40 anos da tragédia do Sarriá

                                  do histórico scudetto da Roma de Falcão

               e do nascimento do futebol-indústria na Itália

                                                 

     5 de julho de 1982 – 14 de maio de 1983   

   1982-85 · 2022-2025

                        Falcão 
                          Zico Sócrates
                               Cerezo Júnior Dirceu
                                           Edinho  Batista  Pedrinho
                                                   Juary Elói Luvanor
                                                                                                      

                   James Anhanguera

  A triste

  e bela

  saga dos

  brasilianos

                           da tragédia do Sarriá às arenas italianas

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  A triste

  e bela

  saga dos

  brasilianos

         da tragédia do Sarriá às arenas italianas

 

O oitavo rei de Roma

O Doutor Diretas 

Rebuliço na corte do rei Arthur  

Rei morto... fim da Monarquia


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  A triste

  e bela

  saga dos

  brasilianos

         da tragédia do Sarriá às arenas italianas

 

O Doutor Diretas 

     segundo capítulo - terceira parte 

 

                                                                                                                                                                                   

             Estrangeiros do calcio, da euforia à fobia  

 

     No princípio era a euforia, o carnaval. Falcão só precisou de vencer uma Copa Italia para ser aclamado oitavo rei. Foi o estrangeiro mais bem sucedido do calcio até Platini começar a brilhar na Juventus e, depois do Europeu de seleções, se ter sagrado imperatore.

     Na memória um passado de glória para várias gerações de stranieri notáveis como o trio Gre-No-Li, Selmosson (chamado raggio di luna) e Skglund, todos da seleção sueca de 58. Maradona, Bertoni, Passarella e Hernandez também tiveram antepassados ilustres como Omar Sivori, a quem o advogado Agnelli costuma comparar o seu atual benjamim francês. 

   Nos últimos anos, quando se decidiu fazer da Itália a capital mundial do futebol, a chegada das maiores feras da Copa da Espanha foi sublinhada com verdadeiros carnavais. E não só a chegada de astros consagrados. O ilustre desconhecido Elói, contratado em cima da hora do encerramento do mercado, teve uma festa maior que a de Zico. O que se entende: Gênova já teve o seu período de ouro no calcio e Udine não. nior não hesitou em dizer que a capital da Fiat parecia o Rio de Janeiro. Bobagem, mas valia qualquer coisa. Este sim é o país do futebol. Mesmo os cínicos vênetos, com o Verona fazendo inesperadas misérias, já não pensam em outra coisa. Mais que uma alegria na Itália futebol é obsessão.

    Obsessão que perante alguns fracassos está levando os italianos à mais completa insensatez. De repente, porque tem problemas num joelho e não pode jogar ou, no melhor dos casos, dar o máximo, Falcão é destronado. Com problemas musculares, Zico é processado na praça pública que são os jornais esportivos.

     - Eles são desconfiados. Se você diz que está contundido não acreditam, te mandam a um especialista - diz Elói a propósito dos problemas do colega de Udine.

    Sócrates já esteve a ponto de tomar cicuta. Agora, com sua Fiorentina estreando novo treinador, aqui chamado de vovô, é alvo de renovadas expectativas positivas. Mas não se pode dizer que são águas passadas. Outro dia, passeando de canal em canal com o controle remoto da TV, sintonizo uma estação regional e o que ouço?

    - Sócrates tem mais é que voltar para a terra dele, país de subdesenvolvidos. Aqui não tem nada a ensinar a ninguém. Chegou rodeado de fama mas não vale um tostão dos bilhões nele aplicados. Tudo muito cru, direto e imbecil – recuso-me a crer que quem diz isso é um jornalista esportivo Italiano.

     Tudo muito cru, direto, imbecil, em suma - não quero crer que é um jornalista que diz besteiras do gênero.  Mas o que se lê até num jornal? 

