ensina:
         - Não se ensina ninguém a jogar futebol. Talvez seja mais importante transmitir para quem nos acompanha de fora aquilo que se faz fora do campo, no sentido de uma conduta, um trabalho sério, de dedicação. Os brasileiros têm alguma coisa a ensinar aos italianos em termos de futebol de ataque, de técnica e habilidade - coisas em que somos de fato superiores. Mas eles também têm muito a nos ensinar em matéria de jogo de defesa e de marcação, em que são os melhores do mundo.

         Falcão não é o tema do manual nem é por ele endeusado: o mito mantém-se discretamente nos bastidores, cuidando da própria imagem. O advogado e amigo Cristóvão Colombo dos Reis Miller trata das arengas contratuais, Falcão de administrar a carreira e multiplicar os honorários. Ainda irá lançar uma autobiografia e uma grife de roupa masculina, apresentará entrevistas na RAI, no Domingão do Faustão italiano,  e chegará a dirigir a seleção brasileira.

       Nils Liedholm

 

          O barão Nils Liedholm, hoje com 60 anos, veio há trinta para a Itália, onde formou com seus compatriotas Gren e Nordhal um dos mais famosos trios de jogadores da história, o Gre-No-Li. Jogou o resto da carreira no Milan e, aos 35 anos - uma idade bastante avançada -, fez o gol inaugural do histórico Brasil 5x2 Suécia da final da Copa do Mundo de 1958. Garrincha, sozinho, derrotou a Suécia, mas os donos da casa não pensavam que o Brasil fosse tão forte, sublinha. Com todos aqueles craques a seleção brasileira de 1982 foi a melhor de sempre, opina, sem medo de polêmica.

                                                                              Gre                         No                       Li 

          Como técnico seus primeiros momentos de glória datam de 1979, quando se sagrou campeão da Itália com o Milan, que diz ser o time do seu coração. Mora com a família numa propriedade rural em Cuccaro, no Piemonte, onde produz vinho e espumante de grande qualidade. Com a ascensão de Dino Viola à presidência da Roma, em 1979, Liedholm regressou à capital italiana, cujo time já havia treinado dois anos antes, com sucesso, conquistando a Copa Itália. Dará à cidade eterna uma das suas maiores alegrias, a conquista do scudetto, e transformou uma squadra de província numa das mais fortes da Europa. O atual técnico Mário Zagallo lembra que choveu muito em Estocolmo na véspera do Brasil-Suécia. Os anfitriões poderiam ter tentado tirar partido do campo mais pesado, que dificultaria o toque de bola brasileiro, mas em vez de o deixar empapar cobriram o gramado com uma lona. Esse foi o gesto mais cavalheiresco que o antigo falso ponta-esquerda e técnico da seleção brasileira diz ter visto em sua longa carreira futebolística. Assim é Liedholm. Um gentleman. Responsável pela compra de Falcão, situa-o no campo esportivo e como ser humano, deixando de lado o mito:
        - O senhor é tido como o introdutor do estilo de marcação à zona na Itália, quando treinou o Milan, em 1978-79, e sobretudo no ano seguinte, quando veio para Roma. Nenhuma equipe italiana praticou esse tipo de jogo antes?
        - Quando eu estava no Milan já jogávamos em estilo misto de marcação ao homem e à zona, mas foi de fato a partir do meu regresso à Roma, em 79, que se viu pela primeira vez um time italiano jogar totalmente à zona.
        - Na Itália o jogo à zona é chamado de futebol à brasileira. A que se deve isso?
       - O Uruguai já jogava à zona em 1924, embora de uma forma muito diferente da que se pratica hoje. Para mim os italianos chamam a esse tipo de jogo de brasileiro por causa de Falcão, dado que ele é o cérebro do time que começou a aplicá-lo de forma total. Mas essa confusão é também devida ao fato de, para além de jogarmos à zona, termos um estilo de jogo muito brasileiro, no sentido em que o nosso objetivo é o de jogar mais e melhor que as outras equipes, baseando nosso jogo na retenção de bola, como fazem os times brasileiros.
        - Falcão ultrapassou suas expectativas depois que se adaptou a Roma?
        - Não, porque eu sempre tive uma grande admiração por ele, até porque acho que como jogador assemelha-se muito a mim, à forma como eu jogava. A isso juntou-se uma enorme estima, que assume um lado paternal, porque nessas idades os jogadores são quase como filhos. De resto, é um jogador muito sério, que gosta muito de treinar - nunca se cansa dos treinamentos - e é generoso e altruísta.
        - Parece que, sem Falcão, a Roma não é a mesma...
       - A Roma sem Falcão também joga bem. O que acontece é que com ele em campo seus colegas ficam mais tranquilos, devido à sua grande personalidade. Quando está em campo está sempre presente nas jogadas, mesmo quando não toca na bola, porque é um grande organizador de jogo, sabe muito bem perspectivar as jogadas e ver onde os colegas devem se posicionar.
        Liedholm, que se espelha na figura de Falcão, representa o pai ausente no triunfal exílio romano do jogador, hoje com 27 anos. Um nórdico discreto, elegante, frio e equilibrado como ele... um sulista.

