O Inverno muito chuvoso é passado entre leituras fundamentais e sessões de cinema marcantes, Rimbaud, Baudelaire, Céline de Voyage au Bout de la Nuit, Fellini de Amarcord, Os Efeitos dos Raios Gama sobre as Margaridas do Campo, de Paul Newman, Truffaut de La Nuit Américaine, Minnie & Moskowitz, de John Cassavetes, toda a plêiade da literatura maldita, o Sorriso aos Pés da Escada, de Miller, que JCP reverencia entre as citações das tosgas no Cantinho, Arthur Gordon Pymm, Billy Budd, Cendras de L’Or, Moravagine e Rum e todo um dicionário de realizadores em curso vai para um ano em sessões da meia-noite no Londres. Ah, sim, Turgueniev, O Primeiro Amor, sugerido por Truffaut em As Duas Inglesas e o Continente.

Deixa o filho a dormir. Tenho só de ficar atento enquanto faço pesquisas para os meus escritos. Chega após as representações, nunca tarde (ou cedo...). Hard Times, Tempos Difíceis para ela. Tem muito sucesso, relativo ao pequeno público da grande arte, o que equivale a pouquíssimo sucesso, e deprime-se. Tem muito sucesso, porque mesmo pequeno é um ganda público, e fala demais.

            - Rá, rá, rá! – entra a gargalhar uma noite após mais uma representação. – Esta noite pus um olho negro ao Viegas! – o papel o permite, e afinal de contas Viegas é um estreante, substituto do actor principal, que se retirou por invalidez. Não se bebe e só ela fuma. E aprende a apreciar Roberto Carlos. Deliciamo-nos com Maria Bethânia a dizer Pessoa e Clarice e o mano Caetano Veloso.

Entre uma coisa e outra lá se encontra Luís Pacheco, que continua a fazer os seus giros matinais pelas redacções do Bairro Alto a cravar vinte paus para beber e a vender exemplares da sua edição de autor de O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor. Completo vinte anos num arroz de mariscos no Largo da Misericórdia com Ofélia e JCP, que me oferece o Guia dos Casados, em branco, de Lawrence Ferlinghetti. Algumas noites de domingo em que se deixa o bebé em casa de uma ama, do camarim ouço a representação e leio a peça a pensar: que actriz, como se pode ser capaz de tanto desprezo.

Ofélia Lima, a sua beleza ainda fresca e o seu perfil de Greta Garbo projectada nas fotos dos seus vinte e poucos anos num descapotável, além do talento, obrigam a pensar que seria estrela de projecção internacional caso fosse descoberta, jovem corista de revistas e peças de vaudeville de Vasco Morgado, por um encenador ou realizador sueco ou alemão num restaurante ou bar de hotel da Costa do Sol.