     - Zico volta aos gramados só em janeiro porque não poderia deixar de ir ao Rio para se bronzear.

 

        Por isso, bom malandro criado nas plagas cariocas, hoje alvo de todos os elogios porque além de bom de bola e de cabeça está dando muito certo no Torino, Júnior não se esquece de refrear os ânimos face às críticas altamente positivas que vem recebendo:

        - Isso é agora que estou bem. Mas se vacilar, já viu né?

 

             

 

        Sócrates chegou atrasado dos festejos de fim de ano e foi repreendido pelo seu novo técnico. Todo mundo espera dele a explosão que tarda, segundo Júnior, porque teve problemas de inserimento enquanto eu tive mais sorte encontrando o time ideal. Torino-Fiorentina é o primeiro compromisso do ambos em 1985, que começa gélido na península. Nevou até em Roma e o jogo Lazio-Milan teve de ser adiado por um dia.

        Mais uma vez Júnior atua muito bem apesar de o seu time ter consentido um empate de 2 a 2, e Sócrates é substituído pela primeira vez pelo terceiro técnico com que trabalhou em cinco meses, fato de que não há memória numa equipe italiana de primeiro plano. Júnior fez mais um gol, de pênalti, e Eraldo Pecci, ex-jogador torinês, os dois da Fiorentina.

        O placar mais inusitado da décima-quarta rodada do calcio foi Napoli 4x3 Udinese, jogo de que Zico esteve ausente e em que Edinho também marcou um gol de pênalti.

Elói é o primeiro a voltar

 

         A diretoria do Genoa anunciou ter chegado a acordo com o jogador Elói para romper o contrato que os ligava até julho. O clube declarou ter aberto mão dos seus direitos e dado passe livre ao jogador, que parte hoje para uma curta viagem pela Europa antes do regresso ao Brasil.

         - Quem dera - disse o mineiro Donizete Luvanor Borges ao comentar a possibilidade de também retornar ao Brasil. O diretor esportivo do Catânia, Giacomo Bulgarelli, informou haver sério interesse do Fluminense no jogador. 

         - Não é saudade. O que eu quero é jogar, porque para um jogador o que conta mais é o campo - acrescentou Luvanor, que não está jogando na equipe titular de Catânia porque ainda não se adaptou à sua nova posição.

        Para Bulgarelli o único problema para a possível transferência do atacante para o Fluminense é que o clube do Rio só ofereceu 200 mil dólares e ele foi comprado aos Goiás em julho de 1983  pelo dobro daquela quantia.

 

 

           

          O Verona é pela primeira vez na história o campeão de inverno da Série A, para que regressou há quatro anos. Sofreu sua primeira derrota no campeonato contra o Avellino (2-1) mas beneficiou do desaire do Torino em Roma com a Roma (1-0). Em fase ascendente e com só um dos seus brasilianos os romanos ficaram lado a lado com a Sampdoria a apenas três pontos do Verona, que tem 22, a dois da Inter (21) e a um ponto do Torino (20).

          Júnior e o goleiro Garella foram considerados os melhores jogadores do primeiro turno.

Júnior  e Cerezo   Classe e simpatia

 

          Muita classe e simpatia dentro e fora de campo da parte de Cerezo e Júnior. Para o mineiro uma desforra a milhares de quilômetros da final da Taça de Ouro de 1981 em que o Flamengo venceu o Atlético, episódio recordado com insistência durante toda a semana pela imprensa italiana.

         - Cerezo aqui amadureceu muito do ponto de vista tático. Hoje em dia corre com mais objetividade e precisão, não gasta tanta energia em vão - diz Júnior, depois de um jornalista o cumprimentar pela excelente partida que disputou.

          - Obrigado, mas isso não muda nada, o importante é o resultado - replicou.

          - Para eles digo que joguei bem mas aqui entre nós eu não estou nada satisfeito. Errei muitos passes - analisa, exagerando na autocrítica.

