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Passará muito tempo até saber a causa do destrambelhamento, quando, apesar de todos os abusos – porque de um trauma desses ninguém escapa de uma vez por todas –, ao menos a expressão facial estará livre das contorções de mentecapto. Guerra que nunca mais acabas... Carlini Sampaio esteve em Nambuangongo, meu amor, no início da pista Holden Roberto, que vinha do Congo e servia de linha de abastecimento da FNLA, na fronteira da região do Soyo e Cabinda, onde as tropas portuguesas e das FAPLA enfrentaram o diabo. Após o mar de lenços brancos de despedida no Cais de Alcântara, quem chega a Luanda ou Lobito tem direito a uma semana ou duas de ‘refresco’ de whisky, groselha ou capilé antes de ir para uma das frentes de guerra. Uma companhia pode voltar com menos um quarto dos soldados ou mais. Nambuangongo, um aquartelamento num vale, quem houvera de pensar... Mas antes rebobino a fita e ponho-a a rodar no ponto em que estou no banco giratório de balcão do Metro e Meio e dou voltas até quase me estatelar no chão de tanta bebida enquanto Carlini Sampaio executa uma pianada cabriolante chickcoreana, malwaldriana, budpowelliana, hancockiana, keithjarrettiana e... mozartiana. Meia-noite, uma da manhã, Carlini dá ‘cobertura’ à estreia absoluta da filha de um famoso actor cómico como cantante. Dá-lhe umas fora de brincadeira, meios tons, quartos, acelera e desacelera o compasso imprevistamente, a gozar com a garina que não está preparada para a carreira. Nambuangongo, palavra macia, sertão doce, foi o fim da picada para Carlini, entre o milharal do quimbo que a tropa em missão de soberania ‘protegia’, situado ao lado. Também ele conseguiu permissão para morar fora do aquartelamento. Com a minha bolsa de tiracolo com o último modelo de gravador portátil Philips e cassetes, estamos na sua cuba na Rua das Trinas e ao chegar, enquanto Carlini destapa a garrafa de brandy, afinfa-lhe uma, ouve isso aqui que gravei de um documentário de um retorna ou coisa que o valha que passou na RTP-2, no mínimo uma dezena de teclados de madeira dos Marimbeiros de Zavala, que parece de uma riqueza tímbrica superior à de Stevie Wonder em Songs In The Key Of Life, cada uma na sua melodia a fazer um compósito harmónico de cipoal timbrístico, e colado de chofre auatata, auatata, auatata ngoa mussengue e eu o que quererá isto dizer e os tambores pam-pam-pam-pam-pam-pam-pam – pá pam-pam-pam-pam-pam-pam-pam - pá em seis por oito e o virtuoso: aaaah! Tomado de entusiasmo catártico põe-se a marcar da forma mais viva num bongozinho marroquino: - Isso é de um ritual de fertilidade da região onde estive! A dois passos do Mayombe e de Cabinda, onde todos lutavam contra todos. - Imagina tu. Construíram o aquartelamento num baixio ao lado da pista Holden Roberto. Os efeenelás vinham pejados de munição e para aliviar um pouco a carga despejavam-na sobre nós, tás a ver? E o que é que se podia fazer em tamanha desigualdade de condições? Disparar de baixo para cima? Nem pensar... Olha, um dia dá-me na telha e digo vou masé pro forno da cozinha, tás a ver, um túnel do camando – e com quem é que dou de trombas? Com o chefe do aquartelamento, que também se tinha refugiado lá, porque a única coisa a fazer era procurar abrigo. Estava-se ali só para dizer que havia uma bandeira portuguesa hasteada ao lado de um quimbo, domas? Um inferno! E lá fui eu morar no quimbo. Tinha levado uma guitarra porque decidi aprender a tocá-la durante a comissão e quando estava lá a harpejar vinha-me o soba e ficava da porta a domar com ar de maravilhamento mas sem querer intrometer-se, tás a perceber? Era um gajo incrível, sempre vestido com um casaco de oficial do exército, um louco. Convidava-o a entrar, mas ele neca. Até que um dia lá entrou com ar intimidado mas no fundo a re’nar e começou a fazer-me perguntas sobre a guitarra, eu na minha, ele muito interessado e uma pergunta puxa a outra pede-me que lhe dê a guitarra e eu ok, dou-te a guitarra se me mostrares onde fica a plantação de boi! - Boi?! – fez a querer demonstrar admiração. - Sim boi, liamba! - Ah, liamba! Sei muito bem o que é liamba, meu, mas nós não temos cá disso, não temos nenhuma plantação de liamba porque não queremos cá disso. - Qual é a tua, meu, tás a querer cantar-me o fadinho ou quê? Então não haviam de ter uma plantaçãozita? Disse-lhe: se me mostrares a plantação eu dou-te a guitarra. E ele nada. Até que um dia diz-me para acompanhá-lo. A plantação estava atrás de um milharal de todo o tamanho. Em resumo, não aprendi a tocar guitarra na comissão! |
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