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Nem a falange anarca representa minimamente o bandoleirismo anarco-hippie de Pepe y sus muchachos quando ele vem a Lisboa e telefona a desafiar os amigos para a vagabundagem. Quando está na cidade é o que acontece, entre visitas a amigos em Lisboa e arredores, quase sempre divertidas e instrutivas. Fins de Setembro, reúne-se a mim, Dio e Joana e decidimos ir a Cascais, a visitar Júlio Andrade, que acaba de mudar-se com Maurício e los chilenos para uma casa de dois andares no Alto de Cascais. Ao longo do ano o grupo abancou no Chiado a vender um produto em tese absurdo: colares e pulseiras feitos de massa alimentícia pintada. O grupo decide comprar peixe na lota para cozinhar na nova casa. Compramos um polvo bem grande, arroz e condimentos para o refogado. Alho, cebola e pimento vermelho coram e fritam no azeite, passamos o polvo lavado e cortado no refogado e quando já está quase cosido mandamos-lhe o arroz por cima. Júlio compra pão e vinho. Seis para a janta, com ele e uma amiga. Depois, desculpem lá mas estamos à espera de visitas, os quatro vemo-nos desolados sem nada a fazer em Cascais e sem querer voltar para Lisboa, porque tínhamos decidido também passar o domingo por lá. Decidimos ir à procura de Júlio da Maianga, que com o produto das primeiras vendas da poderosa liamba trazida de Angola alojou a mãe num e instalou-se com a garina noutro apartamento de um prédio enorme da nova urbanização do J. Pimenta. Venta muito e o imenso corredor do edifício onde tocamos a uma porta parece um túnel de aceleração de partículas atómicas. Ninguém responde. Estamos na baía quando Joana tem uma ideia. - Que tal fazermo-nos passar por iarns e dormirmos num hotel? Amanhã podemos ir à praia e ver se encontramos o Júlio. Vamos a uns três hotéis de Cascais e chegamos ao lobby do Estoril Sol, sempre com o mesmo paleio que não deu certo nas tentativas anteriores, quando em última instância os empregados dizem que estão cheios de iarns. - Boa noite. Nós somos do IARN, estamos sem os nossos cartões aqui mas precisamos de dormida. Será que os senhores podem hospedar-nos? - Desculpe, mas sem as cartões é impossível. Continuamos a tentar até chegar a um hotel numa casa tipo Psycho no Monte Estoril. Passamos o portãozinho e seguimos entre o jardim até à porta de entrada, quase às escuras. Dentro, escuridão completa. É quase meia-noite. Diogo vai à frente, seguido por mim, Pepe e Joana, que já descrente de obtermos qualquer sucesso fica no passeio, apoiada ao muro. Dio toca à campainha. Ninguém responde. Toca outra vez e dá no mesmo. Insiste. À quinta ou sexta tentativa finalmente abrem a gelosia da porta e aparece um senhor atrás das grades. Nada a fazer, diz. Dio insiste mas o homem não se apieda e já a perder a paciência dá a entender que decididamente não está para argumentos, despedindo-se e fechando a portinhola num gesto abrupto, a que Dio reage com fúria. - Mas, está a bater-me com a porta na cara?! – e acerta a mão espalmada no vidro, que se despedaça com estardalhaço. Não acredito no que vivo. Olho para trás e vejo Pepe com os olhos esbugalhados. Para a frente, e Dio esbraceja e grita impropérios à janela despedaçada. Volto a olhar para trás e vejo Joan a pisgar-se rua abaixo e Pepe a olhar de frente para trás e detrás para a frente e a dar uma passada decidida rumo ao portãozinho, que ultrapassa a correr e eu atrás dele e atrás de mim Dio até ao casino. - Melhor apanhar um táxi para Lisboa. Pelo caminho a divertida e ao mesmo tempo acabrunhante sensação de ser um delinquente, um irresponsável, um pateta alegre em loucas aventuras tipo Freak Brothers, eu Freewheeling ou Phineas? em pequenos crimes de garotos. Até que, eu sem dar por isso, a cabeça ainda num turbilhão, a assoprar a adrenalina, chegamos a Lisboa e alguém diz: o que é aquilo? O casarão da Embaixada de Espanha está em chamas. Após uma manifestação contra a execução de militantes antifranquistas os anarcas decidiram invadir a embaixada a que puseram fogo e saqueiam peças de mobiliário e obras de arte, causando milhares de contos de prejuízo. Fat Fred na cabeça: Primeiro a embaixada, depois o país! Sinto-me redimido. Isto sim é que é loucura. E pensar que há bem pouco tempo ainda o cantautor lançou o verso Praça de Londres a arder e, mais que surreal, a imagem parecia totalmente absurda.
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