          - De resto não acho minha exibição tão importante assim, porque se dei certo na Itália foi em função do conjunto do Torino. Saímos de um empate e de uma derrota. Daqui para a frente teremos de mudar muita coisa e será mais difícil pensar na conquista do campeonato.

          Ainda no vestiário Cerezo está satisfeito e sorridente, como quase sempre. Ao contrário de Júnior, que achou o jogo muito feio, para ele foi uma bela partida.

          - E a Roma está cada vez mais compacta, mais unida. Finalmente estamos bem entrosados ao nível tático e técnico. Agora sim podemos dizer que estamos na corrida para o scudetto.

          - O que achou de Júnior?

          - Sempre um grande jogador mesmo quando encontra pela frente um grande Giannini (o grande opositor do torinês no meio campo).

 

                                 

 

         Em São Paulo para o lançamento da sua empresa de pronto-a-vestir para homem Falcão desmente mais uma notícia publicada pela imprensa italiana de que estaria pedindo a cidadania italiana:

          -  Adoro a Itália mas sou brasileiro. Não penso em me naturalizar para ficar vivendo lá ou para que outro atleta estrangeiro possa jogar na Roma.

           O jogador lembrou que quando chegou à Roma sua vontade era permanecer apenas três anos no clube italiano e voltar para o Internacional e afirmou que sua vida mudou completamente após cinco anos na Itália.

           - As coisas mudaram muito. As portas foram se abrindo e agora chegou a hora de investir no mercado da moda, mesmo continuando a jogar futebol.

 

          

            

 

           É eleito o futuro presidente do Brasil pelo voto indireto e longas reportagens da imprensa italiana manifestam pessimismo em relação ao Brasil de Tancredo. il manifesto de Roma  afirma que por trás das declarações eleitorais de Tancredo pode-se ver quase que um mecanismo de troca: um Fundo Monetário (Internacional) mais elástico contra uma grande margem de manobra para as multinacionais. O Carnaval acabou, começa a quaresma da democracia, escreve Igor Man no La Stampa de Turim.

 

 

 

            O Verona empatou em 0 a 0 em Nápoles e foi alcançado na liderança pela Inter, que venceu o Atalanta, e após derrotar o Avellino por 1 a 0 na capital uma Roma tutta italiana, com exceção do técnico - que já pode se sentar na panchina após decisão federativa de acatar em parte a lei da CEE que impõe a livre circulação de trabalhadores dos países da comunidade - alcançou o Torino no segundo lugar.

           Eriksson chegou a Roma rodeado de ceticismo, não por falta de currículo mas em função da saída de Liedholm, que em quatro anos projetou a esquadra ao primeiro plano do calcio. Primeiro treinador estrangeiro contratado (Liedholm, Vinício, Lorenzo e Boskov, do Ascoli, são naturalizados), chegou 24 horas após o encerramento do mercado de compra e venda de jogadores e com o plantel totalmente formado a partir de indicações do antecessor. Além disso, ao longo da primeira fase do campeonato oito jogadores titulares estiveram lesionados por longos períodos, o que a imprensa italiana atribuiu ao seu regime de preparação física, tido como muito puxado. Na Itália não se dá muita atenção a esse aspecto do condicionamento atlético e os times nem têm preparadores físicos.

          Após uma série de oito empates e uma derrota no início do campeonato nos últimos dois meses a equipe somou seis vitórias e dois empates.

            Como sempre muito reservado mas como poucas vezes antes bastante sorridente, após a vitória sobre o Avellino o sueco chamou a atenção dos jornalistas para o frescor dos jogadores, sinal de que sua receita está dando resultados até mesmo do ponto de vista de preparação atlética.

