40 anos da tragédia do Sarriá

                     do histórico scudetto da Roma de Falcão

        e do nascimento do futebol-indústria na Itália

                                                 

     5 de julho de 1982 – 14 de maio de 1983   

   1982-85 · 2022-2025

                        Falcão 
                          Zico Sócrates
                               Cerezo Júnior Dirceu
                                          Edinho  Batista  Pedrinho
                                                   Juary Elói Luvanor
                                                                                                      

                   James Anhanguera

  A triste

  e bela

  saga dos

  brasilianos

                 da tragédia do Sarriá às arenas italianas

                            Leia o livro e assista o jogo 40 anos depois

       AO VIVO DIRETO DO BERÇO DO FUTEBOL-INDÚSTRIA


 

A triste

  e bela

  saga dos

  brasilianos  

        da tragédia do Sarriá às arenas italianas

 

O oitavo rei de Roma

O Doutor Diretas 

Rebuliço na corte do rei Arthur  

Rei morto... fim da Monarquia

 

   veja e leia A triste e bela saga dos brasilianos em italiano


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A triste

e bela

saga dos

brasilianos  

        da tragédia do Sarriá às arenas italianas

 

O oitavo rei de Roma

     primeiro capítulo - sétima parte  

      O chamado “caso Falcão” é o tema dominante das conversas nas várias e intermináveis pausas para o café romanas, nos intervalos dos múltiplos eventos da estate e sobre a grama da Villa Doria Pamphili. Será que Roma vai perder o rei?

     O procurador de Falcão, Cristóvão Colombo, chegou à capital italiana na semana do fuzuê da vitória. No dia seguinte ao apogeu do carnaval, sentados lado a lado, jogador e presidente dão uma entrevista ao vivo na Teleroma 56, canal de TV local facciosa e alegremente romanista em que Roberto Moure, o Pato, costuma pontificar com discursos exaltados em longos e fervorosos debates sobre futebol. Num acesso de entusiasmo próprio de quem se sente nas nuvens, e para gáudio da massa de torcedores que assistem o programa, Viola diz que Falcão já assinara o novo contrato. Deu para perceber que a estrutura do craque balançou na hora, pelo súbito e prolongado embaraço que não pôde esconder e que pareceu aumentar quando Viola se derramou:

      - Agora é como um matrimônio. Para mim, Falcao é como um filho!

      Dias depois, obrigado a confirmar ou desmentir a declaração, Viola diria simplesmente que ela teve por base a vontade de ambas as partes de chegar a um acordo.

       - Entre cavalheiros, é o suficiente para que se dê o contrato por assinado...

       Soube-se entretanto que logo após a entrevista Falcão telefonou ao seu advogado pronto para lhe dar uma bronca, pensando que ele tivesse assinado alguma coisa sem o seu conhecimento. E apressou-se a desmentir o presidente, a quem evidentemente o sucesso transtornara, porque mal anunciou a “renovação” com o rei e já revelava estar disposto a aceitar uma candidatura ao Senado italiano.

      Mas, no que vislumbra o cume da sua trajetória, Viola sente-se rebaixado pela praça, que o tem apenas como “co-autor” de um fenômeno e o faz refém de um ídolo. Está totalmente à mercê do rei e tem que pôr cobro a isso. Toscano como Maquiavel, ao anunciar a assinatura que não houve vira o quadro do avesso e torna-se dono da situação, colocando Falcão face à obrigação de assinar o contrato. E, ao que diz a imprensa, oferece-lhe 900 mil dólares por um ano.

      Colombo é obrigado a reagir e, dizendo à imprensa que Falcão não voltará a vestir a camisa da Roma, volta a assumir a condução do processo, o que não lhe é difícil, porque em princípio a platéia estará sempre, todinha do seu lado, que é o do rei.        Reação indignada da massa que, com o prazo de inscrições a acabar, não quer nem saber o que Viola irá pagar e nem como irá pagar a Falcão. Quer é continuar tendo o jogador à frente do timão.