        E como é que o nórdico foi descobrir nos antípodas da sua terra o executivo dos seus planos técnicos, dado que ele só poderá ter visto na TV, quando muito, os gols das vitórias do Internacional no campeonato brasileiro e não consta que Falcão tenha sido pinçado por um olheiro da Roma? Numa entrevista publicada logo após a Copa de 82 pela revista italiana de astrologia Astra ele desvenda um pouco o mistério, criando um outro (confiará ele tanto assim nos astros?):

        - Não tenho dúvidas em relação a jogadores de alguns signos, sobretudo os de Balança - declarou. - Eu sou de signo Balança, como o eram Didi e Nordhal, Sivori, Iaschin e Bobby Charlton (que nasceu a 18 de outubro, como eu) e o são Falcão, Cabrini, Tardelli e Rossi. Só preciso de ver uma vez um jogador de Balança para me aperceber do seu caráter e rendimento médio. Vejam Falcão. Tinha-o visto jogar apenas 45 minutos na TV uma vez, no Brasil-Itália do Torneio do Bicentenário dos EUA, em 1976. Ao saber que era Balança não tive dúvidas: é ele o jogador que interessa à Roma, disse ao presidente Viola.

 

         Falcão nunca pensou em jogar na Itália, porque suas fronteiras estavam fechadas e à época em que se revelou e brilhou no Internacional de Porto Alegre a península não era destino de ninguém, sofrendo ainda os efeitos do bangue-bangue entre grupos de guerrilha de extrema-esquerda e a polícia, junto com sanguinários atentados da extrema-direita, que incendiaram o cenário na década anterior. Em 1969 toda a Itália cantou uma guerra longe dela com C’era un ragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones. O ra-tatata-tata-tata-ta... ecoou com estridência por todo o mundo latino na voz de Gianni Morandi. Mas em pouco tempo uma guerra começava também por aqui, conforme depoimento de Lucio Dalla em L’Anno che verrà, que parece uma carta-resposta a Meu caro amigo, de Chico Buarque: Si esce poco la sera, compreso quando è festa e c’è chi ha messo dei sacchi di sabbia vicino alla finestra (Sai-se pouco à noite, mesmo quando é feriado, e há quem tenha posto sacos de areia perto da janela). Muitos italianos sentiam-se exilados na própria terra. Outros exilaram-se mesmo. Michelangelo Antonioni, que já filmara Londres (Blow-up), aproveitou para filmar também o deserto de Nevada (Zabriskie’s Point).