             

 

            Valcareggi experimenta novo esquema de jogo substituindo o central Pin pelo pau para toda obra Occhipinti - substituto de Sócrates em três ocasiões - e o centroavante Iachini por Pellegrini e a Fiorentina obtém sua primeira vitória em nove rodadas, 3 a 0 sobre a Lazio. Sócrates teve muita sorte quando uma bola que chutou da intermediária junto à lateral passou por vários colegas e adversários e entrou no gol quase parando. O brasileiro foi considerado um dos melhores jogadores em campo ao lado do goleiro Galli, pondo fim a um período negro em que foi o único alvo da fúria dos torcedores fiorentinos em função dos resultados irregulares do time.

 Dirceu

 

           O Torino leva muita sorte ao empatar (2-2) no alçapão de Ascoli Piceno com a turma de Dirceu. Quatro chutes dos donos da casa bateram nos postes, dois deles do esforçado brasiliano do Ascoli, que com um tiro de fora da área marcou o que foi considerado no Brasil o gol do ‘Fantástico’.

          Para José Guimarães Dirceu o gol do ‘Fantástico’ e os dois chutes no travessão da baliza do Torino não deveriam ser motivo de espanto.

     - Também aquele que marquei contra a Juventus foi o gol do ‘Fantástico’, não foi não? - pergunta sorrindo enquanto adentra apressado o Hotel Excelsior, na Via Veneto em Roma, para participar na sessão de cumprimentos dos jogadores brasileiros na Itália ao presidente eleito Tancredo Neves.

      - Eu nem sou de marcar muitos gols, porque meu trabalho é dar a marcar aos companheiros, e quando eles acontecem é como se tivessem sido feitos por mim.

      O Ascoli é o terceiro time de Dirceu em três anos de Itália. Por que razão muda tanto de clube? Questão de caráter?

       - Nada disso. Deixei o Atlético de Madri porque o time estava muito ruim e eu não tinha mais condição de ficar. Quando cheguei à Itália fui para o Verona e eu até queria ficar lá - cidade pequena, gente simpática... E não teve problema não. Eles é que estavam com grandes projetos de comprar Kempes, Ardilles, eu sei lá! Ano passado fui para o Napoli e aconteceu a mesma coisa, a gente lutou para não baixar de divisão, conseguiu e aí eles tiveram a idéia de contratar Maradona e disseram que eu não podia jogar com ele. Uma sujeira! E fui para o Ascoli, um time pequeno, para não ficar parado.

        Com as sucessivas trocas de clubes Dirceu, que nem é um jogador muito badalado, acaba por ser um dos mais bem pagos da Itália.

         - Acontece que como eu sou o dono do meu passe se me dão 500 mil dólares pela transferência esse dinheiro fica todo para mim. Claro que isso também me ajuda a encontrar trabalho mais depressa, porque os clubes só precisam de pagar a mim e a mais ninguém.

   

                                         Foto Guido Zucchi   Guerin Sportivo

  Em Ascoli, diz, o povão já está delirando com ele.

  - Eles ficam malucos comigo, me adoram, um cara de 32 anos que corre o tempo todo...

  Se o Ascoli baixar de divisão - e é muito provável; só por milagre escapa - nem pensar em Dirceu ficar.

  - Não dá nem para falar nisso porque eu quero disputar a minha quarta Copa do Mundo. Sei o que valho, sou o jogador que mais rende entre os que estão jogando fora, jogo todas as partidas e estou sempre em destaque. Eu sou muito regular porque não fumo e não bebo. Vamos ver o que acontece até o México.

  - Como se sente jogando na Itália?

  - Claro que o futebol italiano é muito diferente do brasileiro, mais corrido, mais duro. Mas com o espanhol não tem diferença nenhuma, embora eles lá agora estejam muito por baixo. A única diferença que existe de fato é que aqui, com todos esses craques, acaba por ser muito mais espetacular e muito mais divulgado. Estando na Itália todo mundo fica sabendo quem você é e o que faz.

  - Vai encerrar sua carreira na Itália, então...

  - Nem penso em encerrar carreira. Sinto-me como se estivesse começando.

