revoluciomnibus.com  James   Anhanguera ERa   Uma   Vez  A   RevolUÇÃo. ...I I I     MEDO ATRASO E ROCK NAS BERÇAS  BLACK POWER

       Já que cá estou e aqui cheguei outra vez quase por acaso dou talvez um passo mais longo que as pernas, Tempo Zip, em fase low profile também por motivos financeiros depois de um longo período inicial espectacular com Nuno Martins entre os realizadores. Experiência curta e delirante. Muitas vezes por falta de dinheiro vou a pé de Alvalade ao Chiado e em poucas horas faço o caminho inverso.

                     Angela Davis – Retrato da América Negra: dos campos de algodão aos Black Panthers

 Tenho até gravado para tirar notas as edições especiais do programa Campus, de Michel Lancelot, na Radio Europe 1, de Paris, com sons, entrevistas e depoimentos sobre questões internacionais na ordem-do-dia. A fórmula apurada em português pego-a de um jovem mestre em reportagem de rádio, Adelino Gomes, que objectivo, preciso e comovente na execução técnica brilha no Página 1, um dos melhores programas de música popular e jornalismo, que foge à fórmula disco/anúncio e faz um notável esforço de produção e divulgação da chamada nova música portuguesa, juntamente com Tempo Zip, que numa segunda fase tem por base conceitual uma vertente mais político-sociológica.

Dia Internacional da Luta Contra a Fome, textos de jornais que passaram pelo crivo da censura, Geopolítica da Fome, de Josué de Castro, e sons: Panis et Circenses (e as pessoas na mesa de jantar...). Ouço enquanto janto e de repente o estalo: junto a ementa em francês do jantar de gala no Grémio Literário, que por ironia realiza-se no mesmo dia, e A Cidade do Sossego, de Gogol, misturo-o com uma notícia jocosa a respeito publicada no último número do Comércio do Funchal e tenho um ‘apontamentozito’.

         Julgamento da activista negra Angela Davis, do Black Panther Party, Califórnia sob governo Ronald Reagan. Acusada de participação num assalto a um tribunal de Oakland durante o julgamento de militantes do BP, Angela está sob a ameaça de condenação à morte e seria executada não fosse o processo ter mobilizado a nata da opinião pública internacional depois dos assassínios do soul brother George Jackson e do seu irmão, Jonathan. Baseio-me em farta documentação importada, como o livro de cartas de Jackson da prisão, uma reportagem do Rolling Stone no estilo novelístico que lhe é peculiar a provar que Jackson nunca poderia ter tentado a fuga da penitenciária de segurança máxima de Soledad e foi morto, e textos da Ramparts, mais uma cronologia da luta dos negros nos EUA, para ilustrar a perseguição impiedosa do Establishment ao inimigo público número um, o movimento negro. Tive o auxílio precioso de José Duarte, que cedeu-me uma antologia de blues com depoimentos de velhos bluesmen a falar do tempo da escravatura nos campos de algodão, Seize the Time, de Helen Brown, do departamento de informação e propaganda do BP, com a banda sonora da peça feita a partir do livro homónimo de Bobby Seale, líder da corrente menos radical do BP e um dos 7 de Chicago, e por último mas nem por sombras menos importante, Last Poets de New York, New York, the big apple, Wake up, nigger! – rap seminal.

          Arrepio-me só de pensar em gente como Eldridge Cleaver e Malcolm X. Conta-se que em discurso para uma plateia de 300 pessoas, X perguntou quem estaria disposto a lutar pela causa dos negros. Todas se ergueram. Inquiriu quem estaria disposto a matar pela sua causa. Só umas cinquenta se levantaram.

        Sendo assim, desfechou, os que se predispõem a matar devem começar pelos que ficaram sentados, que estarão entre os primeiros a querer exterminá-los. A ira de parte a parte gerou uma luta sem tréguas. Soul brothers e sisters estão a ser mortos que nem tordos nas ruas e prisões, numa guerra civil não-declarada na rectaguarda da guerra ao vietcong.

 Na montagem, matéria sobrepõe-se a matéria, faço locução em duas vozes com uma captada de um aparelho de telefone ligado à régie, o alinhamento de vozes e sons de tal modo complexo que, por ideia do técnico José Videira, grava-se tudo antes para editar depois, de várias fitas. Só um excerto de música branca, aos 40 dos 50 minutos do documentário radiofónico, all come to look for America, reverência também aos tempos em que vagava, vadio e amedrontado, a uivar baixo, pelas ruas escuras e quase nuas de uma cidadezinha do condado de Essex, quando o ex-notabilíssimo animador – the wizard – Nuno Martins simula um orgasmo, até agora o maior tributo ao meu trabalho, o ‘chefe’ a cofiar a barba e a sorrir a contragosto.

25 antes durante depois   

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