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Jazz à parte, que só aparece porque Miles e Billie Holiday são também referências constantes nas elucubrações nocturnas de JCP e num país onde ‘não acontece nada’ um acontecimento do porte do festival de Cascais, com o anúncio de apresentações de gigantes como Sarah Vaughan e Dizzy Gillespie, assume proporções extraordinárias, a coisa anda mais é para o clima dos filmes da fase mexicana de Buñuel, tragicómica, sob a sugestão de boleros e tangos como Cabaré na banda sonora do filme vivendis. Noites antes, a propósito da cena macaca em que o fotógrafo de O Século desmaiara no Bolero, eu e Jimi encetámos um tango a narrá-la: Houve uma vítima do copo nessa noite E um som curtido como uma foice Não há luz que corte as costas lisas num açoite Nem sol que rompa essa pernoita... A segunda noite da reportagem cinematográfica começa pelo Príncipe Negro, os dois repórteres e o agregado sozinhos porque ali, conforme acordo prévio, não havendo interesse especial em função dos músicos não há o que fotografar nos interiores. O fotógrafo – o segundo destacado pela agenda do Século – deverá unir-se a nós na etapa seguinte. É cedo mas vimos de matar duas garrafas de Redondo a acompanhar as famosas lulas recheadas com arroz de açafrão do Primavera, no Bairro Alto, e já estamos bem altos quando arribamos ao ambiente ainda morno do escondidinho com ares de saloon. - É como o cenário de Johnny Guitar – cita JCP uma das suas referências míticas. – E veja-se aquela princesa ali, com vestido de noite. No meio da sala, a deambular ao som da discreta banda local, que toca Fascinación, vê-se uma morena com ar de inca. - Bonita, não? E poética, com o vestido bem adequado à ocasião, como um vestido de baile. Já repararam que em todo grande filme há uma dama com vestido de baile? - Como se chama? – pergunta-lhe, quando ela se abeira da nossa mesa, atendendo ao seu aceno. - Sónia. - Sónia... bonito nome para uma bonita mulher – derrapa no lugar comum. - Do tipo que não dá insónia – acompanho-o. A menina – com ares de dama – parece não ter gostado e, pedindo licença, afasta-se. - Sónia, insónia... isso dá música – sugere Jimi. - Samba, dá samba – preciso, e já a batucar na mesa saio-me com um Sóniaaa, escuta o som da insónia... O gravador ligado, comigo e Jimi a fazer da mesa um atabaque, apesar do barulho quase ensurdecedor do som da banda, em cântico-grito, o trio vê-se a soletrar como por milagre letra e melodia de um sambinha com princípio, meio e fim: - Sóniaaa, escuta o som da insónia - Secreta a sílaba... - Secreta a sílaba do sonho... - E sonha o sol dos teus sonhos. - Bonitoooo! - Insónia do teu som Sónia sente - O sal da nossa insónia... - Olhem só pra isto, meu Deus! O SAL DA NOSSA INSÓNIA!... - Sóniaaa... Agora o refrão! Um e outro a juntar e a entoar, sozinhos ou em conjunto: Também eu sou cabaré Sónia, ó minha princesa Já que não tenho o teu corpo Terei minha incerteza
Sinto este samba a roer Teus ombros na minha insónia - Meu Deus, onde é que isto vai!... O samba, o sonho, o sono, a insónia a roer os ombros. Isto vai de arromba, hem?! – interrompe JCP a citar Eça. Também eu sou cabaré O cabaré dos teus sonhos |
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