 

Júnior adia a folia para outros carnavais

 

    Este vai ser o primeiro ano em que o carioca de pleno direito Júnior, carnavalesco nato, não vai cair na folia. Não joga em Turim contra a Udinese de Zico e Edinho porque está com uma fissura na costela mas seu domingo gordo será bem diferente dos outros:

    - Vou ao estádio ver o jogo e depois venho para casa, onde estarão minha mãe e meu padrinho, e nem quero pensar em carnaval. Claro que não fico satisfeito por não estar lá perto daquela bagunça, do delírio, daquilo que a gente gosta. Mas o que é que eu posso fazer? Apesar de folião também sempre fui cumpridor das minhas obrigações e o dever está acima de tudo!

     Júnior nem lembra quando caiu na farra pela primeira vez.

     - Eu cheguei ao Rio com cinco anos e fui logo tomado de enorme entusiasmo, mais por causa da música do que pela folia carnavalesca propriamente dita. Foi a música que me fez curtir mais o carnaval.

      Quando criança Júnior torcia pelo Fluminense mas depois de dez anos no Flamengo meu coração é rubro-negro, garante. Seu amor de carnavalesco é que foi sempre um só: a Mangueira, campeã do desfile do Rio no ano passado.

     - Comecei indo aos ensaios, pouco a pouco fui conhecendo o pessoal e ficando cada vez mais ligado à vida da Mangueira. Sair na escola para mim é uma coisa natural porque onde eu morava, Copacabana, apesar de o carnaval de rua no Rio de Janeiro ter vindo pouco a pouco a desaparecer, a gente sempre organizava uma festinha, mais por força de vontade porque com tanto carro fica até difícil a gente se divertir na rua hoje em dia.

     Mesmo longe Júnior não deixou de cultivar a paixão pelo samba, que consumou quando antes da Copa da Espanha gravou um compacto com Voa, canarinho, voa.

      - Se você vem me falar de música vamos ficar aqui duas horas - ameaça, antes de dizer ser esse o seu tema de conversa predileto. - Quando estive no Brasil no Natal comprei o disco com os sambas-enredo deste ano, que acho os melhores dos últimos anos. De tanto ouvir fico o tempo todo cantando os da Mangueira, Portela, Beija-Flor, Caprichosos e Estácio de Sá, que são os meus preferidos.

      Por uma vez Júnior passará um carnaval diferente dos outros, preocupado com a contusão que o manterá afastado do Torino por mais duas semanas e, embora menos, com as últimas exibições do time, que depois de uma excelente fase inicial ultimamente não consegue vencer um jogo.

      - O Torino ainda vai dar muito trabalho aos outros grandes - diz confiante.

      Sem tristeza por não participar na folia deste ano.

      - Pode deixar que a gente ainda vai ter tempo de curtir muitos carnavais.

             Carnaval socrático                        

 

     À hora do fechamento desta edição a festa está correndo solta em casa de Sócrates em Grassina, nos arredores de Florença. Alguns convidados dançam ao som do Frevo das Vassourinhas e outros comem e bebem. Magrão e seus convidados mais ilustres (os jogadores Zico, Júnior, Cerezo Edinho e Pedrinho), embora já pra lá de Bagdá, “segundo indiscrições”, permanecem juntos, quase à parte, conversando.

    Este ano o carnaval coincidiu com o aniversário do Doutor, que está completando 31 anos. Hoje à noite Sócrates estará recebendo amigos de Florença para comemorar o evento com bolo e velinha.

    Todos para casa de Sócrates, nosso Doutor e capitão. Vamos festejar o seu gol e o seu aniversário. Era com essa disposição que Júnior se preparava para com a mulher Heloísa corresponder ao chamado do jogador. Afinal, a reunião de hoje é uma rara oportunidade dos jogadores brasileiros que estão na Itália se encontrarem fora dos compromissos profissionais e a primeira desde o encontro formal com o presidente eleito Tancredo Neves em Roma.

