revoluciomnibus.com  James   Anhanguera ERa   Uma   Vez  A   RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  INSONIA

Jazz à parte, que só aparece porque Miles e Billie Holiday são também referências constantes nas elucubrações nocturnas de JCP e num país onde ‘não acontece nada’ um acontecimento do porte do festival de Cascais, com o anúncio de apresentações de gigantes como Sarah Vaughan e Dizzy Gillespie, assume proporções extraordinárias, a coisa anda mais é para o clima dos filmes da fase mexicana de Buñuel, tragicómica, sob a sugestão de boleros e tangos como Cabaré na banda sonora do filme vivendis. Noites antes, a propósito da cena macaca em que o fotógrafo de O Século desmaiara no Bolero, eu e Jimi encetámos um tango a narrá-la:

                         Houve uma vítima do copo nessa noite

                         E um som curtido como uma foice

                 Não há luz que corte as costas lisas num açoite

                         Nem sol que rompa essa pernoita...

A segunda noite da reportagem cinematográfica começa pelo Príncipe Negro, os dois repórteres e o agregado sozinhos porque ali, conforme acordo prévio, não havendo interesse especial em função dos músicos não há o que fotografar nos interiores. O fotógrafo – o segundo destacado pela agenda do Século – deverá unir-se a nós na etapa seguinte. É cedo mas vimos de matar duas garrafas de Redondo a acompanhar as famosas lulas recheadas com arroz de açafrão do Primavera, no Bairro Alto, e já estamos bem altos quando arribamos ao ambiente ainda morno do escondidinho com ares de saloon.

- É como o cenário de Johnny Guitar – cita JCP uma das suas referências míticas. – E veja-se aquela princesa ali, com vestido de noite.

No meio da sala, a deambular ao som da discreta banda local, que toca Fascinación, vê-se uma morena com ar de inca.

       - Bonita, não? E poética, com o vestido bem adequado à ocasião, como um vestido de baile. Já repararam que em todo grande filme há uma dama com vestido de baile?

- Como se chama? – pergunta-lhe, quando ela se abeira da nossa mesa, atendendo ao seu aceno.

- Sónia.

- Sónia... bonito nome para uma bonita mulher – derrapa no lugar comum.

- Do tipo que não dá insónia – acompanho-o.

A menina – com ares de dama – parece não ter gostado e, pedindo licença, afasta-se.

- Sónia, insónia... isso dá música – sugere Jimi.

- Samba, dá samba – preciso, e já a batucar na mesa saio-me com um Sóniaaa, escuta o som da insónia...

        O gravador ligado, comigo e Jimi a fazer da mesa um atabaque, apesar do barulho quase ensurdecedor do som da banda, em cântico-grito, o trio vê-se a soletrar como por milagre letra e melodia de um sambinha com princípio, meio e fim:

- Sóniaaa, escuta o som da insónia

- Secreta a sílaba...

- Secreta a sílaba do sonho...

- E sonha o sol dos teus sonhos.

- Bonitoooo!

- Insónia do teu som Sónia sente

- O sal da nossa insónia...

- Olhem só pra isto, meu Deus! O SAL DA NOSSA INSÓNIA!...

        - Sóniaaa... Agora o refrão!

Um e outro a juntar e a entoar, sozinhos ou em conjunto:

             Também eu sou cabaré

            Sónia, ó minha princesa

            Já que não tenho o teu corpo

            Terei minha incerteza

 

            Sinto este samba a roer

            Teus ombros na minha insónia

        - Meu Deus, onde é que isto vai!... O samba, o sonho, o sono, a insónia a roer os ombros. Isto vai de arromba, hem?! – interrompe JCP a citar Eça.

    Também eu sou cabaré

    O cabaré dos teus sonhos

25 antes durante depois

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