       - Quando falo em dinheiro, as propostas são ridículas, como se ele não quisesse assinar - diz-me o advogado brasileiro, que reclama de ter tomado longos chás de cadeira nas antecâmaras de Viola e de que, em almoços e reuniões de até seis horas de duração, ele fala de tudo menos do contrato. Impasse que pretenderia manter, diz-se, na perspectiva de levar as negociações até às eleições de fim de junho e, com a confirmação do rei, assegurar um lugar na tribuna de honra da hierarquia do Estado. Ou então para arrastar a arenga até às vésperas do prazo de inscrição de estrangeiros e não lhe deixar outra alternativa senão a de assinar com a Roma.

      - A única coisa que ele repete é que os torcedores do Roma superestimam a importância de Falcão e do técnico Nils Liedholm na conquista do campeonato - informa Colombo, definido pela Gazzetta dello Sport como “um dialético muito fino”.

     Viola muda de estratégia. Agora está “disposto a tudo” para manter Falcão na Roma e, através do filho Ettore - seu herdeiro potencial -, apresenta a última proposta - “até que satisfatória”, segundo Colombo. O jogador embarca para Porto Alegre. Seu advogado prolonga a estadia na Itália, ameaça pôr seu passe à venda e revela ter recebido uma proposta do Verona, time em que Dirceu brilhou no último campeonato e na Copa Itália, que perdeu nas finais para a Juventus. O Verona é o único time italiano de que Falcão recebeu uma proposta séria - “aliás, sensacional”, enfatiza  o advogado, e radicaliza:

     - Enquanto houver Viola, Falcão não voltará para a Roma! A questão não é nem mais dinheiro! Nem por três milhões de dólares o Paulo volta à Roma! É uma batalha pessoal que estou travando com Viola! A volta de Falcão seria um duro golpe para a dignidade do jogador de futebol! Seria como se ele apoiasse a interpretação do futebol segundo Viola, para quem os jogadores são escravos! E se Falcão for contra a minha decisão vai pôr fim a uma amizade de 20 anos!

      Diz-se que, em conversas privadas, Viola acusa Falcão de ser um mercenário. Tão longe estamos daquela quente tarde de 28 de junho de 1982 em que, de visita à concentração da Itália, nos arredores de Barcelona, o jogador ouviu, ao lado dos jornalistas, o presidente declarar pomposamente:

      - Não admito de modo algum liberar Falcão, seja para que clube for e por maior que seja a proposta. Afinal, um homem de caráter não tem preço!

      Vinte dias se passaram desde o início das negociações e não só a dialética colombiana mas tudo e todos se voltam violentamente contra Viola, que vê esgotar-se o tempo de recontratar Falcão e a paciência do impiedoso tifo romanista.

       Consciente disso, ele recua, e numa atitude totalmente diversa da tomada nas semanas anteriores dirigi-se ao hotel em que o advogado está hospedado para tentar desbloquear a situação, dizendo-se agora “disposto a ir além dos limites”. Mas Colombo não esmorece.

       A arrogância demonstrada no início da batalha e o insucesso da sua campanha de aquisições  faz com que os torcedores fiquem furiosos com Viola. O sonho de uma era em que Roma seria a capital do futebol italiano ameaça ruir à nascença. Como o reinado do “oitavo rei de Roma” , que poderá vir a ser também chamado de “o breve”.

      Numa aparente tentativa de virar o placar da opinião pública quando está perdendo de goleada, Viola convoca uma coletiva de imprensa prometendo “revelar toda a trama do caso Roma-Falcão”, mas desilude a todos não dizendo nada. Ou pior, expressando-se numa linguagem truncada a que a imprensa chama de “violês”.

       Os jornalistas perguntam-lhe o que está por trás de todo o CASO e Viola responde com outra pergunta:

       - Vocês entendem alguma coisa do que se passou? Para o presidente da Roma tudo isso é também um grande mistério... Eles dizem que eu tenho uma carta na manga. Pois então eu digo que eles é que têm uma, talvez a tal promessa de contrato com a Inter sobre a qual a imprensa tanto especulou ainda antes da conquista do scudetto.

