revoluciomnibus.com  James   Anhanguera ERa   Uma   Vez  A   RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  BREU

       Não conheço pessoa mais sincera e íntegra, com quem só não gostaria de compartilhar uma mulher. Vê-se na forma como degusta sons os mais estranhos uma profunda irmandade e compreensão ora do lirismo ora da raiva. Sinto-me logo atraído pelo seu magnetismo de existencialista na acepção mais básica, enquanto ele só poderá ter-se deixado trair pelo meu ‘primitivismo’, ingenuidade e pureza, numa relação que é como a de um irmão dez anos mais velho que encontrasse o benjamim nunca visto e muito esperado. Uma noite passamos horas no seu apartamento na Graça a beber whisky, ouvir música e ele a ler excertos de Pela Estrada Fora. Pela manhã descemos até ao Cais das Colunas onde, sentado num degrau da escadaria, a olhar do outro lado os estaleiros da Lisnave como Mr. Magoo, ele desata a recitar a Ode Marítima, espectáculo único e exemplar - a voz encorpada e grave, a interpretação exacta, a luz àquela hora, no próprio cenário do poema, tudo a contribuir para a singularidade e excelência do momento.

 Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,

     Olho prò lado da barra, olho prò Indefinido,

     Olho e contenta-me ver,

     Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.

     Há uma vaga brisa.

     Mas a minh’alma está com o que vejo menos.      

      
     A cena embaraça-me porque noto que, por causa das teorias do Quinto Império e pelo prémio de António Ferro, Pessoa é simplesmente ignorado nos círculos de oposição – e o espanto que causa ouvi-lo na boca de um bravo oposicionista é o mesmo que me causou Camões na do exilado José Mário Branco.


       Fora o seu pouco trabalho na rádio, que ele não há muito para o pessoal do contra, lá faz vez ou outra uma aparição nas montagens naturalistas do teleteatro da RTP ou no D. Maria II com a companhia Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, que sobrevive a encenar clássicos como Tchekov e tem um êxito do caraças graças à RTP, que a cada ano repassa uma gravação de As Árvores Morrem de Pé, um dos acontecimentos marcantes em mais uma década do regime tenebroso.

       Não gosta do que faz apenas para sobreviver. Acha condenável toda a rasteira exploração comercial que se faz da rádio em Onda Média, cuja tónica é a da fórmula disco/anúncio, e na única emissora de FM da praça, com a excepção do Em Órbita, considerado no entanto demasiado pedante pelos poucos escolhidos.

25 antes durante depois

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