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Letra e melodia no gravador, vamos dar uma espreitadela ao Acrópole, mais conhecido pelos ‘gregos’, onde não se bebe ouzo nem retzina mas sempre se parte uns pratos ao som mecânico de Zorba. Breve escala de entremês no Texas Bar, a controlar se a barca da orquestra foi reactivada, mas qual o quê. O fim da barca é o cantinho da saudade da reportagem. Não se tem mais a calorosa recepção das musicistas à entrada do saloon, que na verdade sem elas perdeu toda a graça, ficando ainda mais desolado na sua imensidão de mesas isoladas semipovoadas de solitárias caras pálidas. Conjunto e memória são em parte recuperados através de fotos e recordações da dona Amélia, uma octogenária que revive a sua trajectória de pianista na música e na noite desde Lourenço Marques numa casa do Bairro das Colónias, numa das duas únicas excursões de Jimi e JCP à luz do dia com o acompanhamento do quarto fotógrafo da reportagem. A outra foi ao Barreiro, onde vive o jovem baterista da orquestra do Ritz Club, que decidiu abraçar a carreira no dia em que viu Cliff Richard e os Shadows no filme Com Uma Rapariga Nos Meus Braços. No Ritz as noites são sempre escaldantes, com muita gente meio ou muito ébria a acotovelar-se nos corredores da sua espécie de drugstore, a entrar e a sair da barbearia, da tabacaria e do quiosque de jornais ou do restaurante e casa de fados como se fosse meio-dia, enquanto no grande salão, outrora um teatro com plateia e balcão de camarotes, é difícil encontrar mesa ou espaço livre para dançar ao som de uma pequena orquestra que toca sucessos do tempo das big bands. O serviço, segundo o guião, deveria incluir ainda uma passada por uma boîte ‘de empreiteiros’ atrás do Marquês, mas de novo JCP declara-se de baixa de mais actividade esta noite, se quiseres vais tu – diz a Jimi – porque eu, filho, já não dou mais uma pra caixa até chegar à minha rica caminha, se conseguir. A quinta e última etapa é a menos puxada para os repórteres e a sua sombra, que se limitam a acompanhar o quarto homem dos bonecos da série, munido de fotómetro e tripés, a dar um toque de grande produção e antecipando cenas de Wim Wenders em O Estado das Coisas no Cais do Sodré. A Jimi cabe o trabalho básico de tirar as entrevistas com os músicos do gravador, intercaladas com as diferentes versões do trio para o samba e o bolero produzidos durante o mergulho em estilo quase científico na noite lisboeta, vale dizer, na noite. Como quase sempre acontece em trabalhos a quatro ou mais mãos quis o acaso que a confecção do texto final ficasse para a noite do deadline. Já toldados pelo vinho consumido durante o repasto no Brazuca após o expediente normal de ambos o duo reúne-se numa mansarda do antigo palácio da Rua do Século onde estão instaladas as redacções e a grande casa de linotipos e das máquinas da SNT. Quais personagens de Eça cem anos depois passam um bom tempo a pensar em como dar ordem e sentido ao material coligido. As laudas com a transcrição das entrevistas, separadas e postas em sequência cronológica a partir da idade dos entrevistados, acabam por narrar a evolução da música de dancings no século, do ragtime ao rock’n’roll. JCP destacou das suas estantes os exemplares de onde costuma extrair de memória os excertos das colagens de que compõe as dissertações que faz, noites altas, onde o ambiente lhe é mais propício – quase sempre num intervalo das actuações do trio do Cantinho dos Artistas - nos seus delírios etílicos: Conversa na Catedral, a mãe de todas as colagens, Três Tristes Tigres, um seu filho natural de aspectos mais delirantes, Debaixo do Vulcão, A Noite e o Riso, Viagem ao Fim da Noite, alguma coisa de Cortázar e pi afora. Já passa da meia-noite quando, Vargas Llosa, as laudas das entrevistas, Godard, Cabrera Infante e o belo pátio interno do palácio iluminado pela lua, uma mansarda que parece tirada de Um Americano em Paris, grandes tesouras e cola à mão, o trio tem a ideia de intercalar após um texto de entrada resumos de cada entrevista com textos pinçados dos livros que já vieram marcados e de canções sobre a noite – entre as quais a inevitável Cabaré -, com um quadro à parte da antiga musicista da orquestra de mulheres do Texas Bar ilustrado com uma foto antiga e outra actual. Acabo por intervir em toda a monumental tarefa como co-arranjador e poucas vezes os três, que já temos em relação à profissão uma atitude de artistas, quase só fazendo o que nos dá na telha, nos divertimos tanto no trabalho.
- cantamos quando, após o modernista trabalho artesanal de tesoura e cola com indicações de inserções que JCP faria nessa tarde com os trechos literário-musicais, subimos ao amanhecer a Travessa dos Ingleses rumo à tasca da saída dos jornais para uma sande de torresmo e cervejinhas de arremate. Trabalhar assim, em conjunto, sobre temas e artistas de eleição, como numa entrevista a quatro feita em turnos revezados a José Afonso após o concerto de Dizzy Gillespie no Cascais Jazz, é pura diversão, uma noite americana no Outono lisboeta antes da estação que o próprio Cinéfilo augura que não seja o Inverno do nosso descontentamento. Vivam as citações, que é delas que se vive afinal. Um Inverno do regime vivido sob o signo da prospecção de todas as formas possíveis de viver e divulgar a grande arte. |
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