       Viola não tem outra alternativa: assegura a permanência de Falcão ou verá tombar sobre si a incontida ira romanista. O comitê de coordenação das torcidas organizadas da Roma emite um comunicado em que afirma que o presidente quis jogar poeira nos olhos da opinião pública ao afirmar que todos os obstáculos para a renovação do contrato derivam da diferença de língua, que afinal sempre existiu. Para os romanistas, “o que importa é evitar a todo custo o retorno da Roma à mediocridade”, à Rometta que por tantos anos lutou contra a despromoção. Considerando a disponibilidade manifestada por Falcão à sua chegada ao Brasil e a “pública e sentidamente” expressa por Dino Viola, o comitê apela “para que se ponha fim à batalha de palavras” e se chegue quanto antes a um acordo “sério e definitivo”.

        - O presidente Viola deve recordar que Falcão, por ele contratado por indicação de Liedholm, foi, em colaboração com seus companheiros de equipe, o protagonista principal do relançamento técnico do time - salienta o comunicado, em que as torcidas organizadas convocam os romanistas para uma manifestação de protesto contra o cartola em frente à sede do clube, no bairro de Testaccio, e que termina de forma retumbante:

        - Uma manifestação menor do que a esperada irá provar que todo o afeto que os romanistas demonstraram por Falcão era pura hipocrisia.

       Colombo parte para o Brasil atendendo ao chamado do jogador e anunciando, no estilo bombástico que já se começa a reconhecer nele - talvez a única arma eficaz contra a atordoante altivez do ingegner -, que a partir de agora será o próprio Falcão a negociar o seu contrato e que ele passará a dar-lhe apenas apoio legal.

              FotoReporters81   Guerin Sportivo          

      Mas regressa uma semana depois disposto a reatar negociações com a Roma. Mais uma vez, terá sido mamma Azize a assumir posição determinante num momento complicado da carreira do filho. Colocada face à hipótese de se mudar para a cidade de Romeu e Julieta, em cujo time Falcão, na véspera da chegada do advogado, dizia estar disposto a atuar, ela preferiu permanecer na capital italiana. Colombo adiou sua chegada uma vez, possivelmente para driblar o comando de torcidas organizadas, que pretendia pressioná-lo à saída do aeroporto de Fiumicino para que assinasse o contrato.

   Colombo reuniu-se com um dos diretores do clube, numa ação tendente a quebrar o gelo entre as partes e, no dia seguinte, encontrou-se com Viola, com quem conversou durante três horas. Em seguida, avistou-se com o técnico da Roma, Nils Liedholm, que chegara duas horas antes do gozo de férias na Suécia.

    Expirado o prazo de contratação de estrangeiros, a Roma não contratou “nenhum jogador de estatura mundial” além de Cerezo, na expressão de Nils Liedholm que, ao contrário do que é seu hábito, regressa botando a boca no trombone:

     - Como substituir um fora-de-série como Falcão, sobretudo agora que não é mais possível contratar outros estrangeiros? Existem no mundo muitos campeões mas nenhum como Falcão. Com ele, perdemos o modelo, o exemplo, o profissionalismo, a mentalidade de vencedor, a chefia do time. Na Copa dos Campeões Europeus a falta de Falcão será irreparável. Paulo era o elemento-chave para fazer funcionar todo o mecanismo. No próximo campeonato, não seremos mais superiores aos outros. Jogaremos como ‘pobrezinhos’. Não há possibilidade de nos reforçarmos porque Falcão é insubstituível.

 

       O desabafo de Liddas repercute em todos os órgãos de informação italianos e, por tabela, nos brasileiros. De Porto Alegre, Falcão telefona ao mister para conversar sobre a situação e, segundo indiscrições, ao se despedir, marcam o reencontro para daqui a um mês, na concentração da Roma de  preparação  para a nova temporada.

       Os torcedores romanos continuam indignados com Viola mas começam a criticar também a atitude de Paolo Rrroberto, que segundo eles foi pouco claro durante as negociações. Para os torcedores romanistas, Falcão deveria ter vindo a público manifestar com clareza sua posição quanto à questão. E, após mais uma semana de boatos,  finalmente é anunciado que o advogado do jogador assinará o novo contrato no escritório particular do ministro das Relações Exteriores, Giulio Andreotti. Coisa digna de um rei... e de final de uma boa novela!             O ex-primeiro-ministro assume o papel de garante de respeito ao contrato e, após a sua assinatura, oferece ao procurador de Falcão dois livros de sua autoria, com a seguinte dedicatória: “Ao advogado Colombo, com muitos votos de felicidades e com grande alegria pelo regresso de Paulo a Roma.”