    Com muita música de carnaval e não apenas chope mas tudo o que é bom para fazer face ao rigoroso inverno europeu (em Florença os termômetros desceram abaixo de zero e ameaça nevar) a festa estava animada e prometia durar até tarde. Uma festinha entre amigos, os jogadores e suas famílias e outras famílias brasileiras que estão na Itália, dissera o Doutor em seu convite para o pagode. Zico e Cerezo chegaram sozinhos porque suas famílias estão no Brasil.

    Sócrates tem mais um motivo para festejar. Após dois meses de crise a Fiorentina melhorou bastante e o Doutor, que no domingo marcou o seu quinto gol no campeonato e o nono em partidas oficiais, parece mais entrosado em seu time, onde já conquistou o merecido respeito.

 

     Rei Arthur foi o principal alvo das atenções da imprensa italiana durante sua estada de cerca de 24 horas em Florença para participar na festa de Sócrates. Após as declarações de Lamberto Mazza de que estaria disposto a abrir mão do seu passe Zico sente-se traído pelo presidente e, descontente com a sua campanha na Udinese, quer mudar-se a todo custo, de preferência para o Brasil.

      - Com a partida de Franco Dal Cin não foi adiante o projeto que me trouxe à Itália, o de se formar à minha volta um grande time - afirmou a propósito do malogro de que se diz vítima. Em vez de lutar pelo scudetto a Udinese está batalhando para não descer para a Série B.

       O problema da transferência do ex-Camisa 10 da Gávea esteve no centro das suas conversas com o antigo colega Júnior. Além da Roma e da Inter, entre as equipes interessadas em seu passe estaria a equipe do ex-lateral, que expôs a Zico as razões pelas quais considera muito difícil que seu clube o contrate: idade avançada - completa 32 anos em março -, custo do passe, dos salários e prêmios e participação na renda de publicidade (cerca de 2,5 milhões de dólares/ano) e do seu empréstimo, muito alto mesmo para o milionário calcio.

       Segundo indiscrições, durante a festa Júnior, Cerezo, Edinho e o anfitrião terão feito o amigo entender que será muito difícil voltar para o Brasil ou transferir-se para outro time italiano. Os salários no Brasil são muito inferiores e nenhum clube italiano poderia pensar em obter retorno do dinheiro que teria de investir na sua transferência e nos encargos (seu atual salário é de 240 mil dólares/ano).

        Zico estaria disposto a abrir mão de parte do dinheiro que teria a receber para voltar ao Flamengo.

        Para Edinho o possível regresso do Galinho ao Brasil em maio seria lamentável porque os torcedores italianos ainda não puderam ver o verdadeiro Zico. O antigo lateral do Flu manifestou pela primeira vez o desejo de ir embora: Na Udinese tem sempre muita confusão e polêmica, confessou, acrescentando que gostaria de mudar-se para Florença, Turim ou Nápoles.

         Sócrates fez questão de frisar que em sua festa ninguém se preocupou muito com coisas sérias, apesar de Zico não estar de bom humor. Houve muita música de carnaval do ano, que o Doutor trouxe do Brasil, chope, batida, porco assado, farofa e churrasco. Entre os convidados de segunda-feira, além dos brasileiros, apenas o goleiro da Fiorentina Giovanni Galli, mas para a noite de terça-feira, dia do seu aniversário, Magrão convidou seus colegas, técnico e dirigentes do clube de Florença. Valcareggi não aceitou o convite alegando que ao menos quando festejam os jogadores têm o direito de não me aturar.

 

 

         A alegria de Sócrates e da Fiorentina dura pouco. No jogo seguinte, de novo em casa, a equipe perde com o Napoli por 1 a 0 graças a um belíssimo gol de Maradona, e seu novo técnico critica-o pela primeira vez:

         - Precisamos de um jogador que corra e não que pense - disse o nonno Valcareggi.

