Como tão pouco tempo pode marcar tanto. Como cada amor que passa pode ser, quando passa, para toda a vida. Muito piroso e muito belo... – ridículo, mas todas as cartas de amor o são... Tudo bate de uma forma estúpida, como se toda a gente se tivesse reunido em conclave para dizer o que sentimos. Abre-se um livro e fica-se chapado:

                 É como o sol poente

                 que já não dá calor

                 mas ilumina a gente

      E Caetano Veloso a cantar, piroso – o quê? Um bolero...

 tu me acostumbraste

 a todas essas cosas

 y tu me enseñaste

 que son maravillosas

 sutil llegaste a mi

 como una tentación

 llenando de inquietud

 mi corazón

 io non concebia

 como se queria 

 en tu mundo largo

 y por ti aprendi

 por eso me pregunto

 al ver que mi olvidaste

 por que no mi enseñaste

 como se vive sin ti

       Duas semanas depois, noite de sexta-feira, recebo um telefonema.

       - Não quer fazer como antes? Hoje à meia-noite no Londres passa Fúria de Viver com o James Dean. Porque não nos encontramos lá, e se não tiver chegado deixa o meu bilhete na bilheteria?

       Vi o filme oito dias antes, na meia-noite do Apolo 70, mas aceito o repto.

       O inspector pergunta a Platon (Sal Mineo):

       - Você já foi ao psiquiatra?

        - O senhor acha-me com cara de louco?

       Jim (James Dean) numa das cenas de estarrecimento em casa:

       - Como uma pessoa pode crescer num circo como este?! Se eu ao menos sentisse que pertenço a algum lugar!...

       Nathalie Wood goza do recém-chegado Jim:

       - Você é mesmo um quadrado! – a uns 20 minutos de filme, quando ela chega, mais perfumada e bem-pintada que nunca, e perde mais uns bons minutos do filme a dar-me beijinhos enquanto esfrega-me as mãos entre as suas e aninha-se ao meu lado a suspirar e ofegar como uma criancinha, que contraste.

       Nem quer ir a outro lado.

       - Apanhamos um táxi e vamos directos para a minha casa - impõe, e eu sem entusiasmo lá me deixo levar, limitando-me a sorrir enquanto ao longo da viagem ela faz-me juras de amor e carinhos e despe-se e despe-me sobre a carpete da sala, violentando-me com mordidas. No dia seguinte, ao contrário do habitual, não tenho de sair a correr para não topar com o ex que, se soubesse que ela está com outro homem, lhe cortaria a pensão do filho. Quando ele chega para apanhá-lo ela está a lamber-me as feridas do amor ardoroso como um elefante no banheiro.

       À saída, respondo-lhe com um sim-sim aos pedidos insistentes para que lhe telefone, mas tão cedo não me apanhas.