      Diz-se entretanto que, em atitude de desespero própria de um vero tifoso romanista, o chanceler italiano ligou para mamma Ziza rogando-lhe para interceder junto do filho de forma a se encontrar um desfecho satisfatório para o clube. A hipótese contrária, também ventilada, de que foi dona Azize quem telefonou para a “raposa” da política italiana pedindo-lhe para servir de garante do contrato, já que a confiança de Viola em Colombo, e vice-versa, estaria irremediavelmente quebrada, não é verossímil. Mas isso também não importa. O que interessa é que Roma não perde a majestade e finalmente se poderá gozar a estate romana em paz de espírito. Habemus squadra!

 

                                                                                               

  Quegli indimenticabili, irraggiungibili, interminabili anni ‘80

 Aqueles inesquecíveis, inatingíveis, intermináveis anos 80

      As ruínas das termas de Caracalla iluminam-se e agitam-se com montagens de óperas e balés. Shows de jazz, ante-estréias e retrospectivas cinematográficas têm por cenário o Circo Massimo - palco da famosa corrida de quadrigas de Ben Hur - e as ruínas do Palatino, antiga residência de imperadores. As sempre agitadas ruas e praças de Trastevere, o bairro mais antigo da cidade e berço de um dos maiores ídolos romanos da atualidade, o centroavante lazial Bruno Giordano, engalanam-se e enchem-se de sons nos tradicionais festejos de Noantri (noi altri, nós todos, em romanaccio). Às margens do rio Tibre, por alturas do Vaticão, erguem-se barracas de artesanato e grupos de dança e música de todo mundo se revezam noite fora em exibições, enquanto o Borgo Antico explode em festa para demonstrar que o Borgo vive. Mais abaixo, na ilha Tiberina, local onde segundo a lenda Rômulo e Remo encontraram o berço acolhedor e as atenções da loba, hoje reduto silencioso e tranquilo de pares românticos, agita-se com L’isola che non c’è (a ilha que não existe). Lawrence Ferlinghetti, um dos papas da literatura beat, lê poesias no Parque dei Daini. Tem festival de música e teatro orientais no Vallle Giulia. Piazza Navona, no coração da história romana, vibra com equilibristas motorizados no Circo na Praça. Vai-se a Villa Ada, antiga residência do rei da Itália, Alla ricerca del ballo perduto. Este ano, tudo pretexto para mais festa pela esquadra campeã. No calor da noite, há sempre quem cante hinos em seu louvor e lance gritos de vitória.

 

Roma de Fellini, Rossellini, Glauber e de todos os sambas

 

                                    Roma é a história, o mito, mas também uma condição de vida pelas profundas contradições que soube misturar: a carne e a religião, Cristo e o Oriente. (Federico Fellini)

      A movida estival romana é uma invenção do arquiteto e misto de mágico, equilibrista, clown e agitador Renato Nicolini, secretário de cultura do município desde 1976, quando Roma passou a ser governada por uma junta comunista chefiada pelo historiador de arte Giulio Carlo Argan e Nicolini decidiu transformar o “deserto do verão numa cidade viva, que se redescobre”. O modelo foi copiado em toda Itália, mas o jovem agitador continua lutando contra forte oposição de representantes dos mais diferentes setores sociais e políticos da cidade, inclusive o PCI. Roma é há sete anos um laboratório da “alternativa democrática” aos governos de maioria democristã que o PC pretende representar a nível nacional, mas estate à parte não se nota diferença no estilo e na forma de governo: Roma já não é apenas “uma selva tépida, tranquila”, como nos tempos do Marcello Mastroianni de La dolce vita, mas também o é. É calma até demais para quem gosta de agito e queira visitá-la não só para conhecer o seu inebriante patrimônio mas também para sentir a pulsação de uma metrópole moderna. Às vezes nem nos damos conta da sua monumentalidade barroca, da grandiosidade da Roma de Bernini, que fez dela a primeira grande cidade cosmopolita da Europa moderna. Uma das maiores capitais européias, ela é pouco mais movimentada, em termos de agitação artística e cultural, que Lisboa, uma cidade morta. É mais pacata que muita cidade interiorana, mergulhada numa modorra de parasita, onde nos mais diferentes pontos da cidade, à noite, o que predomina são ecos e o lampejo azulado dos televisores sintonizados num dos cerca de 30 canais da região - e viva Berlusconi, futuro presidente do Milan e do conselho de ministros italiano, dono de três canais e que explora a publicidade de outros tantos.