         Sócrates pede o favor de não o obrigarem a se pronunciar sobre a situação da Fiorentina e quanto a política, Brasil e Tancredo remete à sua entrevista ao órgão do PCI l’Unità, publicada com honras de primeira página e a primeira matéria de jornal respeitosa publicada sobre ele nos últimos meses.

 

 “Tou voltando”

         A saudade existe... Assim termina a entrevista a l’Unità, apresentada pelo jornal comunista como uma resposta a quem o censurou por ocupar-se mais de política que de futebol.

         A semana fora a mais atribulada desde que Sócrates chegou à Itália, tendo saído do estádio sob vaias. Sócrates está dividindo Florença e também a diretoria da Fiorentina, escreveu La Gazzetta dello Sport falando do péssimo ambiente que o rodeia.

           - O brasileiro não consegue adaptar-se ao nosso jogo. Aqui na Itália não há tempo para pensar. Os adversários agridem e Sócrates mostra sofrer terrivelmente a marcação cerrada - explicou Valcareggi. - Os problemas de Sócrates não são físicos nem técnicos mas psicológicos - completou.

            O primeiro a sair em defesa de Sócrates foi Zico:

           - O problema é de fé e de moral e o seu clube é o primeiro a destruí-lo, fazendo um gol contra.  Sócrates toca pouco na bola mas a culpa não é dele, porque ele se movimenta muito.

           Desde o início da temporada Sócrates foi o primeiro a dizer que a equipe não tem padrão de jogo definido. Além disso, crescem rumores de que ele não está se dando bem com Eraldo Pecci. E todos parecem esquecer-se que os setores médio e de ataque estão sem Antognoni, ídolo da torcida e em quem o clube apostava para ajudar o Doutor na adaptação à Itália.

           A imprensa começa a afirmar que Sócrates pensa até em voltar já para o Brasil, o que ele desmente. Na entrevista a l’Unità diz que o ensinamento que tira dos primeiros meses na Itália é de que não pode viver muito tempo longe do seu país, mas repete que só volta quando tiver demonstrado seu valor universalmente reconhecido, conforme expressão de outro órgão de imprensa local.

           No clube o mais acérrimo defensor dos direitos do Doutor em ter tempo para se adaptar (como Falcão, Cerezo, Zico, Batista e o seu colega argentino Daniel Passarella) é o pai do presidente Ranieri Pontello, o conde Flavio, responsável por sua transferência do Corinthians. Ferruccio Valcareggi parece decidido a dar um descanso ao jogador que - longe da democracia corintiana - reconhece o seu direito de tirá-lo da equipe mas, sob pressão do conde Pontello, a direção reuniu-se com as duas partes para tentar uma conciliação.

      Após uma reunião o collettivo de jogadores decidiu que Sócrates deve jogar por considerar que esse é o único meio de ele se adaptar à equipe e ao futebol italiano e ultrapassar os atuais problemas.

     - Ele está atravessando uma crise gravíssima por que também passei. Teve uma hora em que até pensei em voltar para a Argentina - disse Passarella após uma visita de Sócrates a sua casa para desabafar.

        Foto Sabe Guerin Sportivo

    Daniel Passarella: tempo de adaptaçao

      Sócrates jogador, Sócrates doutor, Sócrates empenhado - assim o define l’Unità, que resolveu esquecer os problemas que o cercam e ouvi-lo sobre o Brasil do presidente eleito Tancredo Neves, que segundo ele não é o homem da mudança radical mas o da transição democrática”. O jogador refere-se ainda a Chico Buarque (símbolo da nova democracia), ao colega Cerezo (tem um sentimento mais social que político; seu verdadeiro sentimento é o de fazer alguma coisa pelos pobres) e ao Brasil do desemprego, da fome e da inflação: Com inflação ainda se vive, mas sem emprego é impossível.

