Ainda está ele a esboçar um sorriso entre o embaraçado e o cúmplice quando Leite Vasconcelos deixa-me a modos que atónito ao pôr-se a declamar num estilo de jogos florais ou tom de tertúlia das antigas bem diferente do que lhe é habitual, que é o mais coloquial possível, a primeira quadra da canção tradicional alentejana.

Último noticiário dado trato de ir para casa a pôr-me no quentinho porque a véspera foi de tourada. Quatro horas depois sou acordado por Jimi:

- Joaquim Furtado está a dizer na rádio que está a haver um golpe de Estado.

Mal saído do sono, nem penso em 17 de março.

- Mas que golpe e golpe, eu quero é dormir.

- É verdade. Ora escuta.

Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas...

Nem penso no tom afectado com que o Leite disse a quadra de Grândola – e porque houvera de fazê-lo? Ponho-me a discar para o RCP para saber o que se passa. Todos os telefones ocupados, e o amigo a dar-lhe:

Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. Informamos que está em curso... Pedimos à população que se mantenha em suas casas... – entre uma marcha militar e Grândola.

           Tomo banho, mal engulo o pequeno-almoço e corro a apanhar um táxi para a rádio. No caminho, movimento menor que o habitual mas ainda assim muita gente na rua. Não se se diria que há algo de anormal. Mas a Rotunda do Marquês está quase deserta. Só se vê um carro blindado do exército em marcha lenta.