      Roma vive o esplendor dos seus 2736 anos. É decrépita e suja como poucas cidades européias e até mesmo sul-americanas e seus monumentos estão em processo de acelerada degradação pelo anidrido sulfuroso lançado pela massa imensa de viaturas que fazem dela uma das cidades mais entupidas de carros e poluídas do mundo. Mas é ainda molto allegra e vivace no início e no fim do verão, cheia de movimento ao redor dos restaurantes que se estendem em cadeiras e mesas colocadas em praças e ruas as mais estreitas. A abertura de um McDonald’s a dois passos da Piazza di Spagna - o primeiro em Roma! - causa estupor e é noticiada em todo mundo, sendo recebida como um ataque do fast food made in USA ao coração do made in Italy, das substanciais refeições de antepasto e saladas e primeiro e segundo pratos mais o queijo e o dessert... e agora uma siestinha que ninguém é de ferro! A loja não altera em nada o cenário, mas até o pequeno letreiro (apesar de ser também) aurirrubro da multinacional de hambúrgueres e galinha frita parece invasivo entre as famosas marcas de costureiros italianos. Trastevere vibra de dia e nas primeiras horas da noite, em que assume ares de Montmartre romana, com populares, lumpen, artistas e burgueses amalgamados nos bares e osterias das suas vielas e praças. Vive-se entre a modorra e o caos, pois não parece haver solução para o eterno dilema de como dotar a capital de estruturas próprias de uma cidade moderna mantendo o grande burgo milenar inalterado, à superfície e nos subterrâneos; sem destruir o que ainda se pode ver e os dois planos de relíquias em cima dos quais a urbe mais recente assenta. O pomo da discussão em torno à sua preservação é a imposição de um limite à circulação de carros nos centros históricos das cidades italianas, que contêm 65% do patrimônio artístico e cultural da humanidade. O antigo Teatro Goldoni é transformado num misto de pub e dancing e num dos poucos points “alternativos” da cidade, mas logo é fechado por pressão dos moradores das vielas circunvizinhas, que não suportam o burburinho.

      Não existe cidade em que jovens casais se beijem tanto nas praças, como se um novo Átila estivesse para varrê-la do mapa a qualquer instante, sem que ninguém se importe com isso. Cenário e ambiência têm tudo a ver com Roman Holidays (“Candelabro italiano”)ou La dolce vita. Chiquérrima e muito brega. Inebriante. Esplendorosa e decadente.

      Um carro com chapa de Nápoles, presumivelmente da camorra, a máfia napolitana, espera de madrugada que um grupo de homens recolha as moedas jogadas por turistas na Fontana di Trevi, onde Anita Ekberg-Minerva, diva da era da doce vida, seria incapaz de voltar a pôr os pés, por causa da poluição das suas águas.

       Roma é também soturna e, como disse um dia Giulio Carlo Argan, “graças à especulação imobiliária, chata e amorfa como uma polenta no prato”. Londres e Paris são faróis. Mesmo cidades de seu porte como Madri e Barcelona têm muito mais movida. Mas é impossível resistir ao seu mormaço de mamma com grandes tetas quentes de Anna Magnani, provinciana e monumental, entre os muros milenares que, em Trastevere, cobertos de musgo iluminado por candelabros, “fecham” o cenário de serenatas de trinados e bandolins com Bella senz’anima, Ciumachella di Trastevere, Carrozzella romana ou Roma nun fa la stupida stasera...

       Fellini nasceu e cresceu em Rimini. Mas ninguém captou melhor os seus humores e a descreveu em todas as suas cambiantes como ele, mostrando a cidade impossibilitada de modernizar-se, em termos de infra-estrutura, em respeito ao patrimônio à superfície e subterrado, e seu povo indolente, gozador e provinciano, cortês quando possível e ao mesmo tempo rude e grosseiro - por natureza, não por mal.

