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Uma madrugada de conversa no estúdio do RCP com António Castro enquanto o doce-amargo Leo Ferré debita La Chanson du Mal-Aimé nas ondas de FM começamos a desenvolver a ideia de fazer um programa juntos, fora da receita normal, entre a literatura de um Aquilino Ribeiro e a sociologia mas sem sociologuês, das mais recônditas e primitivas paragens do país, como uma aldeola perdida entre o Caramulo e o Vale do Vouga. A série chamar-se-ia Aqui, isto, aqui aquilo, dos logares mais atrasados do país. Como Histórias Simples da Gente Cá do Meu Bairro, mas com prisma totalmente diferente... à la Joana dos Arcos, mas mais bem condimentado. Subalugaremos duas horas semanais ao produtor do programa. - Quem sabe ele não nos cede um pouco do tempo desta nulidade... - suspira ele. Noto em António Castro o distanciamento dessa realidade a que no entanto sinto que não é alheio, pela carga de informações adquiridas nomeadamente através da poesia de Alberto Caeiro e da prosa de Torga e Aquilino, a que pretendemos fazer referência directa. Muito provavelmente nunca foi além do Porto, Coimbra, vá lá, Évora, em tournées com a companhia de teatro – cosmopolita como apesar de tudo parece e é. E eu com conhecimento de causa.
Sim. Vilar de Mouros não foi a primeira incursão às trevas de Asterix. Houve uma outra, seis anos antes, de férias em Portugal. Deixo o Rio numa tarde muito chuvosa, sim, mas com uma saída de barco com uma sensação idêntica à de Cole Porter quando compôs It’s Delightful. Deixo o Rio cinzento mas cidade-luz, metrópole, recente-ex-capital do Brasil, em grande fase, e numa semana subo de carro pelas curvas do Bouga até um lugar recôndito e que nunca estivera minimamente próximo do meu pensamento, no distrito de Viseu. Nos últimos quilómetros a estrada é de terra batida. A aldeia não tem luz. Saio do carro e, com o impacto do que (não) vejo mais o cansaço da viagem, choro, quase a morrer de desgosto por aquelas trevas imemoriais em que se distingue apenas ténues focos de luz de candeeiro, como a vida a evolar-se. Casa portuguesa de xisto muito bem cortado. O fogão pré-histórico: um buraco de dois metros, a chaminé em cima onde são mantidos os enchidos pendurados por guitas ao fumeiro e ao lado uma ou outra peça de roupa de Verão ou um estendal, de Inverno, quando não há enchidos ‘a fumar’. Uma fogueira de lenha e vários trempes para as alças das grandes panelas de cobre enegrecidas pelo fumo. Como em A. de Campos, o choro primal, o mangual, tudo manual, o pessoal na eira a debulhar e a malhar as espigas de milho, de vez em quando a sorver a pingazita ou o vinhozito de produções próprias do garrafãozito de meio litro coberto de vime, e quando acaba o vionhozito ou a pinga vai-se comprar à venda, e se a bebe com o mindinho e o anelar no pegador, o garrafãozito apoiado no pulso, uma eira na Beira. Jovens hoje em dia falam em coisas tão pouco práticas como comunidade e democracia participativa, estilo de relações humanas que caracterizam a aldeia e a tribo. Que (sem querer?) aponto também para isso. Tá tudo dentro cá da cachola: já a nostalgia do paraíso perdido, a eira, a beira, a falta de luz eléctrica... – embora à primeira vista o que queiramos denunciar seja justamente o atraso económico-social destas paragens e seja até irónico que na vida de um jovem carioca haja também uma aldeia portuguesa com certeza. Aqui encontra-se apenas uma fímbria da estrutura corporativa na figura de uma junta de freguesia inoperante. Quem manda aqui, manda, mas daqui ninguém manda nada. |
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