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Sou destacado para cobrir conferência de imprensa do general Spínola ou do Movimento das Forças Armadas à meia-noite, no quartel da Pontinha. Vou no Opel de reportagem, que finalmente começa a ser-me familiar, dirigido pelo director comercial da empresa e ao passarmos na Estrada de Benfica levo outro choque. - Você é que teve uma sorte do caraças, pá. - Eu? Porquê? - Porque a Pide estava a preparar a sua expulsão. Ser extraditado de uma ditadura para outra? O que poderia acontecer-me? Vejo-me a chegar ao Galeão e soldados levarem-me directamente a um quartel. Escapei por um tris. Na Pontinha uma dúzia de jornalistas espera madrugada fora no pátio do aquartelamento, vendo vez ou outra Marcelo Caetano, mãos juntas atrás das costas, cabisbaixo, a passar de lá para cá pela porta da caserma de comando. Faz frio, apesar da Primavera. O fotógrafo Carlos Gil é quem mais protesta contra o atraso da conferência de imprensa e, sem peias, já ao alvorecer, surpreende o oficial de dia e a mim a reclamar por não se ter sequer oferecido um café aos jornalistas. Não é hora de estar indisposto e exigir o que quer que seja aos homens que nos fizeram o favor de mudar o rumo das nossas vidas. Meia hora depois estamos abancados na messe a tomar o pequeno almoço, que acaba por ser interrompido para irmos ao local da entrevista. Numa pequena sala, sentado numa das cadeiras alinhadas em frente a uma mesa, surpreendo-me ao ver entrar, um atrás do outro, os generais Spínola e Costa Gomes fardados a rigor. Spínola de monóculo, pingalim e dragonas, todas as condecorações que recebeu de Salazar, Caetano e diabo a quatro. A coisa tem em mim o efeito da aparição de Woland, o demo feito consciência colectiva em O Maestro e Margarida, num teatro em Moscovo em plena era estalinista, quando interrompe um espectáculo de variedades com uma sucessão de números de magia negra num vendaval de arrepiar... e matar e, após distribuir divisas e meias de náilon pela plateia, interroga-se na chacota: Será que esses cidadãos mudaram no seu íntimo? - Para quê? – pergunto-me de mi para dó, enquanto ele tira as luvas (!?) e pousa o pingalim sobre a mesa. A ‘conferência’ resume-se à leitura, pelo capitão Vítor Alves, ao que tudo indica o seu (deles) ajudante de ordens, do programa do MFA. Sabe-se mais tarde que os suboficiais que comandaram o golpe passaram a noite a discutir o documento com o general. E que o pomo da discórdia era a questão colonial e a libertação dos presos políticos. O texto declara extinta a censura, anuncia a libertação dos presos políticos e o cessar-fogo em África. Acabada a leitura o repórter precipita-se para o carro, onde é esperado pelo motorista da rádio, e em ânsia deixa-se levar até ao Chiado, apenas para ‘limpar’ os tempos mortos da gravação e editar na íntegra o texto do programa. |
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