        Não faltam brasileiros nem mesmo em Cinecittà, uma das quatro míticas capitais da história do cinema e a maior da Europa. A casa de Fellini, em suma. Que está em crise, em consequência da célere evolução dos meios audiovisuais e dos próprios “anos de chumbo”, quando pouco a pouco o glorioso cinema italiano foi esmilinguindo porque, com medo de bombas e assaltos, as pessoas tiveram de resignar-se a ficar em casa assistindo televisão. Mas ainda está longe da morte.

       No metrô, a caminho da não menos mítica “fábrica de sonhos” romana, nos subúrbios de via Tuscolana, o jovem diretor Bruno Barreto prepara-se para encarar mais um dia de montagem da sua versão de Gabriela, de Jorge Amado, com Sônia Braga e Marcello Mastroianni, rodada há um ano no Brasil.

       No Teatro di Posa 5, e após três anos de adiamento, Fellini finalmente roda o seu próximo filme, E la nave va. É o maior estúdio de cinema europeu, 55 mil metros cúbicos de volume de ar impregnado de solenidade e fantasia. Até chegar ao fundo do imenso hangar, guiados pelo maestro, passa-se primeiro por uma réplica do cais do porto de Nápoles, com trilhos, paralelepípedos e uma locomotiva verdadeiros, e por uma reprodução não menos verossímil do perfil do convés da primeira classe do “Gloria N”, onde se desenrola a trama de mais uma aventura pelo universo onírico do regista, montado sobre braços pneumáticos que farão o “navio” balançar como se estivesse em alto mar.

         - E la nave va é uma viagem pelo vazio, isto é, no mar... - “explica” Fellini.

         Chega-se enfim à  casa das máquinas do navio, majestosa estrutura de 36 metros de altura, onde parte da equipe prepara a próxima cena. Por uma hora, Fellini não diz uma única vez si gira, a palavra de ordem dos cineastas italianos para que um plano ou uma sequência sejam impressos no celulóide.

        A “primeira dama” Giulietta Masina, que não participa no filme, assiste aos preparativos sentada numa cadeira de lona branca com a inscrição Federico Fellini no encosto, e em que também se presta ao cerimonioso beija-mão de quem chega, enquanto “carvoeiros” passeiam entre técnicos e privilegiados visitantes e, do palanque das luzes, o diretor se certifica pela objetiva da máquina se o enquadramento está como deseja ou, através do megafone, dá instruções aos atores que, lá em cima, na entrada do coração do vapor, entre um e outro brado ou trinado, recebem também indicações de um ensaiador de ópera. Aristocratas bigodudos, mulheres gordas, militares em antigos trajes de rigor, “deixas” cantadas em estilo operístico: no Teatro 5 vive-se o hiperrealismo do mestre, com todos os seus ingredientes bizarros e monumentalidade.

         Nos tempos da dolce vita, Cinecittà dava trabalho a meia Roma. Foi o período  áureo da Hollywood sul Tevere, quando nos estúdios falava-se predominantemente inglês e nos restaurantes da cidade via-se com frequência divos de Hollywood, “às vezes com muitas garrafas vazias em frente - uma imagem típica dos anos 50”, segundo o crítico e produtor Tulio Kesich.

       É duro suportar os constantes engarrafamentos e o irritante desfuncionamento dos serviços de Roma, como seria insuportável se não fosse hilária a cafonice da subcultura em que o vasto extrato médio da população está mergulhado, por falta de instrução, e que faz a fortuna dos berlusconis da vida. Mas isso é norma em qualquer lugar. Tudo somado, o bom na cidade que é eterna é não estar a fim só de agito na noite trepidante. O maior barato aqui é viver a bonomia de um lugar parado no tempo, na contemplação e no estudo das Antiguidades, mergulhado na letargia e no marasmo modorrento dessa “selva tépida, tranquila, onde a gente pode se esconder bastante bem”, como nos diz também Sônia Braga.

         “Dancin’ Days” revelou aos italianos a gaiata morenice della Braga, uma novel diva morena na terra das divas louras, morenas e ruivas. Com o sucesso da novela, é uma coqueluche.

