revoluciomnibus.com  James Anhanguera ERa Uma Vez A RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  RESISTENTE

Saio com o que é um dos meus jovens mestres até à Portugália, onde conheço e nos sentamos à mesa de António Castro, um radialista e actor com quem comemos o meio bife do lombo obrigatório e fico à conversa. Bonomia de alienígena, aliás com ar de alienado, cabelos ondulados um tanto grisalhos e já ralos na frente, voltaremos a encontrar-nos ali muitas vezes, depois de ir ter com ele ao RCP, onde apresenta um programa em FM da meia-noite às duas, detonando quando lhe dá na veneta música absolutamente bárbara e imprevisível para tais horas num canal do género, uma vez o manifesto tropicalista Panis et Circenses, noutra MC5 Live!, nas breves apresentações a despejar a verrina com acinte, de uma forma única pelos seus extraordinários dotes de elocução, abrandando ou acentuando a seu bel prazer uma sílaba que seja de modo a dar o tom exacto à ‘mensagem’ subreptícia que pretende transmitir, do microfone encostado à boca como da lonjura e vastidão dos palcos. Quase sempre passa o menu habitual do programa, uma Count Basie Orchestra slow with feeling, coisas de muito requinte, Sinatra com Nelson Riddle, mas só de provocação – toma lá disto, ó Evaristo, e ri-se, à rebordosa -, nem acredito nas (tenho até medo das) suas expressões a destilar profundo desprezo pelo bom burguês que àquela hora quer ouvir tudo menos... MC5 Live!

            Uma noite, a propósito da miopia que o obriga a usar óculos com lentes de fundo de garrafa, conta que o seu fascínio pela arte de representar e pelo cinema vêm de pequeno quando, de família pobre, vendia água no Cinema Universal, onde viu muitos filmes. Poderá até não entender a música que ouve do ponto de vista técnico mas a sua atracção pelos sons, e pelos mais bizarros, como os do jazz e em particular do free jazz, resulta do profundo conhecimento que já tem da vida e dos homens, com quem lida com uma atitude às vezes aparentemente primária, com um gozo também só em aparência infantil de contrariar e chocar, o sorriso a estender-se em silêncios estranhamente beatificados... ou endemoniados - serão os óculos ou o que vejo atrás deles é mesmo cintilação de loucura? - e chego a ter pavor.

O que o distingue acima de tudo é a sua transparente falta de peneiras e simplicidade – ou simplismo. ‘Ostracista’ em larga medida, embaraçante quando atira à cara do interlocutor a centelha mais pura e penetrante de expressão do seu pensamento. Que não raro disturba o que de um momento para o outro poderá transformar-se em alvo do seu mau humor mal dissimulado de ingénuo aloprado. Fora do palco não representa nem por um segundo, ou quando o faz é fácil aperceber-se disso pois é um excelente actor, daqueles que gostam de exibir o seu instrumental, despojar-se dele face à plateia num jeito à Actor’s Studio mais que brechtiano, embora stanislavskianamente goste de vestir as peles dos lobos ou cordeiros que representa.

25 antes durante depois ............

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