         A Itália cresceu muito depressa e de forma assíncrona, refletindo as dissonâncias do norte do continente e acentuando as incongruências internas, num exemplo em miniatura do conflito Norte-Sul, entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvimento. É dois países, duas Itálias, ponto e contraponto, dois lados de uma moeda. O país que mais fornece mão-de-obra imigrante ao norte e o que registra a maior migração interna no mesmo sentido, intensificando o fenômeno Juventus, time de italianos exilados em Turim como operários da Fiat e, graças às sucessivas vitórias no campeonato, de toda Itália. Mostra a pujança da sua indústria transformadora de ponta (automóveis, pneus, extração e refino de petróleo) e muito bom gosto no design, mesmo o mais arrojado, e ao mesmo tempo um anacrônico arcaísmo rural-católico-mafioso. Idiossincrática Itália. País moderno, com muito boa infraestrutura de portos e ferrovias, repaginado para o automóvel, berço de marcas-fetiches mundialmente famosas dos mais diversos produtos manufaturados, terra da extrema doçura e gentileza mas também do descalabro político-administrativo - desde a Segunda Guerra Mundial está sob governos liderados pelo Partido da Democracia Cristã (DC) -, de aberrantes contrastes sócio-econômicos, da aspereza e da máfia. Parece um país latino-americano ou a Grécia, com pelo menos duas tentativas de golpe de estado para imposição de uma ditadura nos anos 60 e 70. Os filhos do baby boom italiano estripam-se em sucessivas ondas de protesto contra as mastodônticas discrepâncias do que é ao mesmo tempo  um mais velhos e mais jovens países da Europa. Incentivam greves operárias, ocupam escolas e universidades, fazem trinta por uma linha sotto la pioggia (Debaixo de Chuva, canção de Antonello Venditti sobre os anos do chamado Movimento). Formam brigadas revolucionárias que pretendem atingir o Estado com emboscadas a juizes e policiais, mas o poder continuará ainda por mais vinte anos nas mãos de cidadãos acima de qualquer suspeita, corruptores e corrompidos, de caso com todas as máfias, como se verá depois. A loba que lhes dá de mamar agora é Washington, que fecha os olhos e topa tudo para evitar que os comunistas cheguem ao poder pelo voto. No centro-sul da Europa, a península vive um western-spaghetti com obscuras tramas de espionagem e contra-espionagem, manobras golpistas de militares e maçons e ações sanguinárias da central neofacista contra alvos indiscriminados, perpetradas em conluio com militares, banqueiros e mafiosos; com sequestros de ricos e famosos, emboscadas das brigadas vermelhas, bombas negras e ajustes de conta entre os diferentes clãs das máfias. Isso, antes de a máfia siciliana, no melhor estilo americano, começar a mandar pelos ares carros com governantes e juizes. Enredo complexo...
         As agitações estudantis e operárias de 1968-69 - o sessantotto - que culminaram no autunno caldo em que as cabeças dos Agnelli pareciam a prêmio, assumiram nova face na década seguinte, com brigadistas e autonomi (partidários e militantes da luta armada) e indiani metropolitani (mais para o gênero paz e humor). As Brigate Rosse extrapolam ao raptar o general norte-americano James Lee Dozier, comandante das forças da OTAN em Pádua, em 1981. Talvez por isto, o Estado - ou o quê? - quis que as Brigadas Vermelhas e outros grupos armados de extrema-esquerda fossem aniquilados. Para chefiar a operação foi chamado o general Carlo Alberto Dalla Chiesa, que em pouco tempo pôs quase todos os seus líderes e acólitos na cadeia, decretando o fim dos anos de Movimento de rebelião estudantil e de juventude. Estranhamente, brigadistas ou mercenários a serviço da direita continuam soltos. Esse mesmo “Estado” achou por bem ao mesmo tempo nada fazer contra as tão ou mais sanguinárias extrema-direita e máfia. Pelo contrário, mandou Dalla Chiesa para a Sicília presumivelmente para acabar com a máfia, mas na verdade para que fosse por ela aniquilado, o que aconteceria três meses após sua chegada a Palermo.
         - Não sabemos quando partimos; não sabemos quando chegamos; podemos até legitimamente perguntar se, por acaso, não há uma bomba no vagão em que estamos conversando - dizia um representante comercial a Marcelle Padovani, do Nouvel Observateur, de Paris, a bordo do trem Roma-Milão, em dezembro de 1972.
         Quando Falcão veio para Roma a Itália continuava a ferro e fogo e ainda sob governos democristãos - de democrata-cristão e bicho feio mesmo - inoperantes. Existem fortíssimas suspeitas de que a máfia estreita laços com o Estado através de Giulio Andreotti, eminência parda do regime que nunca se afastou do poder (foi sete vezes primeiro-ministro e titular de pastas ministeriais outras 38 vezes) e que viria a ter papel central na permanência de Falcão em Roma por cinco anos. Ninguém imagina agora que Andreotti, personagem sinistro e fascinante, cobra criada da política internacional, irá um dia parar na barra do tribunal-bunker de Palermo sob a acusação de envolvimento com a máfia.

                                                                                  La Roma verso lo scudetto 1982-'83     FotoReporters81   Guerin Sportivo

O último divo romano em uma fábula ao vivo.

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Parece como com uma mulher. Fica-se sem saber se não se olhou bem as outras ou se só o Guerin Sportivo nos fazia ver o balé do futebol em toda sua beleza plástica.Havia outras revistas talvez mais bonitas que o Guerin. Mas nenhuma tinha fotografias com a qualidade estética do "velho" semanário bolonhês (fundado em 1912) "de crítica e política esportiva" que os jornalistas de todas as publicações ou seções de esporte de publicações de informação geral no estrangeiro consultavam nem que fosse só para ver  como se deve fotografar um esporte como o futebol, que faz com que todos os participantes se movam em total harmonia ou então em grande contraste de movimentos.Reproduzindo ao longo da narrativa de A triste e bela saga dos brasilianos algumas fotos históricas do Guerin queremos também render homenagem a um dos melhores produtos entre os muitos de raríssima qualidade com que a "douta e gorda" Bolonha encanta o mundo.

     

                    

                                                            

                           

 

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créditos autorais: Era Uma Vez a Revolução, fotos de James Anhanguera; bairro La Victoria, Santiago do Chile, 1993 ... A triste e bela saga dos brasilianos, Falcão/Barilla: FotoReporters 81(Guerin Sportivo, Bolonha, 1982); Zico: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior e seleção brasileira de 1982: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Edinho: Briguglio, Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Antognoni: FotoReporters 81, Guerin Sportivo, Bolonha, 1981. E-mAIL

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