           - Onde quer que eu vá as pessoas me param e me chamam de Giulia, como se eu fosse uma velha conhecida.

          Sônia encanta Roma, dando banhos de sensualidade ao vivo e no filme Un Caldo incontro, Eu te amo, de Arnaldo Jabor.           - Eu vim por nada, vim por vir, para conhecer a Itália, o que sempre foi um sonho a realizar. E para refletir sobre o meu trabalho.

         O pianista do bar do hotel ataca um meddley de canções de Tom Jobim e Vinícius de Moraes e ela lembra Bella senz’anima, de Tartarughino, "canção do tipo Roberto Carlos que perdeu a calma”. Bella encontra sua ânima em Roma:

         - Minha sensação é a de não estar realmente viajando. Quando amanhã viajar para Nova York estarei saindo de casa para uma terra estrangeira. Saindo daqui é como se pensasse: vou ali e já volto. Não é um adeus, é um arrivederci. É impossível resistir a tanto encanto. A Itália está muito enraizada em minha memória. Sempre ouvi expressões como ma che?! (acompanhando com a mão, as pontas dos dedos unidas, como os romanos). Roma tem mil coisas parecidas com o Brasil e tem uma coisa que o Rio de Janeiro não tem: aqui tua tranquilidade é inviolada, existe uma sensação de tranquilidade em toda parte, você dobra uma esquina sabendo que não existe nenhum perigo do outro lado. Além disso, adoro arquitetura, no que ela conta da história do homem, como os homens viveram e vivem nela, e Roma nesse aspecto é de uma grande generosidade. Tão generosa como a água que brota de suas fontes. Aqui posso estar tranquila comigo mesma, porque todo mundo respeita minha individualidade. É um lugar de boa memória e diferente dos outros. Aqui não precisa nem lugar para morar, porque aqui não tenho qualquer desejo - estou. Vejo os lugares como se estivesse fazendo reconhecimento, porque sei que um dia irei voltar a eles. Além disso, com todos esses jogadores de futebol, é como se estivesse no Brasil.

 

Por nove dias, na estate de 1983, o barroco, o moderno e o muderno da Bahia encontram-se com a imponência clássica e barroca de Roma. É um regalo para os sentidos ver manifestar-se a alegria transbordante e a placidez intimista baiana na Roma mística e pagã de alto verão. A Roma das antigas saturnais e batalhas de carros navais, de outros, longínquos carnavais. A mítica Bahia das 365 igrejas encontra talvez a sua mais completa tradução na imagem sintética de Roberto Rossellini, que a chamou de Roma negra, segundo Glauber, seu sinônimo em arte e homenageado na noite de abertura de Bahia de Todos os Sambas. O evento traz a Roma uma das mais ricas e representativas embaixadas musicais já organizadas, que se exibirá no Circo Massimo, tendo ao fundo as ruínas do Palatino iluminadas. Algumas noites acabam sob toró, há sempre umidade além da conta, milhares de romanos noite após noite tomando pela primeira vez contato com os mais diversos estilos de música baiana. E não só. Uma obra-prima de Glauber e Rossellini rodada por Leon Hirzman - recém-laureado com o Leão de Ouro do Festival de Veneza por Eles não usam black tie - e Paulo César Saraceni. Roma de todos os sambas.

        O pessoal técnico enrolou-se todo, e o que era para ser um show cinemusical, com trechos de filmes de Glauber “ilustrados” por Naná Vasconcelos, Gal Costa, Gilberto Gil e o grupo etnomusical Vivá Bahia acabou por ser, como a definiu Caetano Veloso, uma homenagem “confusa e emocionada como o homenageado, um cineasta confuso e emocionado”, cujas imagens foram projetadas em total assincronia com o que rolava no palco, ainda que Gil se tenha dado ao rigor de ensaiar o repertório das trilhas de alguns dos filmes. Naná, que é de casa e conhece a freguesia, entrou no palco carregando, um de cada vez, berimbau, tablas e processador eletrônico de sons, sentou-se no chão e mandou ver seu show mágico. A galera, que a princípio ficara atônita, em dez minutos já vaiava e o mandava via!... via!... dali, mas transcorridos 50 minutos de performance não queria deixá-lo sair do palco nem que chovessem dardos.  