      - A chave econômica do país está na reforma agrária. Não sei como se poderá equilibrar o déficit porque a indústria está nas mãos dos americanos - pondera, e acrescenta esperançoso:

      - Seria bom poder participar do processo democrático.

      - Mas você está na Itália - interpela o jornalista.

      - Só até 1986, ano da constituinte - responde o jogador.

      Sócrates está voltando sim, mas só depois de terminar o seu contrato com a Fiorentina.

     - Por enquanto minha experiência tem sido muito positiva, porque estou em contato com uma realidade completamente diferente. Vocês italianos têm uma visão muito egocêntrica do mundo e é difícil entender uma realidade totalmente diversa como a do Brasil ou a do Terceiro Mundo. Mas os nossos olhos são os mesmos - ressaltou, desejoso de que a maneira como os italianos olham para o seu futebol também mude.

 

      Segundo outros órgãos de imprensa italianos Sócrates deverá encontrar-se em breve com o presidente Ranieri Pontello para negociar o seu regresso ao Brasil o mais cedo possível, o que ele desmente:

      - Estou aqui para cumprir meu contrato, que tem a duração de dois anos. Fugir seria fácil demais.

      - Os italianos continuam perguntando por que você está sempre triste. Por quê?

     - Isso deve-se apenas ao fato de eu ser muito introvertido e também porque é natural que um brasileiro esteja triste, ao contrário da imagem folgazã que os italianos têm dos brasileiros, que para eles têm que ser sempre extrovertidos e festeiros. Mas também há tristeza no carnaval!

      - Os meus problemas são mais interiores que exteriores - confidencia, rejeitando a tese de que a razão do seu mal é o mau momento por que passa a Fiorentina ou conflitos com os colegas.

       - O problema é geral.

      O Doutor recusou-se a tecer comentários sobre a prolongada ausência do que seria o seu mais importante companheiro na zona de ataque na Fiorentina, o capitão Giancarlo Antognoni, e sobre a importância que ele poderia ter em sua adaptação à equipe e ao futebol italiano:

       - Ele está tendo problemas com a sua recuperação - limitou-se a dizer.

       Desconsolado, o próprio ex-capitão florentino desabafou entretanto:

       - Nem sei o que pensar. Talvez os médicos me tenham enganado com essa conversa de que eu poderia voltar a jogar.

 

                                           Rebuliço na corte do rei Arthur                                                     

                                                                           (fevereiro-junho 1985)

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Parece como com uma mulher. Fica-se sem saber se não se olhou bem as outras ou se só o Guerin Sportivo nos fazia ver o balé do futebol em toda sua beleza plástica.

Havia outras revistas talvez mais bonitas que o Guerin. Mas nenhuma tinha fotografias com a qualidade estética do "velho" semanário bolonhês (fundado em 1912) "de crítica e política esportiva" que os jornalistas de todas as publicações ou seções de esporte de publicações de informação geral no estrangeiro consultavam nem que fosse só para ver  como se deve fotografar um esporte como o futebol, que faz com que todos os participantes se movam em total harmonia ou então em grande contraste de movimentos.

Reproduzindo ao longo da narrativa de A triste e bela saga dos brasilianos algumas fotos históricas do Guerin queremos também render homenagem a um dos melhores produtos entre os muitos de raríssima qualidade com que a "douta e gorda" Bolonha encanta o mundo.

     

                    

                                 

                          

                           

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a triste e bela saga dos brasilianos do desastre de Sarriá às arenas italianas


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créditos autorais: Era Uma Vez a Revolução, fotos de James Anhanguera; bairro La Victoria, Santiago do Chile, 1993 ... A triste e bela saga dos brasilianos, Falcão/Barilla: FotoReporters 81(Guerin Sportivo, Bolonha, 1982); Zico: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior e seleção brasileira de 1982: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Edinho: Briguglio, Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Antognoni: FotoReporters 81, Guerin Sportivo, Bolonha, 1981. E-mAIL

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