                        

                        

     João Gilberto desfiou Desafinado, Chega de saudade e Samba de uma nota só, além da sua versão de Estate, de Bruno Martino, com o acompanhamento das cordas da Orquestra Sinfônica local, prejudicado por um som lastimável. Comentou depois que só aguentou porque desejava muito cantar em Roma, onde não atuava desde 1964. Nunca se viu ninguém suportar tamanha tortura - ver um acontecimento raríssimo quase ir pelos ares - porque João Gilberto nunca se submeteu a tamanho flagelo acústico.

     Teve mais Gil e Gal e Djalma Corrêa, os ex-Novos Baianos Morais (com o filho Davi) Moreira e Paulinho Boca de Cantor, Caetano Veloso, Batatinha, Dorival e Nana Caymmi e... trio elétrico de Dodô, Osmar e Armandinho na noite de encerramento, a maior enchente da Piazza Navona de que se tem memória. Um gigantesco “baile”, e nada mais que isso, ao som de sucessos dos Beatles e afins. Pop no carnaval baiano?! Quem haveria de dizer! - admiram-se os romanos espantados, e mais espantados ainda olham para um caminhão com uma carroceria de dez metros de altura construída às pressas alegadamente a partir dos modelos de fotografias de Salvador, sem a supervisão de Osmar Macedo e Armandinho que, ao vê-la já pronta, monstruosa, nada puderam fazer. Sorte que, num ato de sanidade, a prefeitura proibiu o caminhão de circular. Uma pena, porque os romanos não puderam ver o trio elétrico - mesmo que muito mal decorado e iluminado - circular, mas a medida poderá ter evitado uma tragédia. A prefeitura temia que uma eventual queda do caixotão arruinasse as insubstituíveis relíquias da praça. E, de fato, ao invés de parecer temer que a igreja do seu rival Borromini lhe caia em cima, a estátua do barbudo sobre a Fonte dos Quatro Rios de Bernini parece estender a mão e arregalar os olhos aterrorizada com a idéia de que aquela “coisa” lhe desabe em cima! Mas valeu, quanto mais não seja porque deu para ver o alto grau de aceitação dos romanos das coisas do Brasil no encerramento de um dos verões mais festivos que a cidade conheceu. Graças a Falcão, a onda brasileira é avassaladora.

 

A triste   e bela   saga dos   brasilianos  

O oitavo rei de Roma

O Doutor Diretas 

Rebuliço na corte do rei Arthur  

Rei morto... fim da Monarquia

    o quadrinho do

                                                        

 

Parece como com uma mulher. Fica-se sem saber se não se olhou bem as outras ou se só o Guerin Sportivo nos fazia ver o balé do futebol em toda sua beleza plástica.Havia outras revistas talvez mais bonitas que o Guerin. Mas nenhuma tinha fotografias com a qualidade estética do "velho" semanário bolonhês (fundado em 1912) "de crítica e política esportiva" que os jornalistas de todas as publicações ou seções de esporte de publicações de informação geral no estrangeiro consultavam nem que fosse só para ver  como se deve fotografar um esporte como o futebol, que faz com que todos os participantes se movam em total harmonia ou então em grande contraste de movimentos.Reproduzindo ao longo da narrativa de A triste e bela saga dos brasilianos algumas fotos históricas do Guerin queremos também render homenagem a um dos melhores produtos entre os muitos de raríssima qualidade com que a "douta e gorda" Bolonha encanta o mundo.

     

                    

                                                            

                           

A triste   e bela   saga dos brasilianos  

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créditos autorais: Era Uma Vez a Revolução, fotos de James Anhanguera; bairro La Victoria, Santiago do Chile, 1993 ... A triste e bela saga dos brasilianos, Falcão/Barilla: FotoReporters 81(Guerin Sportivo, Bolonha, 1982); Zico: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior e seleção brasileira de 1982: Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Edinho: Briguglio, Guerin Sportivo, Bolonha, 1982; Falcão e Antognoni: FotoReporters 81, Guerin Sportivo, Bolonha, 1981. E-mAIL

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